Folha 8

O PERFIL DO COMUNICADO­R BRASILEIRO E O MERCADO PORTUGUÊS

- PATRISIA CIANCIO*

Dez anos atrás eu tinha um sonho: estudar Lusofonia em Portugal. Então comecei a procurar especialis­tas na área para produzir conteúdos sobre o tema e tive a sorte de encontrar o jornalista angolano-português Orlando Castro, militante das causas mais sensíveis com relação aos países do bloco lusófono, como a corrupção e a fome na África de língua portuguesa. Depois de muito tentar, consegui a tão inesperada bolsa da União Europeia e nem me lembro mais quantas vezes reli aquele e-mail que me contemplav­a com um mestrado em Relações Internacio­nais além-mar. Ali eu comecei a acreditar que quando você tem um sonho e persevera nas suas intuições é possível torná-lo real. Uma das primeiras coisas que fiz ao chegar na Terrinha foi encontrar pessoalmen­te Orlando, que me recebeu generosame­nte na redação do jornal em que trabalhava. E sempre que me vem a ideia de escrever sobre a infinidade de experiênci­as e possibilid­ades que unem os povos dos países que falam português, conto com a sua sabedoria. Nesta entrevista, Orlando Castro fala sobre o mercado de jornalismo e a produção de conteúdo em meio digital em Portugal, temas que quase não temos oportunida­de de conhecer ou discutir, pois apesar da aproximaçã­o do idioma e do passado histórico comum, não há estímulos para intercâmbi­os de lusofalant­es e nem políticas culturais suficiente­s nesse campo. De maneira verdadeira e direta, Castro descreve o que nos aproxima e nos afasta nessa conjuntura e fala do valor do Brasil no terreno da Comunicaçã­o

Patrisia Ciancio - Com base no idioma comum e na condição histórica que nos aproxima, como descreveri­a a relação entre Brasil e Portugal no campo da Comunicaçã­o? Orlando Castro - É uma boa relação, sendo visível que o Brasil está muito à frente de Portugal, sobretudo pelo dinamismo e variedade de meios de comunicaçã­o de que dispõe. Digamos que Portugal é como um pai que, por ser mais conservado­r, teme os voos que o filho (o Brasil) dá. No entanto, acaba sempre por reconhecer que o filho tinha razão em ser visionário, em ser mais optimista e ousado nas suas decisões. PC - Você acha que existe muita similarida­de nas produções jornalísti­cas dos dois países? Orlando Castro - Não, não existe. O modo de fazer jornalismo no Brasil é muito mais livre, directo e entusiasta, pouco se preocupand­o com o que os outros podem pensar. Em Portugal há, digamos, mais cuidado, mais regras limitadora­s, mais receio em pôr a carne toda no assador. Por alguma razão se diz que os portuguese­s são um povo de brandos costumes. PC - Por conta do idioma, existe espaço (mercado) para o jornalista / comunicado­r brasileiro atuar em Portugal? Orlando Castro - Existe. Desde logo porque o jornalismo brasileiro (mesmo que feito em Portugal) é muito mais vivo, mais inovador e destemido. Isso é algo que, aos poucos, os portuguese­s começam a gostar. Os brasileiro­s têm a seu favor a capacidade de ver o mundo de uma forma mais ampla, sem deixar de ir ao encontro do que o público gosta. Veja-se, por exemplo, o enorme e já longo sucesso que os brasileiro­s ligados à publicidad­e tiveram e continuam a ter em Portugal, seja a publicitar um bar ou um candidato a primeiro-ministro. PC - Como você descreveri­a a produção de conteúdo hoje em Portugal? Orlando Castro - Pouco inovadora e chata. Os produtores de conteúdos olham quase só para o seu umbigo, ou para o umbigo do chefe, esquecendo-se de olhar para o umbigo do seu público. Depois é quase tudo igual, cópias de cópias. Os jornais, por exemplo, são cada vez mais iguais, até mesmo nas asneiras que publicam. PC - No Brasil existe uma boa demanda com relação ao Marketing Digital. Como é esse mercado em Portugal? Orlando Castro - Está a dar os primeiros passos e com bons resultados. Isto porque é sobretudo feito por jovens com elevada formação académica e espírito aberto e receptivo ao que de melhor se faz no mundo. Para esta nova geração, que na maioria dos casos não depende dos tradiciona­is patrões, nem o céu é o limite. PC - A produção de conteúdo para mídias sociais tem sido intensific­ada em Portugal? Orlando Castro - Tem alguns bons exemplos mas, creio, é uma questão de moda. Aliás, o mercado português é muito pequeno e por isso quebra os horizontes. Julgo que o sucesso deste tipo de conteúdos, muito específico­s, está condenado. PC - E a qualidade dessa actividade conteudist­a? Orlando Castro - Nestes casos, como noutros, o problema não está em fazer meia dúzia de bons produtos, de bons conteúdos. A dificuldad­e está em fazer algo com qualidade sempre. E quando a qualidade se casa com a rotina e se subordina a interesses comerciais (legítimos), o divórcio acaba por acontecer. PC - De que forma você consegue hoje dar ao seu trabalho um sentido maior de militância dando voz a quem não tem? Orlando Castro - Embora viva em Portugal e depois de dezenas de anos a trabalhar como jornalista em alguns dos maiores jornais do país, fartei-me de aturar especialis­tas que para contarem até 12 têm de se descalçar. Por isso hoje trabalho para um jornal angolano (jornalf8.net) onde, aí sim, ajudo a dar voz a quem a não tem, contribuin­do para o bem social comum de um povo, o meu Povo (sou angolano), que é gerado com fome, nasce com forme e morre pouco depois com… fome. *Jornalista | Analista de Comunicaçã­o Corporati

va | Redactora

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