AS CONTRADIÇÕES DA DEFESA
Os advogados de Manuel Vicente acusados de primarismo e descaso na interpretação da acusação e do desdobramento quanto às leis portuguesas, direito internacional e Constituição de Angola, ficaram limitados a uma deficiente estratégia, ao longo da fase de instrução preparatória. Não tiveram em conta a limitação de movimentos, de Manuel Vicente, distante da capital de acusação, a mais de 8.600 quilómetros, sem poder “farfalhar” o processo, para sugerir sugestões, não tendo à mão de semear nenhum membro da equipa de advogados, que bem poderia ser mista com causídicos angolanos e portugueses, para melhor interagir, na defesa dos seus reais interesses. E agora? O vice-presidente de Angola vai mesmo ser julgado por um tribunal português por um crime de corrupção? Sim! Há alguma hipótese de o processo ser enviado para Angola? Não! Aliás o próprio Procurador-geral da República de Angola considera a situação remota, na actual situação, principalmente, por a lei de amnistia ter influenciado tal decisão das autoridades portuguesas. De qualquer forma se Manuel Vicente, que será julgado na condição de ex-presidente da SONANGOL, não comparecer em juízo (tribunal), no início do julgamento e a sua defesa confirmar a sua indisponibilidade, o Tribunal poderá emitir mandados de detenção internacional, visando a condução coerciva junto do juiz para ser julgado. Mas a consequência maior será a impossibilidade deste dirigente, actual deputado, pela bancada do MPLA, sair de Angola e, neste quadro, não haver julgamento antes da sua detenção, não podendo no caso vertente, ser julgado à revelia, condição que teria de estar entranhada nos autos, após de- tenção ou decretado TIR (Termo de Identidade e Residência).
A DIRECÇÃO DA DEFESA
Um dos advogados de defesa de Manuel Vicente, Rui Patrício, como a esperança é a última a morrer, considera poder ainda recorrer do despacho da juíza de instrução, Ana Cristina Carvalho, de recusar o desentranhamento do processo, para permitir que o seu cliente seja julgado, pelos crimes de que é acusado, em Luanda. E a opção é focada na imunidade que os advogados acreditam cobre o seu cliente à luz da Constituição de Angola, mas aqui dão um tiro no próprio pé, pois, no caso do crime sub judice, mesmo na qualidade de vice-presidente, não teria cobertura do manto da imunidade, segundo o art.º 127.º. Art. 127.º (Responsabilidade criminal) “1.O Presidente da República não é responsável pelos actos praticados no exercício das suas funções, salvo em caso de suborno, traição à Pátria e prática de crimes definidos pela presente Constituição como imprescritíveis e insuscep-
tíveis de amnistia”. Neste articulado, em que o sublinhado é nosso, a Constituição angolana dá latitude ao procedimento criminal, havendo a prática do crime de suborno, caindo por terra, a imunidade evocada pela defesa, pois esta pode inclusive permitir um processo de destituição do Presidente da República, elencada no n.º1 da al.ª b) do art.º 129.º (Destituição do Presidente da República) 1.O Presidente da República pode ser destituído do cargo nas seguintes situações: (...) b) Por crimes de suborno, peculato e corrupção”. Ora, os advogados portugueses de Manuel Vicente deveriam, conhecer este articulado da Constituição e não optarem pelo arrastar de tempo, com fortes prejuízos psicológicos ao visado, a não ser que, em causa, esteja o instituto “barroco” do “desconhecimento conhecido”, que enterra processual e finan- ceiramente, a cada dia, o cliente. Ademais o art.º 131.º (Vice Presidente) diz: 1.O Vice-presidente é um órgão auxiliar do Presidente da República no exercício da função executiva. (...) 4.Aplicam-se ao Vice-Presidente, com as devidas adaptações, as disposições dos artigos 110.º, 111.º, 113.º, 114.º, 115.º, 116.º, 127.º, 129.º, 130.º e 137.º da presente Constituição, sendo a mensagem a que se refere o artigo 116.º substituída por uma carta dirigida ao Presidente da República”. Como se pode verificar, os argumentos da defesa são frágeis e não poderiam colher, daí a juíza Ana Cristina ter no seu despacho de pronúncia, confirmado a acusação contra Manuel Vicente, Armindo Pires, Orlando Figueira e Paulo Blanco. No caso do dirigente angolano, por alegada corrupção activa do procurador Orlando Figueira visando o arquivamento de um inquérito que corria no DCIAP contra si, sendo ainda acusado pelo crime de branqueamento de capitais. Como anteriormente referimos, não colhe a tese da não notificação, quando o MP de Angola, lançam âncora na imunidade e num eventual parecer do Tribunal Constitucional, para uma decisão final. No entanto, a juíza, uma vez mais, não foi em ondas, considerando que a lei portuguesa permite a acusação contra alguém que não tenha sido constituído arguido e o prosseguimento dos autos para julgamento. E se persistir a tese da não notificação, o juiz da causa, poderá ordenar a publicação de editais, para num prazo, até 30 dias, fazer-se presente, uma vez haver recusa das autoridades judiciais angolanas responderem a carta rogatória. Agora tudo parece intricado, esperando-se cenas dos próximos capítulos, caso os tribunais superiores ve- nham a dar razão s teses da defesa ou conformarem-se com a investigação do DCIAP e da juíza de instrução. Este burilado processo tem dividido a comunidade jurídica e Manuel Vicente tem gasto, por sugestão dos seus advogados, mais concretamente, Rui Patrício, rios de dinheiro, solicitando vários pareceres a eminentes juristas, para blindarem as suas teses, junto do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), uma das quais rejeitada pelos desembargadores da 5.ª Secção, passando a bola ao juiz Alfredo Costa. Ao parecer do reputado jurista Jorge Reis Novais, autor da obra “As restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição” quanto à imunidade de Manuel Vicente, o juiz não deu latitude, talvez por entrar em contradição com a própria obra e argumentos nela expedidas pelo autor, uma vez os crimes imputados a Manuel Vicen- te terem sido praticados enquanto presidente da Sonangol, sendo a imunidade que o poderia proteger como vice-presidente, estranha ao processo. Foi por esta razão que o juiz Alfredo Costa mandatou a expedição de “carta rogatória à República de Angola, com urgência (…) para o denunciado Manuel Vicente a fim de ser constituído arguido, prestação de termo de identidade e residência e notificação da acusação [do Ministério Público] deduzida nos presentes autos”, segundo o despacho enviado. Por outro lado o magistrado judicial afastou a tese do arguido estar protegido pelas convenções internacionais, convenções bilaterais, ou quaisquer tratados que garantam expressamente a imunidade diplomática, de Manuel Vicente, ontem vice-presidente, hoje deputado, mas o relevante, para o processo era a sua condição a altura dos factos praticados.