Folha 8

“EU VOU-TE CÁ MANDAR UM…”

- TEXTO DE ORLANDO CASTRO

“Não te tratam mal. Eu vou-te cá mandar um jornalista da televisão para te fazer uma entrevista e tu dás essa entrevista na véspera da viagem e metes os portuguese­s no coração. E assim foi, fez uma entrevista belíssima. Quando cá chegou não houve nem uma manifestaç­ão de protesto”. Este episódio refere-se à visita a Portugal de Samora Machel, líder da FRELIMO, partido que – tal como o MPLA em Angola – comanda os destinos do país desde a independên­cia, e foi contado pelo socialista Almeida Santos. “Eu vou-te cá mandar um jornalista”. A frase, verdadeira, mostra como os políticos, de aviário ou não, sempre gostaram de mandar na comunicaçã­o social. Desde 1974 que, com um ou outro pequeno e irrelevant­e interregno, o PS e o PSD sempre foram donos e senhores dos donos dos jornalista­s e dos donos dos donos dos jornalista­s. José Sócrates, por exemplo, limitou-se a seguir as lições dos seus anteriores mestres. Por alguma razão, no dia 18 de Março de 2010, na cidade portuguesa da Guarda, o então primeiro-ministro considerou que António de Almeida Santos era “um dos príncipes da democracia”, enaltecend­o “as suas qualidades políticas”. “Digo com emoção que nunca conheci um político com tão bom coração, tão bom companheir­o, tão bom amigo, como Almeida Santos”, afirmou José Sócrates. São, aliás, qualidades que todos reconhecer­am. Começando, desde logo, no Acordo de Alvor, que permitiu a (in)dependênci­a de Angola e a anexação por esta de Cabinda, e que foi – segundo disse o próprio Almeida Santos, um dos signatário­s – apenas “um pedaço de papel” que “não valeu nada”. Este político socialista, que foi presidente do PS e que em vida foi um flutuador nato da política portuguesa, “um dos príncipes da democracia” segundo Sócrates, que defendia ideais de Esquerda mas preferia viver à Direita, tinha razão. O Acordo de Alvor só valeria se o MPLA não ficasse no Poder. Como ficou… Desde os tempos em que, entre outros, Melo Antunes, Rosa Coutinho, Cos- ta Gomes, Mário Soares e Almeida Santos decidiram gozar com a chipala dos portuguese­s e dos angolanos quando assinaram o Acordo de Alvor, todos sabemos que os políticos portuguese­s nunca têm dúvidas e raramente se enganam. Recorde-se, por exemplo, que Almeida Santos, afirmou no dia 17 de Fevereiro de 2010, com toda a convicção típica de quem há muito era impoluto dono da verdade nas ocidentais praias lusitanas, que o então primeiro-ministro nada tinha a explicar, entre outros casos, sobre a tentativa de compra da Media Capital pela PT e considerou que este caso “acabaria em nada”, como outros que envolveram Sócrates. Ora aí está. Se Almeida Santos disse que mandava a Moçambique um jornalista­s fazer propaganda a Samora Machel e cumpriu, e disse que todos os processos contra aquele que o considerav­a “um dos príncipes da democracia” acabariam em nada, é isso mesmo que tenderá a acontecer. Tal como, aliás, acabou em nada o processo que envolvia Manuel Vicente. Só falta agora António Costa, ou até mesmo Marcelo Rebelo de Sousa, dizer a João Lourenço: “Eu vou-te cá mandar um jornalista para te fazer uma entrevista”. É claro que, como os tempos são outros, o Presidente João Lourenço dirá: “Não é preciso. Alguém do Jornal de Angola, ou da TPA, faz- -me a entrevista e depois vocês passam-na em Portugal como sendo vossa”. Tal como nos bons velhos tempos de Almeida Santos e companhia (José Sócrates), os políticos portuguese­s do PS (com ou sem PCP e BE) e do PSD (com ou sem CDS) chegaram tão cedo ao sector da comunicaçã­o social que conseguira­m, sem grande esforço e em muitos casos apenas por um prato de lentilhas, fazer com que os seus mercenário­s, chefes de posto ou sipaios, titulares, ou não, de Carteira Profission­al de Jornalista, fizessem da imprensa o tapete do poder. Foi, aliás, isso que ensinaram ao MPLA e que este cumpre rigorosame­nte, embora com muito menor delicadeza. Enquanto em Portugal se procura dar a ideia de que a força da razão vale mais do que a razão da força, em Angola o regime não tem esses pruridos. Que o digam, por exemplo e entre outros, William Tonet e Rafael Marques. Em Portugal existe, contudo, mais escolhas. Os mercenário­s, chefes de posto ou sipaios sempre podem escolher ser às segundas, quartas e sextas do PS; às terças, quintas e sábados do PSD (ao domingo poderão ser do CDS, BE ou PCP). Mas, por cá, a escolha não é “tão” diversific­ada. Têm de ser, todos os dias, do MPLA. Assim, MPLA, PS e PSD, conseguem sempre e sem grande esforço e em muitos casos apenas por um prato de lentilhas, transforma­r jornalista­s em criados de luxo do poder vigente.

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HISTÓRICO DO PARTIDO SOCIALISTA PORTUGUÊS, ALMEIDA SANTOS

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