FUNDAMENTOS DO E SOBRE O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO (III)
Por sua vez, este instrumento internacional de cunho universal, estabelece no preâmbulo que «o desenvolvimento é um processo económico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação activa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes; […] Considerando que todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes, e que, para promover o desenvolvimento, devem ser dadas atenção igual e consideração urgente à implementação, promoção e protecção dos direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais, e que, por conseguinte, a promoção, o respeito e o gozo de certos direitos humanos e liberdades fundamentais não podem justificar a negação de outros direitos humanos e liberdades fundamentais; […] O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável e que a igualdade de oportunidade para o desenvolvimento é uma prerrogativa tanto das nações quanto dos indivíduos que compõem as nações». Com estas preposições firmes e claras, caiu por terra a visão reducionista e tacanha sobre o desenvolvimento, e a humanidade passa a compreender o desenvolvimento de forma holística. Outros dados historiográficos disponíveis, indicam que no interior da ONU já havia lobby silencioso a favor do direito ao desenvolvimento nos anos anteriores. Para fazer fé nestas informações históricas, Galli (2009:s.p), no seu estudo, Direito ao Desenvolvimento: Contribuição da fenomenologia jurídica, informa que a «as diretrizes para o [direito ao] desenvolvimento […] foram lançadas anos antes, ainda em 1969, por parte da promulgação pela ONU da resolução 2542 (XXIV). Esta resolução deu origem à Declaração sobre Progresso Social e Desenvolvimento, a qual busca fazer com que ambos convergissem para o incremento do nível de vida […] de todos os membros da sociedade […]». Embora não reúna consenso, (porque predomina a tese de que M`baye é o precursor intelectual do chamado direito ao desenvolvimento), ainda assim, Pereira cita uma homilia de 1 de Janeiro de 1969, da autoria do Cardeal Étienne Duval de Argel, que na mensagem de Ano Novo dirigida ao povo argelino, terá proclamado a necessidade do direito ao desenvolvimento dos países do então terceiro mundo, como eram chamados os países subdesenvolvidos. Com a pressão dos países do Sul Global, o desenvolvimento não mais é esquecido como agenda da comunidade internacional. Sai do âmbito das soberanias absolutas dos Estados e passa para a esfera da cidadania cosmopolita, como diria Kant, na sua obra a Paz Perpétua, fundamento intelectual de toda esta defesa da relação internacional baseada no centralismo personalista. Na década de 70 o Club de Roma defende o desenvolvimento de forma intransigente. A preocupação com o desenvolvimento das pessoas invade a Igreja Católica Apostólica Romana, e isto fica demonstrado quando o seu chefe máximo escreve e publica a encíclica social Populorum Progressio (O Desenvolvimento dos Povos). O problema central que a encíclica enfrenta é o desenvolvimento. Nela, o Papa Paulo VI afirma que a «o desenvolvimento […], especialmente daqueles que se esforçam por afastar a fome, a miséria, as doenças endêmicas, a ignorância; que procuram uma participação mais ampla nos frutos da civilização, uma valorização mais activa das suas qualidades humanas; que se orientam com decisão para o seu pleno desenvolvimento, é seguido com atenção pela Igreja» (1967, nº1). Paulo VI prossegue no seu argumento, dizendo que «o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo, como justa e vincadamente sublinhou um eminente especialista: “não aceitamos que o económico se separe do humano; nem o desenvolvimento, das civilizações em que ele se incluiu. O que conta para nós, é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira”» (1967, nº14). Por outras palavras diría- mos que para nós o desenvolvimento que interessa e conta é o da criança, cada criança, cada grupo de crianças, até chegar às crianças da humanidade inteira. Quando o Papa fala acerca do desenvolvimento, não esquece de referir sobre um aspecto simbólico e espiritual — a ignorância — Isto significa que as pessoas podem ter alimentação, vestuário, estradas e outros bens materiais, mas não são desenvolvidas se não houver lazer, prazer na arte e no conhecimento que eleva para além das condições materiais. O existir e ser com elevação e refinamento humano, pressupõe a concretização fundida dos direitos-bio-éticos-ecológicos-sociais-culturais-e-económicos. Para colocar a criança no centro do desenvolvimento e protecção absoluta, o Papa João Paulo II, por meio da exortação apostólica Familiaris Consortio, dedica uma extensa recomendação à sociedade, à família, aos Estados e a sua Igreja dizendo (1985, nº 26: 41-42): Na família, comunidade de pessoas, deve reservar-se uma especialíssima atenção à criança, desenvolvendo uma estima profunda pela sua dignidade pessoal como também um grande respeito e um generoso serviço pelos seus direitos. Isto vale para cada criança, mas adquire uma urgência singular quanto mais pequena e desprovida, doente, sofredora ou diminuída for a criança. […] Repito novamente o que disse na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2 de Outubro de 1979: «De- sejo... exprimir a felicidade que para cada um de nós constituem as crianças, primavera da vida, antecipação da história futura de cada pátria terrestre. Nenhum país do mundo, nenhum sistema político pode pensar no seu futuro senão através da imagem destas novas gerações que assumirão dos pais o múltiplo património dos valores, dos deveres e das aspirações da nação à qual pertencem, e o de toda a família humana. A solicitude pela criança ainda antes do nascimento, desde o primeiro momento da concepção e, depois, nos anos da infância e da adolescência, é a primária e fundamental prova da relação do homem com o homem. E, portanto, que mais se poderá augurar a cada nação e a toda a humanidade, a todas as crianças do mundo senão aquele futuro melhor no qual o respeito dos direitos do homem se torne plena realidade […]?» O acolhimento, o amor, a estima, o serviço multíplice e unitário — material, afectivo, educativo, espiritual — a cada criança que vem a este mundo deverão constituir sempre uma nota distintiva irrenunciável [de todos]. Finalmente, dir-se-á com auxílio de Galli que o direito ao desenvolvimento de cada criança não reflete apenas os direitos quotidianos do fazer comer, fazer vestir, trabalhar. Estes são direitos que integram o âmbito do existenciário — do libertar sendo — que transcende o tempo do quotidiano e propõe um modo de existência atendido em sua plenitude de possibilidade.