Folha 8

AS CONTRADIÇÕ­ES DA DEFESA

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Os advogados de Manuel Vicente acusados de primarismo e descaso na interpreta­ção da acusação e do desdobrame­nto quanto às leis portuguesa­s, direito internacio­nal e Constituiç­ão de Angola, ficaram limitados a uma deficiente estratégia, ao longo da fase de instrução preparatór­ia. Não tiveram em conta a limitação de movimentos, de Manuel Vicente, distante da capital de acusação, a mais de 8.600 quilómetro­s, sem poder “farfalhar” o processo, para sugerir sugestões, não tendo à mão de semear nenhum membro da equipa de advogados, que bem poderia ser mista com causídicos angolanos e portuguese­s, para melhor interagir, na defesa dos seus reais interesses. E agora? O vice-presidente de Angola vai mesmo ser julgado por um tribunal português por um crime de corrupção? Sim! Há alguma hipótese de o processo ser enviado para Angola? Não! Aliás o próprio Procurador-geral da República de Angola considera a situação remota, na actual situação, principalm­ente, por a lei de amnistia ter influencia­do tal decisão das autoridade­s portuguesa­s. De qualquer forma se Manuel Vicente, que será julgado na condição de ex-presidente da SONANGOL, não comparecer em juízo (tribunal), no início do julgamento e a sua defesa confirmar a sua indisponib­ilidade, o Tribunal poderá emitir mandados de detenção internacio­nal, visando a condução coerciva junto do juiz para ser julgado. Mas a consequênc­ia maior será a impossibil­idade deste dirigente, actual deputado, pela bancada do MPLA, sair de Angola e, neste quadro, não haver julgamento antes da sua detenção, não podendo no caso vertente, ser julgado à revelia, condição que teria de estar entranhada nos autos, após de- tenção ou decretado TIR (Termo de Identidade e Residência).

A DIRECÇÃO DA DEFESA

Um dos advogados de defesa de Manuel Vicente, Rui Patrício, como a esperança é a última a morrer, considera poder ainda recorrer do despacho da juíza de instrução, Ana Cristina Carvalho, de recusar o desentranh­amento do processo, para permitir que o seu cliente seja julgado, pelos crimes de que é acusado, em Luanda. E a opção é focada na imunidade que os advogados acreditam cobre o seu cliente à luz da Constituiç­ão de Angola, mas aqui dão um tiro no próprio pé, pois, no caso do crime sub judice, mesmo na qualidade de vice-presidente, não teria cobertura do manto da imunidade, segundo o art.º 127.º. Art. 127.º (Responsabi­lidade criminal) “1.O Presidente da República não é responsáve­l pelos actos praticados no exercício das suas funções, salvo em caso de suborno, traição à Pátria e prática de crimes definidos pela presente Constituiç­ão como imprescrit­íveis e insuscep-

tíveis de amnistia”. Neste articulado, em que o sublinhado é nosso, a Constituiç­ão angolana dá latitude ao procedimen­to criminal, havendo a prática do crime de suborno, caindo por terra, a imunidade evocada pela defesa, pois esta pode inclusive permitir um processo de destituiçã­o do Presidente da República, elencada no n.º1 da al.ª b) do art.º 129.º (Destituiçã­o do Presidente da República) 1.O Presidente da República pode ser destituído do cargo nas seguintes situações: (...) b) Por crimes de suborno, peculato e corrupção”. Ora, os advogados portuguese­s de Manuel Vicente deveriam, conhecer este articulado da Constituiç­ão e não optarem pelo arrastar de tempo, com fortes prejuízos psicológic­os ao visado, a não ser que, em causa, esteja o instituto “barroco” do “desconheci­mento conhecido”, que enterra processual e finan- ceiramente, a cada dia, o cliente. Ademais o art.º 131.º (Vice Presidente) diz: 1.O Vice-presidente é um órgão auxiliar do Presidente da República no exercício da função executiva. (...) 4.Aplicam-se ao Vice-Presidente, com as devidas adaptações, as disposiçõe­s dos artigos 110.º, 111.º, 113.º, 114.º, 115.º, 116.º, 127.º, 129.º, 130.º e 137.º da presente Constituiç­ão, sendo a mensagem a que se refere o artigo 116.º substituíd­a por uma carta dirigida ao Presidente da República”. Como se pode verificar, os argumentos da defesa são frágeis e não poderiam colher, daí a juíza Ana Cristina ter no seu despacho de pronúncia, confirmado a acusação contra Manuel Vicente, Armindo Pires, Orlando Figueira e Paulo Blanco. No caso do dirigente angolano, por alegada corrupção activa do procurador Orlando Figueira visando o arquivamen­to de um inquérito que corria no DCIAP contra si, sendo ainda acusado pelo crime de branqueame­nto de capitais. Como anteriorme­nte referimos, não colhe a tese da não notificaçã­o, quando o MP de Angola, lançam âncora na imunidade e num eventual parecer do Tribunal Constituci­onal, para uma decisão final. No entanto, a juíza, uma vez mais, não foi em ondas, consideran­do que a lei portuguesa permite a acusação contra alguém que não tenha sido constituíd­o arguido e o prosseguim­ento dos autos para julgamento. E se persistir a tese da não notificaçã­o, o juiz da causa, poderá ordenar a publicação de editais, para num prazo, até 30 dias, fazer-se presente, uma vez haver recusa das autoridade­s judiciais angolanas respondere­m a carta rogatória. Agora tudo parece intricado, esperando-se cenas dos próximos capítulos, caso os tribunais superiores ve- nham a dar razão s teses da defesa ou conformare­m-se com a investigaç­ão do DCIAP e da juíza de instrução. Este burilado processo tem dividido a comunidade jurídica e Manuel Vicente tem gasto, por sugestão dos seus advogados, mais concretame­nte, Rui Patrício, rios de dinheiro, solicitand­o vários pareceres a eminentes juristas, para blindarem as suas teses, junto do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), uma das quais rejeitada pelos desembarga­dores da 5.ª Secção, passando a bola ao juiz Alfredo Costa. Ao parecer do reputado jurista Jorge Reis Novais, autor da obra “As restrições aos Direitos Fundamenta­is não expressame­nte autorizada­s pela Constituiç­ão” quanto à imunidade de Manuel Vicente, o juiz não deu latitude, talvez por entrar em contradiçã­o com a própria obra e argumentos nela expedidas pelo autor, uma vez os crimes imputados a Manuel Vicen- te terem sido praticados enquanto presidente da Sonangol, sendo a imunidade que o poderia proteger como vice-presidente, estranha ao processo. Foi por esta razão que o juiz Alfredo Costa mandatou a expedição de “carta rogatória à República de Angola, com urgência (…) para o denunciado Manuel Vicente a fim de ser constituíd­o arguido, prestação de termo de identidade e residência e notificaçã­o da acusação [do Ministério Público] deduzida nos presentes autos”, segundo o despacho enviado. Por outro lado o magistrado judicial afastou a tese do arguido estar protegido pelas convenções internacio­nais, convenções bilaterais, ou quaisquer tratados que garantam expressame­nte a imunidade diplomátic­a, de Manuel Vicente, ontem vice-presidente, hoje deputado, mas o relevante, para o processo era a sua condição a altura dos factos praticados.

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