A CONTINUAÇÃO DO PRESENTE PROCEDIMENTO PENAL
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS DELEGADA NA REPÚBLICA DE ANGOLA
Daqui resulta que as atribuições do chefe de Estado da República de Angola no plano internacional consistem na alta direcção da política exterior do Estado, na capacidade de negociar e aderir aos tratados internacionais sem a necessidade de ‘plenos poderes’, ou, ainda, no poder de declarar guerra e concluir acordos de paz e na faculdade de enviar, receber e acreditar agentes diplomáticos. Já o Vice-presidente da República de Angola é um órgão auxiliar do Presidente da República no exercício da função executiva, e substitui o Presidente da República nas suas ausências no exterior do País, quando impossibilitado de exercer as suas funções, e nas situações de impedimento temporário, cabendo-lhe neste caso assumir a gestão corrente da função executiva. O Chefe de Estado é beneficiado por um conjunto de prerrogativas reconhecidas quer pelo Direito Internacional consuetudinário quer pela comitas gentium (cortesia internacional), já que se trata de pessoa internacionalmente protegida. A Convenção sobre Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 1961, concretamente o disposto no seu artº. 31º assegura às Missões diplomáticas inviolabilidade, e aos diplomatas salvo-conduto, isenção fiscal e de outras prestações públicas, bem como de jurisdição civil e penal e de execução. É uma imunidade Internacional que tem no seu conceito central a não aplicação da jurisdição, que para o caso que nos interessa, penal (Neste sentido ver WLADIMIR BRITO, Direito Consular, Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra, Coimbra Editora, 2004, pág. 129; WLADIMIR BRITO, Direito Diplomático, Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros, 2007, pág. 68.). Mas a imunidade não pode ser absoluta, é necessário distinguir as imunidades, inviolabilidades e privilégios ditos ratione materiae, ou seja, que estão intrinsecamente conexionadas com o exercício das funções, e aqui tem toda a razão de ser que estas imunidades se apliquem de forma absoluta; das imunidades, inviolabilidades e privilégios ratione personae, que são pessoais e, portanto, desconexionados das funções oficiais. Isto para dizer, que no caso do denunciado MANUEL VICENTE e estando ligado a sua actividade, alegadamente ilícita, no âmbito pessoal (ratione personae), portanto que não tem qualquer característica de conexão a actos de natureza oficial (decorrentes da sua função) – que como já vimos supra, a situação nem se coloca, já que na data dos factos ainda não era detentor do cargo de Vice-presidente da República de Angola, e actualmente já nem exerce tal cargo, mas ainda assim: – carece de fundamento, no entendimento deste tribunal, reclamar a prerrogativa de imunidade nos termos em que o faz. É uma posição que está em consonância com as doutrinas actuais que defendem que as imunidades dos Chefes de Estados Estrangeiros em exercício têm de sofrer excepções necessárias, a fim de os tornarem conformes a outros principio fundamentais reconhecidos e, até, exigidos pela comunidade internacional em matéria de Direitos Humanos e Dignidade da Pessoa Humana. (cfr., neste sentido SYLVAIN MÉTILLE, L’immunité des chefs d’etat au XXI siècle). É certamente matéria que não é pacífica, mas, ainda que fosse prevalecente a tese contrária a que não aderimos, uma excepção é inquestionável: a já referida imunidade ratione personae mantêm-se apenas para os agentes em exercício, de maneira que os seus efeitos cessam aquando do términus do exercício das funções oficiais. Neste caso, ainda que o denunciado MANUEL VICENTE estivesse protegido pela imunidade ratione personae, tal só se manteria enquanto permanecesse no cargo, o que não é o caso. “Não podemos deixar de sufragar o entendimento expendido pelo MP na sua posição assumida a fls. 8308 a 8310 que, com a devida vénia, aqui reproduzimos: “Decorre do art.º 90º da cit. Lei nº. 144/99 que a delegação da continuação de procedimento criminal num Estado estrangeiro depende da verificação das seguintes circunstâncias: a) Que o facto integre crime segundo a legislação portuguesa e segundo a legislação daquele Estado; b) Que a reacção criminal privativa da liberdade seja de duração máxima não inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante máximo não seja inferior a quantia equivalente a 30 unidades de conta processual; c) Que o suspeito ou o arguido tenham a nacionalidade do Estado estrangeiro ou, sendo nacionais de um terceiro Estado ou apátridas, ali tenham a residência habitual; d) Quando a delegação se justificar pelo interesse da boa administração da justiça ou pela melhor reinserção social em caso de condenação. Ora, se não haverá dúvidas relativamente à verificação dos três primeiros pressupostos, o mesmo se não dirá quanto ao estatuído na cit. al. d). Na verdade, as Autoridades Angolanas deram conhecimento à Procuradoria Geral da República Portuguesa: por missiva datada de 2911-2016, de que não haveria qualquer possibilidade de cumprimento de eventual carta rogatória que, porventura, lhes fosse endereçada para audição e constituição, como arguido, do Sr. Eng. Manuel Vicente (documento. nº. 1);
por carta datada de 201-2017, de que os factos estariam abrangidos, em Angola, pela previsão da Lei nº. 11/16 de 12 de agosto, que amnistiou diversos ilícitos (documento nº. 2); e, por carta datada de 3-72017, de que não é possível saber, a anteriori, se se aplicará esta ou aquela Lei da ordem jurídica angolana, como se tinha ressalvado no estudo que acompanhou o oficio de 20-1-2017 (acima referido), quando perguntado genérica e teoricamente e com base em certos pressupostos, se a Lei da Amnistia em vigor em Angola seria aplicável ao caso concreto em análise (documento nº. 3).”. Também, pelas mesmas razões, julgo improcedente a requerida separação de processos e delegada na República de Angola a continuação do presente procedimento penal, considerando que a obtenção da “boa administração da justiça” ou “melhor reinserção social em caso de condenação”, não estão devidamente asseguradas face à posição assumida pelas Autoridades da República de Angola, pelo que não se encontra preenchida mencionada alínea d), o que inviabiliza a requerida transmissão dos autos. Decorridos 10 dias, expeça carta rogatória à República de Angola, com urgência, uma vez que se trata de processo com arguido sujeito a medida de coacção privativa de liberdade, e com observância das formalidades legais, para o denunciado ser constituído arguido, prestação de TIR e notificação da acusação deduzida nos presentes autos. “