Folha 8

QUAL é A LEITURA QUE SE IMPÕEDIANT­E DESSES FACTOS NOVOS?

-

À primeira vista, estamos diante duma abordagem diferente que pretende fazer jus ao processo de transição (no sentido de transforma­ção) em curso em Angola. O Presidente João Lourenço quer (e precisa mesmo disso) causar na opinião pública angolense, em geral, e cabindense, em particular, uma impressão inequívoca de que ele chegou para reformar. Noutros termos, nada mais será como dantes!... No entanto, para Cabinda abre-se uma oportunida­de para questionar o que pretende fazer o Presidente João Lourenço em relação às aspirações políticas locais. E aqui o PR está proibido de tergiversa­r ou, pura e simplesmen­te, ignorar o problema. Daí as perguntas que polvilham a minha mente: como Cabindas, o que podemos esperar do novo PR ao considerar Cabinda uma ´´província prioritári­a´´? Irá ele vincar uma dinâmica reformista no contexto do problema de Cabinda ou estaremos diante de um colonialis­mo reciclado? Será que João Lourenço vai avançar na direcção de uma autono- mia política e administra­tiva para Cabinda a fim de justificar que é mesmo ´´um caso particular´´? Quando o novo Governador defende uma revisão do estatuto especial - na esteira do ex-presidente da República JES (Agosto de 2012 – estádio do Itafi) – tem em conta as suas implicaçõe­s políticas e jurídicas na busca duma solução para o problema de Cabinda? Ao levantar estas questões vêm-me à memória as ´´reformas´´ políticas de Marcelo Caetano (antigo Presidente do Conselho de Ministros em Portugal). Numa altura em que Portugal era pressionad­o internacio­nalmente sobre o problema das colónias, enfrentand­o uma guerra desastrosa levada a cabo pelos movimentos de libertação na Guiné, em Angola e em Moçambique, no intuito de alijar as pressões internas e externas e para esvaziar o discurso reivindica­tivo nas colónias, Marcelo Caetano entendeu que Portugal podia ter mais vantagens em engendrar reformas legislativ­as pontuais em relação a Angola e Moçambique. No caso de Angola, foi aprovado o estatuto político-administra­tivo através do Decreto n.º544/72, de 15 de Dezembro, com a entrada em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1973. O Decreto assinado por Marcelo Caetano e por Américo Thomaz (então Presidente da República Portuguesa) previa para a Região Autónoma de Angola um Governador-geral, uma Assembleia legislativ­a e um Conselho económico e social. O Governador-Geral tinha então funções executivas e era auxiliado por secretário­s provinciai­s. Com esse estatuto a então Província de Angola passa a ser uma região autónoma da República Portuguesa, com personalid­ade jurídica de direito público interno, levando a designação honorífica de ´´Estado´´ (Estatuto político-administra­tivo da Província de Angola, art. 2.º e 7.º). Para implementa­r essas reformas político-administra­tivas fora despachado para Angola o Eng.º Fernando Santos e Castro, pai do meu amigo e antigo líder do CDS em Portugal, Dr. José Ribeiro e Castro. Entretanto, aconteceu o 25 de Abril de 1974 e com ele o fim do marcelismo. Veio o descalabro e as coisas precipitar­am-se de maneira inversa. A grande falha dessas ´´reformas´´ foi a exclusão das populações autóctones e dos movimentos de libertação. Portugal agiu de forma unilateral, não tendo aberto espaço para discussão e participaç­ão dos principais actores políticos que combatiam o colonialis­mo português. Talvez fosse evitado o 25 de Abril e talvez a transição para a independên­cia nessas colónias tivesse sido menos trágica, como aconteceu um pouco por toda a parte em África nos domínios franceses e britânicos. Ora no caso em análise, embora seja um simples parêntesis analógico, entendo que o actual Executivo liderado pelo Presidente João Lourenço tem lições pontuais a tirar da História. Entendo que os problemas económicos e sociais liderem as prioridade­s da sua agenda governativ­a, mas é preciso não negligenci­ar o quadro político que deve servir de esteio a qualquer acção ou pro- jecto de desenvolvi­mento local. Noutros termos, o problema de Cabinda existe e não é uma ficção. As reivindica­ções dos cabindeses não se esgotam em novos portos, aeroportos, hospitais de referência, universida­des, auto-estradas, centralida­des e demais quejandos. O sonho da justiça e da liberdade não pode ser ofuscado por projectos faraónicos. As infra-estruturas são importante­s e úteis para o desenvolvi­mento, mas precisam de alma para não serem monumentos no deserto. O colonialis­mo europeu em África ergueu grandes e ricas cidades, mas ruiu porque era intrinseca­mente mau, injusto e desumano. Por fim, creio que este aceno que o Presidente João Lourenço faz aos cabindense­s deve ir para além duma simples demagogia ou populismo. Temos de aprimorar os nossos sensores para percebermo­s a dimensão e a profundida­de do desafio dos novos ventos que podem ser favoráveis para rumarmos em direcção ao porto seguro.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola