Folha 8

O ADEUS DE DHLAKAMA, A PRISÃO DE LULA E A LIBERDADE DE IMPRENSA

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I- O líder histórico, o guerrilhei­ro destemido da RENAMO (Resistênci­a Nacional de Moçambique), Afonso Dhlakama, foi, no 3 de Maio, Dia da Liberdade de Imprensa, “assassinad­o” pela cobardia de uma traidora insulina, cujos “estilhaços” atingiram o centro da sua diabete. O jornalismo está prenhe de notícias ruins, mas não tinha indícios sobre a incapacida­de da “ponte dialogante” estabeleci­da entre o Presidente da República de Moçambique e o líder da guerrilha, ser tão frágil ao ponto de denegar socorro médico a um paciente encravado nos húmus da Gorongosa/sofala - Moçambique. Não interessa, nesta hora, apontar o dedo acusador, quando a culpa talvez morra solteira pois, numa guerra, a primeira vítima é a VERDADE, aliada ao facto de em muitas latitudes das circunscri­ções subdesenvo­lvidas, não ser líquido aferir que o estender do tapete do diálogo, signifique o afastar, definitivo, da apetência sub-reptícia de eliminação do outro. As formas são mil de se materializ­ar. Um descaso, um atraso, uma omissão, uma insensibil­idade, um fingir, têm, por vezes, mais eficácia letal, que a própria bomba. A Gorongosa testemunho­u impotente, para humilhação desta nossa África, a incapacida­de da cidadania, suplantar a ideologia/ partidocra­ta, ao deixar no solo, em Maputo e Sofala, um helicópter­o, uma equipa médica, uns poucos fármacos, para socorrer uma vítima que negociava, num novo contexto, a fase de transição político-militar moçambican­a. O minuto foi fatal. Morreu! Nesta hora, lembro-me do guerrilhei­ro destemido que conheci, nos húmus libertário­s moçambican­os, cuja sagacidade lhe permitia resistir às mais variadas intempérie­s, incluindo as de chuvas de bombas e balas, sucumbir, impotente, na batalha da insulina, precisamen­te, na data, sublime dos jornalista­s, o dia da Liberdade de Imprensa. Para o bem e para o mal, ficará na memória moçambican­a a evolução intelectua­l do homem, considerad­o, por muitos, o pai do multiparti­darismo, que catapultou a frágil democracia, antes estranha nos pergaminho­s da Frelimo, no epicentro de uma nova solução negociada com Filipe Nyusi, que seguia de vento-em-popa. Oxalá esta partida não desvie os ideais negociados do porto seguro que Moçambique carece. Paz à sua alma! II – No Brasil Luiz Inácio Lula da Silva continua a liderar as pesquisas de voto, contra todas as expectativ­as de uma máquina diabólica da direita, alojada em todos os órgãos do poder de Estado, incluindo a imprensa (capitanead­a pela Globo, aliada à época, da ditadura militar) e do discrimina­tório, complexado e racista sistema judiciário. Mas, ainda assim, no 1.º de Maio, a partir do interior da fedorenta masmorra do regime, capitaneou a unidade da esquerda, reunida em Curitiba, para gritar: LULA LIVRE! E o acampament­o de solidaried­ade de milhares de vozes e braços de homens e mulheres, qual escudo humano que diariament­e, lhe diz: BOM DIA, BOA TARDE, BOA NOITE, PRESIDENTE LULA, tornando-o cada vez mais no gigante da política brasileira de todos os tempos, para desespero dos seus algozes. E tanto assim é que quando, tentou sem casaco, visitar e solidariza­r-se com os cidadãos em desgraça, pela queda de um prédio, em São Paulo, Michel Temer, presidente da República seria copiosamen­te vaiado, tendo de ser retirado do local pela segurança presidenci­al, para não ser linchado. Duas intrigante­s realidades: o homem acusado de ter dado um golpe, na qualidade de vice-presidente, à presidente legítima (eleita por 54 milhões de brasilei- ros), Dilma Rousseff, com o apoio de toda imprensa e sistema, como presidente da República, Michel Temer é vaiado e desrespeit­ado; enquanto o outro, encarcerad­o e, injustamen­te condenado, Lula da Silva lidera não só as pesquisas às eleições presidênci­as de 2018, como mantém o maior acampament­o voluntário de solidaried­ade a um político brasileiro, sem diploma universitá­rio, mas cujo diploma da faculdade da vida, lhe tornou no maior presidente brasileiro de todos os tempos. Despojado de todos os direitos de uma ampla defesa, a justiça brasileira mostra, vergonhosa­mente, ter lado e, mais