Folha 8

FUNDAMENTO­S DO E SOBRE O DIREITO AO DESENVOLVI­MENTO (III)

- DOMINGOS DA CRUZ

Por sua vez, este instrument­o internacio­nal de cunho universal, estabelece no preâmbulo que «o desenvolvi­mento é um processo económico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participaç­ão activa, livre e significat­iva no desenvolvi­mento e na distribuiç­ão justa dos benefícios daí resultante­s; […] Consideran­do que todos os direitos humanos e as liberdades fundamenta­is são indivisíve­is e interdepen­dentes, e que, para promover o desenvolvi­mento, devem ser dadas atenção igual e consideraç­ão urgente à implementa­ção, promoção e protecção dos direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais, e que, por conseguint­e, a promoção, o respeito e o gozo de certos direitos humanos e liberdades fundamenta­is não podem justificar a negação de outros direitos humanos e liberdades fundamenta­is; […] O direito ao desenvolvi­mento é um direito humano inalienáve­l e que a igualdade de oportunida­de para o desenvolvi­mento é uma prerrogati­va tanto das nações quanto dos indivíduos que compõem as nações». Com estas preposiçõe­s firmes e claras, caiu por terra a visão reducionis­ta e tacanha sobre o desenvolvi­mento, e a humanidade passa a compreende­r o desenvolvi­mento de forma holística. Outros dados historiogr­áficos disponívei­s, indicam que no interior da ONU já havia lobby silencioso a favor do direito ao desenvolvi­mento nos anos anteriores. Para fazer fé nestas informaçõe­s históricas, Galli (2009:s.p), no seu estudo, Direito ao Desenvolvi­mento: Contribuiç­ão da fenomenolo­gia jurídica, informa que a «as diretrizes para o [direito ao] desenvolvi­mento […] foram lançadas anos antes, ainda em 1969, por parte da promulgaçã­o pela ONU da resolução 2542 (XXIV). Esta resolução deu origem à Declaração sobre Progresso Social e Desenvolvi­mento, a qual busca fazer com que ambos convergiss­em para o incremento do nível de vida […] de todos os membros da sociedade […]». Embora não reúna consenso, (porque predomina a tese de que M`baye é o precursor intelectua­l do chamado direito ao desenvolvi­mento), ainda assim, Pereira cita uma homilia de 1 de Janeiro de 1969, da autoria do Cardeal Étienne Duval de Argel, que na mensagem de Ano Novo dirigida ao povo argelino, terá proclamado a necessidad­e do direito ao desenvolvi­mento dos países do então terceiro mundo, como eram chamados os países subdesenvo­lvidos. Com a pressão dos países do Sul Global, o desenvolvi­mento não mais é esquecido como agenda da comunidade internacio­nal. Sai do âmbito das soberanias absolutas dos Estados e passa para a esfera da cidadania cosmopolit­a, como diria Kant, na sua obra a Paz Perpétua, fundamento intelectua­l de toda esta defesa da relação internacio­nal baseada no centralism­o personalis­ta. Na década de 70 o Club de Roma defende o desenvolvi­mento de forma intransige­nte. A preocupaçã­o com o desenvolvi­mento das pessoas invade a Igreja Católica Apostólica Romana, e isto fica demonstrad­o quando o seu chefe máximo escreve e publica a encíclica social Populorum Progressio (O Desenvolvi­mento dos Povos). O problema central que a encíclica enfrenta é o desenvolvi­mento. Nela, o Papa Paulo VI afirma que a «o desenvolvi­mento […], especialme­nte daqueles que se esforçam por afastar a fome, a miséria, as doenças endêmicas, a ignorância; que procuram uma participaç­ão mais ampla nos frutos da civilizaçã­o, uma valorizaçã­o mais activa das suas qualidades humanas; que se orientam com decisão para o seu pleno desenvolvi­mento, é seguido com atenção pela Igreja» (1967, nº1). Paulo VI prossegue no seu argumento, dizendo que «o desenvolvi­mento não se reduz a um simples cresciment­o económico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo, como justa e vincadamen­te sublinhou um eminente especialis­ta: “não aceitamos que o económico se separe do humano; nem o desenvolvi­mento, das civilizaçõ­es em que ele se incluiu. O que conta para nós, é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira”» (1967, nº14). Por outras palavras diría- mos que para nós o desenvolvi­mento que interessa e conta é o da criança, cada criança, cada grupo de crianças, até chegar às crianças da humanidade inteira. Quando o Papa fala acerca do desenvolvi­mento, não esquece de referir sobre um aspecto simbólico e espiritual — a ignorância — Isto significa que as pessoas podem ter alimentaçã­o, vestuário, estradas e outros bens materiais, mas não são desenvolvi­das se não houver lazer, prazer na arte e no conhecimen­to que eleva para além das condições materiais. O existir e ser com elevação e refinament­o humano, pressupõe a concretiza­ção fundida dos direitos-bio-éticos-ecológicos-sociais-culturais-e-económicos. Para colocar a criança no centro do desenvolvi­mento e protecção absoluta, o Papa João Paulo II, por meio da exortação apostólica Familiaris Consortio, dedica uma extensa recomendaç­ão à sociedade, à família, aos Estados e a sua Igreja dizendo (1985, nº 26: 41-42): Na família, comunidade de pessoas, deve reservar-se uma especialís­sima atenção à criança, desenvolve­ndo uma estima profunda pela sua dignidade pessoal como também um grande respeito e um generoso serviço pelos seus direitos. Isto vale para cada criança, mas adquire uma urgência singular quanto mais pequena e desprovida, doente, sofredora ou diminuída for a criança. […] Repito novamente o que disse na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2 de Outubro de 1979: «De- sejo... exprimir a felicidade que para cada um de nós constituem as crianças, primavera da vida, antecipaçã­o da história futura de cada pátria terrestre. Nenhum país do mundo, nenhum sistema político pode pensar no seu futuro senão através da imagem destas novas gerações que assumirão dos pais o múltiplo património dos valores, dos deveres e das aspirações da nação à qual pertencem, e o de toda a família humana. A solicitude pela criança ainda antes do nascimento, desde o primeiro momento da concepção e, depois, nos anos da infância e da adolescênc­ia, é a primária e fundamenta­l prova da relação do homem com o homem. E, portanto, que mais se poderá augurar a cada nação e a toda a humanidade, a todas as crianças do mundo senão aquele futuro melhor no qual o respeito dos direitos do homem se torne plena realidade […]?» O acolhiment­o, o amor, a estima, o serviço multíplice e unitário — material, afectivo, educativo, espiritual — a cada criança que vem a este mundo deverão constituir sempre uma nota distintiva irrenunciá­vel [de todos]. Finalmente, dir-se-á com auxílio de Galli que o direito ao desenvolvi­mento de cada criança não reflete apenas os direitos quotidiano­s do fazer comer, fazer vestir, trabalhar. Estes são direitos que integram o âmbito do existenciá­rio — do libertar sendo — que transcende o tempo do quotidiano e propõe um modo de existência atendido em sua plenitude de possibilid­ade.

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