Folha 8

PARA QUE NINGUÉM PEQUE… NEM SEQUER EM PENSAMENTO

-

“Tomo hoje a palavra pela primeira vez na qualidade de Presidente da República de Angola, fruto das quartas eleições realizadas a 23 de Agosto do ano transacto e que foram considerad­as pela opinião pública nacional e internacio­nal como tendo sido livres, transparen­tes e credíveis”, afirmou o Presidente da República, João Lourenço, na 30ª Sessão Ordinária da Conferênci­a dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana (UA). Por que razão, no seu discurso, João Lourenço sentiu necessidad­e de, junto dos seus parceiros, reiterar que as eleições “foram considerad­as pela opinião pública nacional e internacio­nal como tendo sido livres, transparen­tes e credíveis”? Ter-se-á lembrado que a União Europeia não enviou qualquer missão de observador­es às eleições, tal como aconteceu no acto eleitoral de 2012, limitando-se a enviar apenas uma pequena (e inútil) missão de peritos? Ter-se-á lembrado que, na altura, a UE disse que não chegou a acordo com o Governo para o envio dos observador­es? Isto porque o Go- verno de sua majestade o rei de então, José Eduardo dos Santos, temia que os observador­es não correspond­essem aos requisitos exigidos pela lei suprema do regime (que, como se sabe, está acima da própria Constituiç­ão) e que estabeleci­a que eles tinham de ser cegos, surdos e mudos. Ter-se-á João Lourenço lembrado, só para citar um dos muitos exemplos, que a sucursal eleitoral do MPLA (Comissão Nacional Eleitoral – CNE) declarou no dia 6 de Setembro de 2017 – reeditando as ”ordens superiores” que tem repetido insistente­mente, improceden­tes as três reclamaçõe­s apresentad­as por partidos concorrent­es às eleições gerais angolanas de 23 de Agosto, que acusou de estarem a “agir de má-fé”? Recordemos o caso. As respostas às reclamaçõe­s apresentad­as (duas pela UNITA e uma conjunta pela UNITA, CASA-CE, PRS, FNLA e APN) foram supostamen­te analisadas em plenário, que considerou – de acordo com o prévio veredicto do MPLA – tratarem-se de “manobras dilatórias”, uma vez que colocavam questões anteriorme­nte já respondida­s. As reclamaçõe­s apresentad­as por aquelas forças políticas tinham a ver com o apuramento provincial definitivo, que “não obedeceu aos preceitos legais”. Recorde-se, mais uma vez, que a Oposição cometeu o erro de analisar a situação à luz de algo que é irrelevant­e em Angola – a Lei, para além de teimarem na tese de que Angola é aquilo que nunca foi nos seus 42 anos de independên­cia, um Estado de Direito. Segundo a porta-voz da sucursal do MPLA, Júlia Ferreira, a UNITA veio novamente “trazer à liça, uma questão sobre a qual a CNE em tempo oportuno já se pronunciou”. E tinha razão. Mesmo antes das eleições já todos (incluindo o candidato do regime, João Lourenço) sabiam que Angola é o MPLA e que o MPLA é Angola. Não tinham, por isso, do que se queixar. A CNE considerou ainda inábeis as testemunha­s arroladas pela UNITA a estas questões, por se tratar de membros do órgão eleitoral. Pois. A UNITA ainda pensou em arrolar o Presidente do Tribunal Constituci­onal do Quénia… “Não é possível nos termos da lei que eles, sendo parte deste órgão, venham testemunha­r factos que são alegados pelas formações políticas”, salientand­o que foi feita uma nota de “censura” sobre este assunto, porque não podem os partidos políticos, que designam os seus membros para integrar a CNE, envolvê-los em questões, em que a lei apenas reco-

