OS BONS, OS MAUS, OS VILÕES: O MELHOR DE 2017
Final de ano. O facto mais marcante de 2017 foi, sem sombra de dúvida, o fim da Presidência de José Eduardo dos Santos, depois de 38 anos no poder. João Lourenço, o seu sucessor, tem feito discursos corajosos e algumas exonerações importantes. 2018 será um ano particularmente difícil, e é necessário examinar periodicamente o curso das reformas e das mudanças que se impõem. Uma população mais exigente, o agravamento da fome e os atritos no seio do MPLA (que resultam da luta pelo controlo do poder) potenciarão a instabilidade. Enquanto se mantiver como presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos terá sempre uma mão amarrada à de João Lourenço, e essa coabitação será um desastre. Agora, concluídos os cem dias do período de graça a que tem direito, é hora de fazermos uma pequena avaliação de alguns protagonistas do novo executivo — pois são os indivíduos quem muda, melhora, trava, impede ou mantém o curso da história, à medida que os desafios se lhes apresentam. Para isso, decidimos elaborar uma lista dos bons, dos maus, dos vilões e dos ausentes que nos tempos recentes têm marcado a agenda político-social em Angola. Certamente, haverá protestos e concordâncias com a selecção que aqui partilhamos. Assumimos total responsabilidade pelas nossas escolhas e comentários. Os Bons 1. João Lourenço, presidente da República Os discursos de João Lou- renço contra a corrupção e os poderosos dentro do seu próprio partido, o MPLA, bem como certas exonerações, deram-lhe ímpeto enquanto novo líder. Demonstra vontade política para fazer o bem, contrariando a tendência (com fortes raízes entre os políticos angolanos) para promover exclusivamente o enriquecimento ilícito de uns quantos, em prejuízo da maioria dos angolanos. Num intervalo de semanas, após as eleições, tornou-se a personificação da esperança para os angolanos, muito por conta dos desmandos de José Eduardo dos Santos, que se haviam tornado insuportáveis. Tem demonstrado grande sentido de Estado, responsabilidade inclusiva pelos angolanos, coragem e firmeza nas suas decisões. As suas nomeações, porém, têm deixado muito a desejar. É cedo para aferir até que ponto conseguirá mudar o país. Essa missão enfrenta incontáveis obstáculos, com muitos dos corruptos e repressores que arruinaram o país ainda entrincheirados no governo. Ao menos, João Lourenço conta com o apoio popular para controlar, converter ou afastar os conservadores e oportunistas do MPLA que se acham no direito de continuar a saquear o país e a agir com impunidade. Por agora, merece todo o apoio, podendo servir aos angolanos como denominador comum para se reformar o Estado, as mentalidades dos dirigentes e do povo, de forma pacífica e patriótica. 2. Sérgio Piçarra, cartoonista De forma extraordinária e com a ponta do lápis bem afiada, Sérgio Piçarra tem sido, em nossa opinião, o mais articulado e consequente cronista político e social no nosso país. A forma como tem retratado o poder e a realidade dos angolanos não tem paralelo. É a voz da razão. Os seus retratos sobre a realidade política e socioeconómica merecem um grande prémio e maior divulgação nacional. 3. Povo Angolano Os angolanos têm expectativas de mudança. Acreditam, independentemente das causas, no novo líder João Lourenço. As pessoas têm uma grande capacidade de mudar de atitude, de comportamento, de alianças e de tudo o mais de que precisem consoante as circunstâncias. O repentino apoio massivo a João Lourenço é prova disso mesmo. Com uma boa liderança, essa capacidade nacional pode ser transformadora. Mas essa esperança só vingará se cada cidadão cumprir o seu papel na mudança de mentalidades. Os angolanos estão amarrados aos esquemas diários de sobrevivência através da pequena corrupção, por tudo e por nada. Isso tem destruído a possibilidade de construir o exercício efectivo e solidário da cidadania. O povo tem de participar activamente na fiscalização dos actos do governo, na promoção da boa governação, na denúncia diária da corrupção, da violação dos direitos humanos e outros actos nefastos para a sociedade em geral. 4. Embaixador Ambrósio Lukoki, veterano do MPLA O mais velho tem sido a voz da moralidade no seio do MPLA. A oposição de Ambrósio Lukoki a José Eduardo dos Santos vem de longe. Num partido onde o oportunismo, a cumplicidade e a participação em actos nefários contra os interesses nacionais têm sido os símbolos de patriotismo, Ambrósio Lukoki destaca-se pela sua integridade. Na sua última conferência de imprensa, exigiu o afastamento definitivo de José Eduardo dos Santos da presidência do MPLA com a maior brevidade possível. Outros membros de relevo do MPLA cochicham pelos corredores, como é hábito, mas não se revelam publicamente. Ambrósio Lukoki é frontal ao considerar José Eduardo dos Santos como um obstáculo às reformas de Estado que se impõem, uma vez que pretende continuar a governar à sombra, como o “outro presidente”. 5. João Melo, ministro da Comunicação Social A ligeira mudança que se nota nos órgãos de informação do Estado, nomeadamente a TPA, a RNA, o Jornal de Angola e a Angop, é o maior sinal de concessão política por par- te do governo de João Lourenço à democracia. Estes órgãos tinham-se tornado coléricos, implementando uma propaganda fanática a favor de José Eduardo dos Santos e do MPLA. Conseguiam transformar todos os desmandos dos dirigentes, actos de incompetência gritante e pilhagem desenfreada em actos patrióticos, de progresso. Era uma tortura ver, ouvir ou ler sobre o quotidiano nacional nesses órgãos. Tinham criado o seu próprio país com a orientação cartográfica do MPLA: o paraíso dos corruptos e da impunidade. Nos seus três primeiros meses de mandato como ministro da Comunicação Social, João Melo permitiu que se abrissem algumas frestas nos media estatais, pelo que a sua acção deve ser encorajada. Falta despartidarizar esses órgãos, desmantelar a censura e promover a sua abertura crítica à diversidade política e socioeconómica da sociedade. O governo só ganhará com isso, envolvendo os cidadãos e corrigindo o que está mal, conforme a “canção” de João Lourenço. Os Maus 1. Manuel Vicente, ex-vice-presidente, arguido em Portugal O ex-vice-presidente da República devia ter feito uma declaração pública a agradecer o apoio incondicional do governo. A seguir, devia demonstrar coragem e sentido patriótico, afirmando que provaria a sua inocência em tribunal, no julgamento que terá lugar em Janeiro, em Lisboa, por corrupção activa de um magistrado português. Devia Manuel Vicente afirmar então que os seus actos enquanto cidadão privado não devem ser motivo de diferendo di-