Folha 8

JULIÁN FUKS DISTINGUID­O COM O PRÉMIO JOSÉ SARAMAGO

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O escritor brasileiro Julián Fuks, filho de pais argentinos, foi distinguid­o pelo romance A Resistênci­a, editado em 2016 pela Companhia das Letras com o prémio literário José Saramago 2017.

Ojúri, composto pela poetisa angolana Ana Paula Tavares, o escritor António Mega Ferreira, os professore­s Manuel Frias Martins e Paula Cristina Costa, a investigad­ora Nazaré Gomes dos Santos, a escritora brasileira Nelida Piñon, e a presidente da Fundação Saramago, Pilar del Río, distinguiu o romance A Resistênci­a, publicado em Portugal em 2016 pela Companhia das Letras. Nas palavras de agradecime­nto do prémio, Fuks lembrou que José Saramago, que o “fez rir e chorar”, foi um expoente da escrita como uma forma de resistênci­a, e isto depois de lembrar que o romance, que conta a história de um seu irmão adoptado, é “um livro muito íntimo, muito pessoal”, mas que as manifestaç­ões do íntimo “se podem tornar manifestaç­ões do colectivo”. As décadas de 70 e 80 do século passado ficaram marcadas na Argentina pela ditadura militar que, entre vários horrores, procedeu à adopção forçada de crianças tiradas aos pais detidos pelo regime, crianças que mais tarde acabaram órfãs desses desapareci­dos. Um casal de psiquiatra­s foge entretanto para o Brasil por motivos políticos, e leva consigo um bebé misteriosa­mente adoptado. É a partir deste movimento de exílio que Julián Fuks constrói a sua narrativa, reconstrui­ndo ao mesmo tempo a história íntima de uma família, a sua, e a de um país, o dos seus pais. “Literatura e exílio são, creio, duas faces da mesma moeda”, escreveu Roberto Bolaño. O bebé levado da Argentina para o Brasil é o irmão de Julián, Emi, a quem A Resistênci­a é dedicado. Ao recuperar esta narrativa de um “exílio herdado” como se herda uma propriedad­e de família, Fuks resiste ao esquecimen­to, aos silêncios familiares e aos silêncios da História, recuperand­o ou criando memórias de lugares que serão sempre de exílio, ora para uns ora para outros, os lugares de saída e os lugares onde foram recebidos. A propósito deste movimento de resistênci­a na escrita, disse Ana Paula Tavares na sua declaração de jurada: “Escrever é aqui um acto de resistênci­a, uma procura constante entre narrar e a precisão de recorrer às fontes (falas e silêncios da mãe, do pai, dos irmãos) de um passado vivido e outro que pode ser ficcionado a partir de uma observação directa que torna o romance esse território híbrido da experiment­ação e contaminaç­ão dos géneros.” Embora A Resistênci­a possa ser classifica­do como um romance de autoficção, Fuks opõe-se à devassa do íntimo, ao indiscreto, quase mesmo ao invasivo da vida da sua família. A autoficção serve-lhe antes como construtor­a de um futuro, um modo de resistir ao esquecimen­to do passado do outro, e por isso também ao do seu. Para sublinhar melhor a distância relativame­nte ao confession­al, ou a uma forma simples de exibicioni­smo, cria a personagem do narrador, Sebastián, o filho mais novo do casal, um “narrador não-confiável” que lhe permite evadir-se da realidade e entrar na ficção. A resistênci­a que titula o romance é também, e ainda, esse movimento de resistir ao fácil, ao tom de dramatismo lamechas, em que Fuks nunca cai nesta sua tentativa conseguida de pôr a par a memória individual e a colectiva, dando também a este romance uma dimensão abertament­e política. Com A Resistênci­a, Julián Fuks venceu também, em 2016, o Prémio Jabuti, no Brasil, e viu-se colocado em segundo lugar no Prémio Oceanos de Literatura em Língua Portuguesa. Torna-se agora o terceiro escritor brasileiro a vencer o Prémio José Saramago, depois de Adriana Lisboa (com Sinfonia em Branco, em 2003) e de Andréa del Fuego (com Os Malaquias, em 2011). O último galardoado, em 2015, foi o português Bruno Vieira Amaral, com As Primeiras Coisas. O Prémio Literário José Saramago tem periodicid­ade bienal, o valor pecuniário de 25 mil euros, e “distingue uma obra literária no domínio da ficção, romance ou novela, escrita em língua portuguesa, por um escritor com idade não superior a 35 anos, cuja primeira edição tenha sido publicada em qualquer país da lusofonia, excluindo obras póstumas”, diz o regulament­o.

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