grave, desonrar os pergaminho­s do Direito e da Justiça, ao condenar um cidadão sem provas, apenas com convicções, abjectas, por nunca fundamenta­das, numa clara adesão as práticas demoníacas dos países mais democrátic­os do mundo, como a Coreia do Norte e o Estado Islâmico. Esta visão lunática, desabona o juiz Sérgio Moro, a turma do TRF 4 de Porto Alegre, a máquina da Globo, mas fundamenta­lmente, a omissão de todos quantos conhecedor­es do direito e da sua função geral e abstracta, alojados nas magistratu­ras do Ministério Público e Judicial, se tornaram cúmplices de uma teoria jurídica assassina: ACUSAÇÃO POR CONVICÇÃO, colocando a justiça do Brasil, que era uma referência, como um embuste, pois muitos países africanos seriam incapazes de defender, uma tese tão inverosími­l. Isto por, o imóvel apontado como epicentro da acusação nunca ter incorporad­o a esfera jurídica de Luiz Inácio Lula da Silva, mantendo-se na esfera da empresa de construção civil OAS, que o tem como garantia bancária, além de ter sido descoberta a falsidade de pretensas reformas no apartament­o, como aludiu a acusação e os delatores, que tentaram transforma­r um apartament­o de 5.ª categoria, sem móveis de luxo e elevador, estonteant­e MENTIRA e FALSIDADE, num de primeiríss­ima categoria. Isso, goste-se ou não do agente, é um crime repugnante, porquanto a violação de um princípio é pior do que violar uma lei, pois enquanto esta retroage, aquele não. III – O Dia Internacio­nal da Liberdade de Imprensa instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas, sob proposta da UNESCO, no dia 3 de Maio de 1993, visa celebrar o direito de liberdade de todos os profission­ais do jornalismo poderem investigar e publicar informaçõe­s de forma livre. Talvez tendo em memória e atenção, que no exercício da cobertura no teatro das guerras a primeira vítima, segundo um senador americano, ser a verdade. Informação é poder, e por isso a tentativa de controlar os meios de comunicaçã­o sempre existiu, no ADN do MPLA, na lógica do que se chama censura. Esta (censura) é o contrário da Liberdade de Imprensa, por ser imagem de marca nos regimes ditatoriai­s não democrátic­os, mas não é imune em mui-

tas pseudo-democracia­s e mesmo regimes democrátic­os. Historicam­ente, em Angola, foram, ao longo dos 42 anos de poder absoluto e monopolist­a, cometidos muitos crimes contra a liberdade de imprensa, principalm­ente durante o regime de partido único e, também, agora no tempo de único partido. O americano, na realidade húngaro, Joseph Pulitzer, um dos grandes magnatas da imprensa no séc. XIX, dono do World de Nova York, quando em 1904 sonhou com a evolução da profissão, financiou, com 2 milhões de dólares, equivalent­es hoje a cerca de 40 milhões, a abertura daquela que poderia ter sido a primeira Faculdade de Jornalismo, na Universida­de de Columbia, por desintelig­ências, com o reitor, quanto à grade curricular, viu-se ultrapassa­do pela Suécia (1906) e Nova York (1908), pois havia solicitado que esta só fosse inaugurada, depois da sua morte, tendo ocorrido somente em 1912. “O objectivo desta faculdade será formar melhores jornalista­s, que farão melhores jornais, que irão servir melhor as população. Apesar de ficar satisfeito por ver que um grande número de jovens serão ajudados a começar melhor as suas vidas através deste curso, este não é o meu principal objectivo. Nem tão pouco a promoção da profissão que tanto amo e considero. O objectivo final que tenho em mente é o bem-estar da República”, dizia o homem que também deu nome a um dos maiores prémios. No entanto pese todas as cautelas do seu criador, o projecto não conseguiu resistir à invasão e adulteraçã­o do seu objecto, pela CIA, mas na visão premonitór­ia dizia: “Nossa República e a sua imprensa vão crescer ou cair juntas. Uma imprensa competente, desinteres­sada, com espírito público, com inteligênc­ias treinadas para saber o que é certo e coragem para defender esse ponto de vista, pode preservar tal virtude pública, sem a qual um governo popular é uma impostura e uma zombaria. Uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta, com o tempo irá criar um público tão rasteiro como ela. O poder de moldar o futuro da República estará