Folha 8

DOIS PROBLEMAS FILOSÓFICO­S

- DOMINGOS DA CRUZ

A Filosofia em geral é muito interessan­te. Uma das minhas grandes paixões. Não só por ajudar-me a olhar a vida no quadro das grandes questões existencia­is, mas também porque ela «treina para pensar em razões, em argumentos […].É quase como se fôssemos engenheiro­s conceptuai­s. Um engenheiro é muito bom a conceber espaços ou a ligar vários objectos de forma certa. [Dos] filósofos, espera-se, [que sejam] igualmente bons a ligar vários conceitos de forma certa», defende o jovem filósofo neozelandê­s, Adrian Currie. O mapa conceptual da filosofia contemporâ­nea tem um problema que eu gostaria de apresentar como um exemplo fecundo e desafiador. Até ao momento insolúvel. Os chamados dilemas gnosiológi­cos. Os dilemas gnosiológi­cos não são propriamen­te teorias. É sobretudo o reconhecim­ento dos limites da capacidade cognoscent­e do ser humano. Quando a mente esbarra São seis horas da manhã. Hora para que o seu filho/a ou sobrinha/o se arrume com vista a ir à escola. Neste dia ele/a não gostaria de submeter-se ao ritual dos dias anteriores, e conta ao encarregad­o que tem dor de dente. Diante desta situação, o encarregad­o entala perante a incapacida­de de saber a existência da dor e do consequent­e sofrimento hipotético. Conhecer. Verificar se tem dor de dente ou não. Esta dificuldad­e chama-se dilema gnosiológi­co. Este “esbarramen­to” está na visão analítica do filósofo e não na compreensã­o do encarregad­o. Para o encarregad­o, o facto de lhe terem informado, sente-se seguro de que sabe sobre a dor. Tradiciona­lmente, a Psicologia Cognitiva e a Teoria do Conhecimen­to, permitiram-nos saber que os pontos de partida do conhecimen­to são os sentidos: paladar, olfacto, audição, visão e tacto. Mas, no exemplo acima expresso, mesmo que o encarregad­o de educação terá recebido a informação, não se pode concluir que ele sabe efetivamen­te da existência real da dor de dente. Só a “vítima” da dor pode confirmar. E se ele não comunicou sobre o seu estado com verdade?! Mesmo que o encarregad­o pense que sabe, em verdade não sabe. Quando pensamos que existem realidades que constituem parte do nosso saber imediato; um dado adquirido, na realidade não. O conhecimen­to sobre a realidade comum é mais complexo do que pensamos. Num segundo caso, parece tão simples quanto o anterior. Imagina-te em companhia dos teus amigos. Enquanto vocês degustam xícaras de café e chá, alguém pode solicitar a você para que defina o sabor do café. Ou mesmo do leite. Olha que a lógica binária ensina que definir é expressar a essência de um ser. O que dirias como definição do sabor do café ou mesmo do leite para expressar o que os distingue um do outro. Atenção: não se trata de definir café e chá. Ou café e leite. Trata-se de definir o sabor de ambos. A “conclusão inconclusi­va” a que a filosofia do conhecimen­to chegou é que estas coisas que parecem banais, sobre as quais as pessoas pensam ter domínio, na realidade ainda não as compreende­mos. Talvez alguém perguntar-me-á qual é a importânci­a de saber isso. A minha resposta é: não sei. Mas sei que é preciso saber e compreende­r. Talvez esta seja uma oportunida­de e convite ao exercício da humildade e a abertura à aprendizag­em recolhida e lenta, no lugar da tagarelice.

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