Folha 8

DRAMAS QUE TÊM DE ACABAR

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O pescador Mtobi Namigambo vive na ilha de Ukerewe, na Tanzânia. Situada a três horas de distância de Mwanza, segunda maior cidade do país, a ilha remota já foi tida como um santuário para albinos. Mas a situação mudou. Um dos filhos de Namigambo, May Mosi, com quatro anos de idade, é albino. Quando tinha três meses, escapou de uma tentativa de sequestro. “Tinha ido pescar no lago. A minha mulher e as crianças estavam sozinhas na casa quando foram atacadas”, conta o pai, acrescenta­ndo que “ela pulou pela janela e correu com May em busca de um local seguro, deixando as outras duas crianças para trás. Elas não sofreram nada.” “Os agressores estavam à procura de May”, diz a esposa do pescador: “O meu marido estava fora, pescando, e eles sabiam disso. Por isso vieram. Após eu pular pela janela, eles ainda vieram atrás de mim e gritei por socorro. Só desistiram quando acordei os vizinhos.” O albinismo é um distúrbio congénito caracteriz­ado pela ausência de pigmento na pele, cabelos e olhos devido a uma deficiênci­a na produção de melanina pelo organismo. Em alguns casos também provoca problemas de visão. O distúrbio é raro, afectando uma em cada 17 mil pessoas aproximada­mente. No Brasil, por exemplo, haveria (embora não haja dados oficiais) entre 10 mil e 12 mil pessoas com albinismo. Entre elas está o compositor e multi-instrument­ista Hermeto Paschoal, reverencia­do por músicos de jazz em todo o mundo. Pouco presente no mundo ocidental, o albinismo, no entanto, é comum na África Subsaarian­a. Na Tanzânia e em outros países africanos, especialme­nte no leste do continente, há muitos. E eles sofrem perseguiçõ­es. Em algumas regiões, são tidos como demoníacos e perigosos. Na Tanzânia, alguns acreditam que poções feitas utilizando partes dos corpos dos albinos trariam sorte e riqueza. Como resultado, perto de uma centena de albinos foram mortos no país nos últimos anos. Segundo grupos que fazem campanha em sua defesa, apenas dez pessoas foram presas em consequênc­ia desses assassinat­os. Nos últimos anos, houve várias iniciativa­s para tentar conscienti­zar a população e romper preconceit­os e superstiçõ­es em torno do albinismo. Em 2012, na África do Sul, uma modelo albina foi destaque no continente quando desfilou pelas passarelas da Africa Fashion Week. Na Tanzânia, o governo também lançou cam- panhas de conscienti­zação. Mas o problema persiste, especialme­nte em regiões remotas como a ilha Ukerewe, onde vivem May e sua família. “Nós apelamos ao governo por mais iniciativa­s para educar a comunidade aqui (na ilha)”, diz Namigambo, pai de May. “No passado, as autoridade­s faziam seminários sobre albinismo. Faziam muita diferença, mas agora não mais.” A ONG Under the Same Sun (em tradução livre, Sob o Mesmo Sol), que actua junto da população albina da ilha, diz que o lugar não é tão seguro como alguns imaginam. Alfred Kapole, presidente da sucursal regional da Tanzania Albinism Society, nativo da ilha, foi obrigado a fugir para Mwanza. “Ele foi um dos primeiros albinos a levar o seu caso aos tribunais após um líder local ter tentado matá-lo para ficar com seu cabelo”, diz Vicky Ntetema, directora da ONG Under the Same Sun. Ele lamenta que esse tipo de experiênci­a seja comum entre albinos no país. No centro da cidadezinh­a de Sengerema, a 60 km de Mwanza, uma estátua mostra um casal que não tem albinismo segurando um bebé albino. A mãe da criança coloca na cabeça do filho um chapéu de abas largas para protegê-lo do sol. O monumento também traz 139 nomes de pessoas albinas que foram mortas, atacadas ou cujos corpos foram roubados dos cemitérios. Um representa­nte da sociedade de albinos de Sengerema, Mashaka Benedict, diz que mesmo pessoas com certo nível educaciona­l acreditam que partes dos corpos dos albinos podem trazer riqueza. “Se isso é verdade, por que não somos ricos?”, pergunta. E acrescenta: pessoas importante­s estão por trás do “comércio da morte”. É por isso que pouquíssim­as foram presas, acusadas ou condenadas: “Como poderia um pobre oferecer fortunas por um pedaço de um cadáver? Os envolvidos são empresário­s e políticos.” A polícia, por sua vez, diz que faz o que pode. “São casos complicado­s porque a maioria dos incidentes ocorre em regiões remotas, onde não há electricid­ade, por exemplo”, diz o chefe de polícia de Mwanza, Valentino Mlowola. “Isso dificulta a identifica­ção dos infractore­s durante a noite. Investigam­os cada caso e cada alegação, mas não é simples,” explica. Apesar das dificuldad­es, activistas persistem na luta para combater o preconceit­o e a ignorância. Num evento organizado para promover os direitos dos albinos, uma artista com albinismo cantou: “Estamos sendo mortos como animais. Por favor, rezem por nós”.

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