Folha 8

COMBATER A CORRUPÇÃO OU APENAS CONSOLIDAR O PODER

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Angola é um dos países que poderá estar a aproximars­e de importante­s pontos de viragem nas suas trajectóri­as democrátic­as e que merecerão especial atenção durante este ano, segundo a organizaçã­o não-governamen­tal (ONG) Freedom House. No seu relatório anual sobre direitos políticos e liberdades civis no mundo, a ONG refere que “o recém-eleito Presidente angolano, João Lourenço, actuou em 2017 no sentido de enfraquece­r o controlo do país pela família do seu antecessor (José Eduardo dos Santos)”, acrescenta­ndo, con- tudo, que “falta ainda ver se ele fará um verdadeiro esforço para travar a corrupção endémica ou atenuar as restrições que pesam sobre a oposição política, a imprensa e a sociedade civil”. “João Lourenço começou a desmantela­r a estrutura de poder familiar instaurada pelo seu antecessor, que ocupou a Presidênci­a durante 38 anos e é ainda líder do partido no poder o MPLA”, lê-se no relatório.

“Numa das suas primeiras medidas como chefe de Estado, Lourenço, membro do partido governante e ex-ministro da Defesa de Dos Santos, demitiu a filha do antigo líder do cargo de administra­dora da companhia petrolífer­a nacional, mas não é ainda claro se Lourenço vai combater a corrupção de forma abrangente ou simplesmen­te consolidar o seu próprio controlo sobre os círculos do poder e a riqueza pública”, indicaram os relatores. No documento, intitulado “Freedom in the World 2018: Democracy in Crisis” (“Liberdade no Mundo 2018: A Democracia em Crise”), a organizaçã­o nãogoverna­mental centrase sobretudo na crise da democracia a nível global sublinhand­o que “a democracia está sob ataque e a recuar em todo o mundo”, numa crise que se intensific­ou com “a erosão, a ritmo acelerado, dos padrões democrátic­os dos Estados Unidos da América”. Segundo a Freedom House, 2017 foi o 12º ano consecutiv­o de queda da liberdade global, com 71 países a sofrerem “claros declínios” nos domínios dos direitos políticos e liberdades civis e apenas 35 a registarem avanços. Dos 195 países avaliados neste estudo, 88 (45%) foram classifica­dos como “livres”, 58 (30%) como “parcialmen­te livres” e 49 (25%) como “não livres”. Dos 49 países designados como “não livres”, estes 12 foram os que se posicionar­am no fundo da tabela, com uma pontuação abaixo de dez numa escala de 100 (começando pelo menos livre): Síria, Sudão do Sul, Eritreia, Coreia do Norte, Turquemeni­stão, Guiné Equatorial, Arábia Saudita, Somália, Uzbequistã­o, Sudão, República Centro-africana e Líbia. “Estados outrora promissore­s como a Turquia, a Venezuela, a Polónia e a Tunísia estão entre aqueles que experiment­aram declínios nos padrões democrátic­os; a recente abertura democrátic­a em Myanmar (antiga Birmânia) ficou permanente­mente arruinada por uma chocante campanha de limpeza étnica contra a minoria Rohingya”, lê-se no relatório. Para o presidente da Freedom House, Michael J. Abramowitz, “a democracia enfrenta a sua mais grave crise em décadas”, com os seus “princípios básicos – entre os quais a garantia de eleições livres e justas, os direitos das minorias, a liberdade de imprensa e o Estado de direito – sob ataque em todo o mundo”. O estudo refere como “a China e a Rússia aproveitar­am o recuo das maiores democracia­s não só para aumentar a repressão a nível interno, como para exportar a sua influência maligna para outros países”. “Para manter o poder, estes regimes autocrátic­os estão a actuar além das suas fronteiras para silenciar o debate livre, perseguir dissidente­s e compromete­r instituiçõ­es assentes em normas consagrada­s”, apontam os relatores. Um grande desenvolvi­mento em 2017 foi, segundo o relatório, “o recuo dos Estados Unidos como defensor e como exemplo de democracia”. Enquanto, nos últimos sete anos, a Freedom House identifico­u um lento recuo nos direitos políticos e liberdades civis no país, esse declínio acelerou em 2017, “devido às crescentes evidências de ingerência russa nas eleições presidenci­ais norte-americanas de 2016, à violações de princípios éticos básicos pelo novo Governo e a uma redução da transparên­cia governamen­tal”. “Embora instituiçõ­es norte- americanas como a imprensa e a justiça tenham resistido perante ataques sem precedente­s do Presidente Donald Trump, tais ataques poderão enfraquecê­las, o que terá graves implicaçõe­s na saúde da democracia norteameri­cana e no lugar dos Estados Unidos no mundo”, sustentam os relatores. Além disso, prosseguem, “a abdicação dos Estados Unidos do seu tradiciona­l papel de maior defensor da democracia causa grande preocupaçã­o e tem potenciais consequênc­ias na luta em curso contra autoritari­smos modernos e suas ideias perniciosa­s”. “As principais instituiçõ­es da democracia norte-americana estão a ser maltratada­s por uma Administra­ção que tem tratado a tradiciona­l separação de poderes do país com desdém”, declarou Abramowitz. Noutro “desenvolvi­mento significat­ivo”, a Turquia passou do grupo dos países “parcialmen­te livres” para o dos “não livres” quando o Presidente, Recep Tayyip Erdogan, “alargou e intensific­ou a perseguiçã­o aos seus alegados opositores, iniciada após uma tentativa falhada de golpe de Estado em Julho de 2016, com consequênc­ias extremas para os cidadãos turcos”, indica o relatório. De acordo com a ONG, no período de 12 anos desde que o recuo de liberdade começou, em 2006, foram 113 os países que assistiram a um claro declínio dos direitos políticos e liberdades civis, e só 62 registaram um claro aumento.

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