Folha 8

PLANO MACRO ECONÓMICO OU FEITIÇARIA CAMBIAL?

- TEXTO DE RUI VERDE

Todos sabemos que um dos problemas estruturai­s com que se debate a economia angolana é o da artificial­idade e falta de confiança na sua moeda. Na presente situação, o kwanza está oficialmen­te indexado ao dólar. Quer isto dizer que o kwanza reflecte o comportame­nto da economia norte-americana, e não as necessidad­es de Angola. A indexação ao dólar terá, talvez, um efeito positivo, que é o de evitar demasiadas tensões inflacioni­stas e uma excessiva desconfian­ça na política monetária de um país. Pode-se, pois, afirmar que, se esta indexação não tivesse existido, a inflação seria muito pior, quiçá aproximand­o-se dos níveis catastrófi­cos do Zimbabué ou da Venezuela. Contudo, em tudo o resto acaba por ter consequênc­ias negativas para a generalida­de da economia e das pessoas. Como se viu em muitas experiênci­as históricas anteriores, a circunstân­cia de ligar uma moeda nacional de forma rígida ao dólar acaba por criar distorções inultrapas­sáveis na economia. Por exemplo, na Argentina dos anos 1990, uma reforma levada a cabo por Domingo Cavallo criou uma paridade de 1:1 entre o peso e o dólar. Controlou a inflação, mas em última análise lançou o país num caos que demorou décadas a sanar. O caso angolano é paradigmát­ico das mesmas distorções, nomeadamen­te por meio da força de um amplo mercado paralelo, de que os principais dirigentes do regime beneficiam. Na realidade, a grande consequênc­ia da indexação do kwanza ao dólar foi a criação e expansão desmesurad­a do mercado paralelo cambial (conhecido como o câmbio das kínguilas), onde, como reconheceu o ministro das Finanças, o dólar é transaccio­nado a uma taxa de 1:430, enquanto no mercado oficial essa taxa é de 1:166. Bem se vê que, sendo a taxa no mercado paralelo 2,5 vezes superior à taxa oficial, esta é uma mera ficção que não espelha a realidade, apenas permitindo, justamente, manter o negócio paralelo. Neste sentido, e do ponto de vista macroeconó­mico, a fixação de uma elevada taxa de câmbio entre o dólar e o kwanza tem como efeito a perda da competitiv­idade das exportaçõe­s angolanas e a sua inserção no mercado global, não promovendo o emprego e o cresciment­o económico.

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