PRESIDENTE (DES)CONFIA QUANDO A ESMOLA é GRANDE?
Opresidente do MPLA há 38 anos, José Eduardo dos Santos, felicitou o novo chefe de Estado angolano, João Lourenço, pela “mestria” na condução das eleições de Agosto, naquela que foi, no dia 23.10, a sua primeira intervenção pública depois de deixar formalmente o poder presidencial. A posição foi assumida pelo ex-presidente da República no discurso de abertura da IV reunião ordinária do Comité Central do MPLA (partido no poder há 42 anos), que se realizou em Luanda, a primeira após as eleições gerais de 23 de Agosto, às quais José Eduardo dos Santos já não se recandidatou, após 38 anos no poder. Contudo, na mesma intervenção, o líder do partido, com 75 anos, não apontou qualquer prazo para deixar a Presidência do MPLA ou para a marcação de um congresso extraordinário, depois de há um ano e meio ter adiantado que em 2018 pretendia deixar a vida política activa. No entanto, F8 sabe que está em marcha a preparação de um congresso extraordinário no início de 2018, onde se debaterá a continuidade de José Eduardo no comando do partido ou a acumulação por parte de João Lourenço: República e MPLA. No entanto, hoje, para José Eduardo dos Santos, a vitória do MPLA nas eleições de Agosto (com 61% dos votos), “foi o resultado do empenho e da entrega to- tal dos militantes, simpatizantes e amigos do partido que, durante a campanha eleitoral, não pouparam esforços no apoio às iniciativas que visavam esclarecer, divulgar e mobilizar o eleitorado em torno dos objectivos” do partido. “Felicito também os camaradas João Lourenço e Bornito de Sousa, cabeças-de-lista do MPLA (às eleições gerais, eleitos Presidente e vice-presidente da República), que souberam cumprir com brilho a nobre missão que lhes foi confiada pelo Comité Central, galvanizando com mestria e de forma incansável o eleitorado, e o povo em geral, para obtermos o resultado favorável e assim mantermos o poder político [desde a independência, em 1975]”, disse José Eduardo dos Santos. Nesta que foi a primeira intervenção pública desde que João Lourenço – que é também vice-presidente do MPLA – foi empossado como chefe de Estado, a 26 de Setembro, José Eduardo dos Santos exortou os 150 deputados eleitos pelo partido para que “cumpram com zelo e dedicação o seu principal desígnio, que é o de representar condignamente os interesses do povo”. “O MPLA felicita também a postura do eleitorado angolano que deu ao mundo uma excelente lição de civismo, de maturidade política, com um comportamento disciplinado e tolerante, que deve ser louvado a todos os títulos”, disse. Embora num aparente período de armistício, o cenário de implosão no MPLA e, por inerência, no país, causado pelas decisões em catadupa que estão a ser tomadas – e bem – pelo Presidente da República, João Lourenço, e que alguns dirigentes retratam como caça às bruxas no MPLA e, outros, como clara afronta a José Eduardo dos Santos. O núcleo duro do MPLA (a que se estarão a juntar muitos moderados que foram relegados por João Lourenço para as prateleiras do anonimato) contesta a avidez de João Lourenço em querer fazer tudo em contra-relógio, pouco se preocupando com as repercussões a nível do partido e até mesmo da imagem e governação que José Eduardo dos Santos praticou durante 38 anos. João Lourenço tem, de facto, demonstrado que quer, pode manda, mesmo que isso mais não seja – e em alguns casos é mesmo – do que a passagem de um atestado de incompetência do anterior executivo ao qual, aliás, pertenceu enquanto ministro da Defesa. Tem-se esquecido, certamente respaldo no que entende ser o poder total do cargo, que em termos do partido, o Presidente da República subordina-se ao presidente do partido e que este é, ainda é, José Eduardo dos Santos. A interpretação de que João Lourenço só responde perante a Constituição, que solenemente jurou cumprir, esbarra e colide nas regras cristalizadas durante décadas, que fizeram jurisprudência nos últimos 38 anos, e que dizem que todas essas decisões de Estado não podem contrariar a soberana orientação do partido. Recentemente, talvez prevendo a inabilidade política de João Lourenço, Dino Matross disse sem meias palavras que “o Presidente da República subordina-se ao presidente do partido”, acrescentando que compete ao presidente do partido “propor e submeter, ao pronunciamento do Bureau Político, a composição orgânica e nominal do Executivo”. Coisa que João Lourenço não terá feito. Numa síntese linear e simplificada, dir-se-á que João Lourenço não deve primeiro obediência à Constituição, mas às orientações do partido. E nada disso tem sido feito, sobretudo quando as medidas, as reestruturações e os pronunciamentos do novo Presidente revelam perante a opinião pública que, afinal, o anterior Presidente não foi tão competente quanto se dizia. A isso acresce que João Lourenço entrou em rota de colisão com Isabel dos Santos (pode ter sido o inverso), Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, o que está a ser entendido como um ataque a José Eduardo dos Santos. Por decisão do seu pai, Isabel dos Santos passou a ter poderes (que eram do Governo) para nomear administradores da petrolífera do regime. Pouco depois de tomar posse, João Lourenço criou uma comissão para melhoria do sector petrolífero e que a ele responde directamente. Embora sem êxito, Isabel dos Santos tentou que o seu pai demitisse o ministro das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, José Carvalho da Rocha. João Lourenço manteve-o como ministro. Quando assumiu a Presidência da petrolífera, Isabel dos Santos, exonerou o então Presidente da Comissão Executiva da Sonangol Pesquisa e Produção (SNL), Carlos Sousa e Oliveira, passando-lhe um atestado de incompetência (debilidades de gestão e consequentemente de desvios financeiros). João Lourenço escolheu-o para Secretário de Estado dos Petróleos, cargo em que “manda” em Isabel dos Santos. Durante décadas Isabel dos Santos deteve o monopólio do sector das telecomunicações. Chegado ao Poder, João Lourenço anunciou que vai submeter à Assembleia Nacional a aprovação da lei da concorrência, de modo a acabar com os monopólios.