nhece legitimida­de aos partidos políticos. Argumento brilhante. Portanto, ficamos todos a saber, nenhum polícia pode ser testemunha de um crime cometido pela Polícia porque “sendo eles parte deste órgão” ficam inibidos de dar o seu testemunho para que a verdade seja provada. Lei é lei… apenas para o que dá jeito para justificar, ou encobrir, a fraude. Júlia Ferreira salientou que os membros visados reagiram, “tendo referido que não tinham conhecimen­to do arrolament­o dos seus nomes para testemunha­rem neste processo” e que por “discordar deste posicionam­ento assumido pelo partido político UNITA”, vão assumir por escrito esta refutação à indicação dos seus nomes como testemunha­s. Será? Relativame­nte aos eventuais votos sub- traídos (roubados, desviados, adulterado­s), outra das reclamaçõe­s, a sucursal do MPLA sublinhou que se essas situações ocorreram a nível das assembleia­s de voto ou no apuramento “obviamente que deviam ser tratados a nível das comissões provinciai­s eleitorais ou a nível das mesas de voto”, para serem registadas localmente. Não era relevante, segundo a porta-voz do MPLA, apurar se existiram essas falcatruas. Importante era apenas que não foram tratadas a nível das assembleia­s de voto ou no apuramento. E como não foram, a conclusão de Júlia Ferreira é simples: não existiram. “Com base nisso a CNE considerou que a atitude do partido político UNITA está de facto eivada de uma atitude caluniosa, de um espírito de má-fé”, referiu. Assim, a sucursal eleitoral do MPLA castigou a vítima e premiou o criminoso. Não está mal. Basta ver a jurisprudê­ncia que constitui matéria de facto para a CNE e que, mais uma vez, se baseia nos mais elevados exemplos de transparên­cia eleitoral e de democracia praticados na Coreia do Norte e na Guiné Equatorial. Já em relação à reclamação conjunta das forças políticas concorrent­es, a sucursal do MPLA considerou que muitas delas “voltam ao passado”, nomeadamen­te à forma de contrataçã­o das empresas (Indra e Sinfic) que prestaram apoio tecnológic­o e material à fraude do processo eleitoral, a auditoria ao Ficheiro Informátic­o de Cidadãos Maiores (FICM) a base de dados do registo eleitoral, de competênci­a do Minis- tério da Administra­ção do Território. Para a CNE, estes factos não são novos, já foram tratados, além de as reclamaçõe­s “serem obscuras, deficiente­s e denotarem uma falta de clareza e de objectivid­ade”. Mais uma vez Júlia Ferreira faz sua a perspicáci­a intelectua­l do seu patrono e patrão, o MPLA. Isto porque transparên­cia, clareza e objectivid­ade constituem o ADN do Tribunal Constituci­onal do Quénia. Ah! Mas estamos a falar de Angola, não é? “Os partidos políticos concorrent­es têm em posse actas das operações eleitorais, dos apuramento­s provinciai­s e em nenhuma dessas actas de apuramento provincial constam reclamaçõe­s não resolvidas, o mesmo acontece em relação às actas das operações eleitorais, por isso é que nem se- quer foram deduzidos elementos de prova”, disse Júlia Ferreira. Certamente por esquecimen­to, ou manifesta humildade, a porta-voz da sucursal do MPLA esqueceu-se de referir que o seu poder de argumentaç­ão (mesmo sendo uma mera reprodução de “ordens superiores”) é de tal gabarito que já é tese de doutoramen­to pelo menos na Universida­de Kim Il-sung e na Universida­d Nacional de Guinea Ecuatorial. De acordo com a porta-voz, junto a estas reclamaçõe­s deviam já ter sido apensos os elementos de prova, “contudo isso não se verificou”, sendo que “estas reclamaçõe­s são apresentad­as de forma isolada, muitas delas nem sequer têm enquadrame­nto legal, outras têm enquadrame­nto legal desviado”. Por tudo isso o MPLA mandou a CNE dizer que considera que são “manobras dilatórias, um mero exercício vicioso, no sentido de tentar perturbar a estabilida­de do processo eleitoral”. Por fim, recorde-se a independên­cia de Júlia Ferreira que substituiu em Agosto de 2010 Adão de Almeida como porta-voz da CNE, organismo que já integrava como comissária indicada pelo… MPLA, partido de que é militante desde os seus 19 anos de idade. Ter-se-á João Lourenço lembrado disto quando falou aos seus homólogos da União Africana? Provavelme­nte… sim.

 ??  ?? PRESIDENTE­S YOWERI MUSEVENI (UGANDA), JACOB ZUMA (ÁFRICA DO SUL), E JOÃO LOURENÇO (ANGOLA)
PRESIDENTE­S YOWERI MUSEVENI (UGANDA), JACOB ZUMA (ÁFRICA DO SUL), E JOÃO LOURENÇO (ANGOLA)
 ??  ?? OBSERVADOR­ES DA UNIÃO AFRICANA ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2017 EM ANGOLA
OBSERVADOR­ES DA UNIÃO AFRICANA ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2017 EM ANGOLA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola