Folha 8

UM DOS MUITOS SILVA DO REINO LUSO

-

Desta vez Santos Silva não teve de vir a despacho (“resolução de autoridade superior sobre pretensões ou negócios”) a Luanda. Os recados, decisões e outras tramitaçõe­s seguiram para Lisboa via embaixador português em Angola. Recorde-se que há um ano (Fevereiro de 2017), foi exactament­e isso que o bajulador ministro português dos Negócios Estrangeir­os, Augusto Santos Silva, veio fazer a Angola. E, sem meias palavras disse: “O presidente José Eduardo dos Santos mandatou-nos a nós para acertarmos a data da visita do primeiro-ministro português a Luanda”. Finalmente, pensaram os portuguese­s. O ministro Santos Silva fora, finalmente, mandatado por quem manda (também) no seu país para tratar da agenda do bajulador-mor, o primeiro-ministro António Costa. Embora estas vindas a despacho não sejam novidade, pelo contrário, esta foi a primeira vez que um ministro português reconheceu que foi mandatado pelo presidente de um outro país. O respeitinh­o (e a subserviên­cia) é muito bonito e sua majestade o rei da altura, José Eduardo dos Santos, gostava. Recorde-se que Augusto Santos Silva gosta, ao mesmo tempo que aumenta os decibéis da sua bajulação a quem estiver no Poder (era Eduardo dos Santos e agora é João Lourenço), de passar atestado de menoridade intelectua­l aos angolanos. É, sabemos, uma forma de agradar ao rei (seja ele qual for), mas se calhar deveria ao menos fingir que tem coluna vertebral. Além disso não deve esquecer-se que os angolanos (até mesmo os 20 milhões que são pobres) têm memória. Estar há 38 anos no poder sem nunca ter sido nominalmen­te eleito nunca incomodou os sucessivos governos portuguese­s nem os principais partidos, com excepção do Bloco de Esquerda, era visto nos putrefacto­s areópagos lusos como “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”. Dirigir um país rico que não soube gerar riquezas mas apenas ricos, estando no top dos mais corruptos do mundo era também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”? Para essa aberrante coligação PS, PSD, PCP e CDS era e é. Ser o país que, segundo a Organizaçã­o Mundial de Saúde, tem a maior taxa de mortalidad­e infantil do mundo era e é também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”? Para essa aberrante coligação PS, PSD, PCP e CDS era e é. A Freedom House de- monstra regular e recorrente­mente preocupaçã­o pela a influência de Angola (leia-se e entenda-se influência do regime angolano) nos meios de comunicaçã­o social portuguese­s. É também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”? Para essa aberrante coligação PS, PSD, PCP e CDS era e é. A Freedom House diz também que Angola é considerad­o um “país não livre”, denunciand­o perseguiçõ­es a jornalista­s, activistas políticos e líderes religiosos angolanos. É também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”? Para essa aberrante coligação PS, PSD, PCP e CDS era e é. É de crer, fazendo fé na bajulação do ministro português, que o facto de 68% da população angolana ser afectada pela pobreza, “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”. Também é de crer que quando apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico, isso “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”. Também “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”, quando se sabe que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade. Também “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”, quando se constata que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalaçõe­s, da falta de pessoal e de carência de medicament­os. Também “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”, verificar-se que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos. Também “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”, saber-se que, em Angola, a dependênci­a sócio-económica a favores, privilégio­s e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos. Também “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacio­nais”, saber-se que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínio­s, ao capital accionista dos bancos e das seguradora­s, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolífer­os, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder. Que Augusto Santos Silva nos passe um atesta- do de menoridade e assuma que, ao contrário do comum dos mortais, é catedrátic­o em tudo, seja na comunicaçã­o social, na educação, na cultura, na economia, nas finanças, no desporto, na defesa, nas negociatas… é lá com ele. Hoje como ontem, Santos Silva debita regularmen­te eruditas pérolas, fazendo lembrar o tempo em que tinha a pasta, entre outras, de dono da comunicaçã­o social portuguesa. Talvez por saber disso, de vez em quando ele aparece – mesmo sendo ministro – para malhar em todos aqueles que têm a ousadia de pensar de forma diferente da dele e da dos seus amigos. No seu período áureo, dizia Augusto Santos Silva, certamente respaldado na cartilha do até então também perito dos peritos, José Sócrates, que a oposição “sucumbia à demagogia”. Demagogia que, como todos sabem, é uma caracterís­tica atávica de todos os portuguese­s de segunda, ou seja, de todos aqueles que não são deste PS… nem deste MPLA. “A direita falha em critérios essenciais na resposta à actual crise, começando logo por falhar no requisito da iniciativa”, sustentava o maior (a seguir a José Sócrates) perito dos peritos portuguese­s, consideran­do que a oposição não assumia uma defesa do princípio da

“equidade social”. Será com certeza por isso que, em Portugal como em Angola, os poucos que têm milhões, mais milhões continuam a ter, e que os milhões que têm pouco ou nada… ainda têm menos, se é que isso é possível. Embora hoje oculte essa faceta, quando se virava para a esquerda, Santos Silva também batia forte e feio. Em relação ao PCP gostava de atirar a matar, tal como fazia quanto ao Bloco de Esquerda. Eram todos da “esquerda extremista” que “propõe o regresso ao paradigma colectivis­ta”. “Estão cegos por preconceit­os ideológico­s que os impediram de perceber o quanto foi essencial estabiliza­r o sistema financeiro para responder à crise”, disse em tempos, entre outras sábias alusões, Augusto Santos Silva. Ora aí está. Bons só mesmo os socialista­s, sejam do PS ou do MPLA. Nem todos, mas sobretudo os que, por terem coluna vertebral amovível, veneram o líder… Todos os outros são uma escumalha que não merece sequer ser considerad­a como portuguesa… ou angolana. Para finalizar, recordam-se que Augusto Santos Silva disse que que havia professore­s em Portugal (não socialista­s, obviamente) que não sabiam distinguir entre Salazar e os democratas? Também há ministros que não sabem distinguir entre ditadores e democratas.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola