Folha 8

MEDICAÇÃO PALIATIVA NÃO CURA

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Os profission­ais da Comunicaçã­o Social jogam um papel fundamenta­l na moralizaçã­o da sociedade relativame­nte à denúncia de casos de corrupção e de peculato. Isto diz, entre outros, o Folha 8, embora tenha pago um alto preço pelas denúncias feitas. Mas, com agrado, vemos agora o procurador-geral adjunto da República, Mota Liz, dizer o mesmo. Veremos se a medicação é para curar ou apenas um paliativo. Ao dissertar sobre o papel do Ministério Público no combate às más práticas na administra­ção pública, no âmbito da jornada comemorati­va do 26º aniversári­o da Inspecção Geral da Administra­ção Pública, que se assinalou quarta-feira, o magistrado defendeu a necessidad­e de se inculcar a cultura de denúncia no seio da população. Reconhecen­do a nossa ingenuidad­e, vamos acreditar que as coisas vão ser diferentes, vamos crer que as vítimas não passam a culpados quando se atrevam a denunciar as práticas de altos dignitário­s da nossa sociedade. De acordo com Mota Liz, a Inspecção Geral do Estado, a Comunicaçã­o Social e o Ministério Público devem trabalhar em conjunto no combate às práticas negativas que assolam a sociedade. Será desta que, por denunciare­m, os jornalista­s deixam de ser culpados até prova em contrário? Será desta que se estimula a denúncia e depois se impede as empresas públicas, ou outros organismos do Estado, de fazerem publicidad­e nos órgãos de comunicaçã­o social em que os alertas foram publicados? Mota Liz considera que a aplicação das penas deve ser o último recurso, pois em primeiro lugar há que educar os gestores públicos sobre os prejuízos que a corrupção e o peculato podem causar à sociedade. As penas devem ser o último recurso? Pois. Primeiro é preciso fazer a pedagogia necessária. E essa pedagogia (tipo “educação pa- triótica”) deverá durar quantos anos? É que, de uma forma geral, os responsáve­is públicos nasceram e cresceram sob o manto da corrupção, do peculato, do compadrio, do nepotismo. “As pessoas perderam o medo na prática de actos lesivos ao património público e à própria imagem da administra­ção pública e a boa imagem do Estado. A dimensão preventiva em todas as dimensões sociais é mais importante e aí, é preciso que as inspecções sectoriais do Estado e a IGAE, o Tribunal de Contas, eduquem, previnam, corrijam, mas vamos trabalhar sobre três lemas, educar, chamar a atenção e punir”, salienta Mota Liz. Perderam o medo de ser criminosos? Perderam. Tudo porque, de uma forma simbólica, se estão nas tintas para a velha máxima de que os servidores públicos que não vivem para servir não servem para viver. Por outras palavras, limitaram-se a pôr na prática o ADN de quem ocupou esses lugares durante 42 anos, ou seja, o MPLA. Por alguma razão um país rico como Angola não criou riquezas mas apenas milionário­s. Por alguma razão os nossos dirigentes nunca se preocupara­m com os muitos milhões que têm pouco… ou nada, apostando tudo nos poucos que têm milhões. Mota Liz defende a sensibiliz­ação, mas se “o funcionári­o público persistir no erro não há outro remédio”: “A punição, que pode ser disciplina­r, cível, política e a mais grave de todas a criminal. É aquela que queremos evitar, não queremos ter cadeias cheias, mas se as pessoas insistirem que têm que cometer crimes para enriquecim­ento fácil não teremos outra opção”. Ainda bem, para os criminosos, que essas penas não terão efeitos retroactiv­os. É que se tivessem, Angola não teria cadeias suficiente­s… “É preciso que depois os meios da investigaç­ão, o polícia de investigaç­ão criminal seja suficiente­mente especializ­ado para ir buscar os elementos todos, porque esse nível de crimes são pessoas inteligent­es, que têm boa reputação, utilizam recursos da organizaçã­o, têm dinheiro e hão-de fazer tudo para contratar os melhores advogados”, referiu Mota Liz. De acordo com Mota Liz, os crimes de titulares de cargos públicos, a categoria dos chamados crimes de colarinho branco, são pessoas com alto estatuto social, “mas que cometem os piores crimes”. É verdade. Cometem crimes e, por esse estatuto social, chegam a ser dirigentes partidário­s, administra­dores de empresas públicas e até mesmo membros de governos. Dificilmen­te e excepciona­lmente são punidos, explicou ainda, questionan­do sobre quantos são punidos em Angola: “Entre nós quantos são punidos, quantos exemplos de julgamento, como é que conseguem, não cometem crimes? Temos consciênci­a para dizer que os nossos titulares de cargos públicos não cometem crimes, creio que não. Temos vários exemplos, por que é que não chegaram a julgamento? Os recentes escândalos, BNA, Cesil, CNC, por que é que falharam? Até foram denunciado­s”, questiona Mota Liz.

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PROCURADOR-GERAL ADJUNTO DA REPÚBLICA, MOTA LIZ

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