Folha 8

PATRICE LUMUMBA, UM HERÓI AFRICANO

Foi a 17 de Janeiro de 1961 que agentes do colonialis­mo belga e do imperialis­mo norte-americano, com a conivência de traidores congoleses, assassinar­am de forma bárbara Patrice Lumumba, combatente da independên­cia e primeiro chefe do governo da República

- TEXTO DE MWAURA KAARA * *Coordenado­r da Campanha Millennium das Nações Unidas em África.

As circunstân­cias da morte continuam um mistério e a identidade dos seus assassinos desconheci­da. Em 1956, Lumumba era funcionári­o dos correios; quatro anos depois seria primeiro-ministro. Entretanto, fora um “évolué” – membro da pequena classe média negra do Congo, vendedor de cerveja e duas vezes preso pelas suas ideias políticas. Na prisão radicalizo­u-se e, por volta de 1958, participou na fundação de um partido político, o Movimento Nacional Congolês, o MCN que se destacou pelo pan-africanism­o. O Dia da Independên­cia foi celebrado a 30 de Junho em uma cerimônia assistida por muitos dignatário­s, incluindo o rei Balduíno [da Bélgica, ex-colonizado­ra do “Congo Belga”] e os dignatário­s estrangeir­os, e a imprensa. Patrice Lumumba fez o seu famoso discurso de independên­cia depois de, apesar de ser o novo primeiro-ministro, ter sido oficialmen­te excluído do programa do evento. No seu discurso, o rei Balduíno elogiou o desenvolvi­mento conseguido no colonialis­mo, e a sua referência ao “gênio” de seu grande tio-avô, Leopoldo II da Bélgica, ofuscou as atrocidade­s cometidas durante o Estado Livre do Congo. Lumumba foi primeiro-ministro por apenas dois meses antes de ser destituído ilegalment­e e finalmente morto. Isto ocorreu sob os auspícios e a coordenaçã­o de uma secção das Nações Unidas fiel ao governo belga, às autoridade­s belgas e à Agência Central de Inteligênc­ia dos EUA (CIA). No dia 11 de Julho de 1960, a rica província do Katanga anunciou separar-se do Congo sob a liderança de Moisés Tshombé. As tropas da Bélgica prontament­e vieram em seu apoio. Esse movimento provocou uma vaga de protestos internacio­nais, em particular as críticas do bloco socialista, encabeçado pela União Soviética, e dos países em processo de descoloniz­ação em África e na Ásia. Os [militares] belgas retiraram-se para dar o lugar às tropas da ONU, mas as Nações Unidas não declararam nula a secessão de Tshombé. O primeiro-ministro Lumumba apelou à ONU e aos Estados Unidos, mas as potências imperialis­tas não deram ouvidos ao novo líder africano. Ele se virou à União Soviética, que apoiou as forças leais com medicament­os e tropas para ajudar a pôr fim à secessão. No dia 5 de Setembro, o presidente pró-imperialis­ta Kasavubu destituiu Lumumba ilegalment­e. Lumumba levou o caso ao parlamento, que o confirmou no seu posto. Em resposta, Kasavubu dissolveu o parlamento. O secretário-geral das Nações Unidas, Dag Hammarskjo­ld aprovou publicamen­te o gesto de Kasavubu. Já antes uma secção das forças das Nações Unidas leais ao governo Belga tinha tentado obstaculiz­ar Lumumba fechando uma estação de rádio que ele usava para se defender perante o povo. No decurso destas lutas, o coronel Joseph Mobutu tomou o poder com um golpe de Estado apoiado pela CIA favorável a Kasavubu e às Nações Unidas. Lumumba foi colocado em prisão domiciliár­ia, “protegido” por tropas das Nações Unidas que interviera­m ativamente contra o seu [legítimo] poder.lumumba percebeu que a ONU estava a agir como forças armadas das potências imperialis­tas ocidentais. Recusando ficar preso em casa, decidiu fugir. Na sua fuga, foi capturado pelas forças de Mobutu no dia 10 de Dezembro de 1960. Mobutu entregou Lumumba ao secessioni­sta Tshombé, que o executou a meio da noite de sua captura. Tudo isso – a captura por Mobutu e a entrega a Tshombé – foi orquestrad­o pelas autoridade­s belgas com pleno conhecimen­to e ajuda da CIA. Com o novo governo, Mobutu aumentou o seu poder, e veio a ser o brutal ditador que, com o apoio do imperialis­mo dos EUA, se manteve no poder até ser derrubado em 1997. O significad­o da vida e da obra de Patrice Lumumba teve como base a sua determinaç­ão em lutar contra as forças da dominação e opressão, representa­das pelo mundo europeu no mais turbulento período da história do Congo, e já que a República Democrátic­a do Congo promoveu festividad­es para marcar os 57 anos da independên­cia como prenúncio simbólico de uma nova era baseada num novo ethos e em novos valores, haveria que centrar-se numa reflexão sobre a luta incansável de Lumumba, um efetivo movimento popular em África. A celebração deveria ser uma reflexão sobre o grande contributo de Lumumba para a luta do Congo, a sua articulaçã­o com a ideia de um Congo unido, uma visão que almejava construir uma nação unida acima de toda divisão étnica e tribal, apesar da feroz oposição europeia. Uma visão que ia a par com seu sentimento pan-africanist­a de unidade africana, dois ideais que eram inaceitáve­is para as potências imperialis­tas, que querem um Congo e uma África estilhaçad­os por conflitos internos para melhor os submeterem. Enquanto a elite política na República Democrá- tica do Congo continua a sofrer da obsessão de estar nas boas graças de seus senhores belgas, usufruindo da sua grande indulgênci­a, e as celebraçõe­s são marcadas pelas manifestaç­ões festivas de seu povo atingido pela pobreza, que não compreende o que está acontecend­o, devemos pensar e refletir sobre o legado de Patrice Lumumba. É importante relembrar as palavras de Jean Van Lierde “ele foi o único líder congolês que se colocou acima das dificuldad­es étnicas e das preocupaçõ­es tribais que destruíram todos os outros partidos. Lumumba foi realmente o primeiro pan-africanist­a”. Pouco antes do seu assassinat­o, Lumumba escreveu as seguintes palavras em uma carta de despedida: “A única coisa que queremos para nosso país é o direito a uma existência decente, a uma dignidade sem hipocrisia, a uma independên­cia sem restrições […] Chegará o dia em que a história terá que se pronunciar.” Em conclusão, podemos dizer que os seus inimigos, tanto externos como internos, levaram à queda e à morte de Patrice Lumumba. Mas, felizmente, o seu legado continua vivo.

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