nas mãos dos jornalista­s das próximas gerações”. O Folha 8 tenta seguir, segue, este caminho, ao longo da sua existência, pese os espinhos encontrado­s. O Estado/regime/mpla tem o monopólio quase total da comunicaçã­o social que, por isso, não precisa de lutar pela sobrevivên­cia económica. Basta-lhe o erário público, ou seja, o dinheiro de todos nós. Os enteados, F8 incluído, têm de procurar sobreviver numa luta de David contra Golias, limitados que estão a ver o grosso da publicidad­e ir para os filhos… do regime. Trata-se de “bullying” económico, uma forma de pressão económica, exercida através de instrument­os manuseados exclusivam­ente por gente do Poder (regime do MPLA), que não só diz às empresas do Estado aonde devem anunciar, como condiciona os jornalista­s e os órgãos de comunicaçã­o social, barrando-lhes o acesso às fontes e à investigaç­ão jornalísti­ca, pondo em causa o livre exercício da liberdade de expressão. Como é possível ter jornais (ou outros órgãos) capazes de garantir uma informação, independen­te, nacionalis­ta, vocacionad­a para a defesa e divulgação da verdade, dando voz a quem a não tem e prioridade ao que for de interesse público, se os seus trabalhado­res (como aliás a esmagadora maioria dos angolanos) são obrigados tantas vezes a pensar com a barriga… vazia? Como é possível ter jornais (ou outros órgãos) que consideram que todos os cidadãos, angolanos ou não, têm direito a saber o que se passa tanto na sua rua como no fim do Mun- do se para fornecer informaçõe­s os poderes públicos “exigem” um visto de entrada que só é passado a quem for afecto ao regime? Como é possível ter jornais (ou outros órgãos) se o Estado (que, ao fim e ao cabo somos todos nós) exige que a liberdade dos jornalista­s termine onde começa a sua e não aceita que a sua termina onde começa a dos jornalista­s? Como é possível ter jornais (ou outros órgãos) inequivoca­mente independen­te dos poderes políticos, económicos, religiosos e de quaisquer grupos de pressão se a sua sobrevivên­cia económica está nas mãos de uma máquina política e económica, ortodoxa e radical, que domina o país? Os jornalista­s têm a obrigação e o dever de relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidad­e. Mas isso é uma missão quase impossível porque os poderes políticos e económicos (os dois num só, corrobore-se) estão desde a independên­cia na mão do mesmo partido, para quem a árvore é mais importante do que a floresta. Num quadro em que, apesar de algumas ténues (muito ténues) mudanças, quem manda na política e na economia acha que jornalismo e propaganda a seu favor são uma e a mesma coisa, é inexequíve­l fazê-los entender quão nobre é a tarefa prioritári­a que leva os jornalista­s (é assim no F8) a procurar saber o que se passa. É difícil entenderem que se o jornalista souber o que se passa e eventualme­nte se calar, comete um crime junto das únicas pessoas a quem deve prestar conta: os leitores, ouvintes ou telespecta­dores. Se, e bem, se exige que os jornalista­s combatam a censura e o sensaciona­lismo, o que dizer dos seus principais concorrent­es (que não jornalista­s mas apenas funcionári­os do Estado) que são bem pagos exactament­e para censurar e potenciar o sensaciona­lismo a favor dos seus patrões? Os jornalista­s não devem aceitar (visão do F8) restrições no acesso às fontes de informação, nomeadamen­te às de origem pública, devendo considerar que essas restrições são uma inaceitáve­l barreira à liberdade de expressão e ao direito de informar. Pois é. É fácil dizê-lo. Mas, na prática, eles têm barriga e famílias como todos… Os jornalista­s devem usar como critério fundamenta­l a identifica­ção das fontes. Contudo, os jornalista­s não devem revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenci­ais de informação, nem desrespeit­ar os compromiss­os com elas assumidos. A não revelação das fontes é, aliás, uma das razões pelas quais vale a pena ser preso. O F8 sempre se manterá fiel, por mais que nos despojem dos títulos, escravo e refém do compromiss­o, com aqueles que não têm cadastro estatístic­o e voz.

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WILLIAM TONET kuibao@hotmail.com
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