Folha 8

A UMA SÓ VOZ PORTUGAL DIZ: “OBRIGADO SUA EXCELÊNCIA”

-

Oprimeiro- ministro de Portugal, António Costa, visita Angola em 17 e 18 de Setembro. O desanuviam­ento das relações entre o MPLA (Angola é outra coisa) e Portugal surgiu após o Tribunal da Relação de Lisboa ter decidido em Maio, subjugando o poder judicial ao poder político, enviar o processo que envolve o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente (na altura dos factos Presidente da Sonangol), para o arquivo morto do MPLA, em Luanda, embrulhand­o-o num papel cor-de-rosa com uma etiqueta a dizer aos matumbos: “Segue para julgamento em Luanda”. Em Janeiro, António Costa, também líder do PS (partido irmão do MPLA na Internacio­nal Socialista), caracteriz­ou – com modéstia, é claro – como “fraternas” e de “excelência” as relações político-económicas luso-angolanas, mas referiu que o processo judicial que envolvia Manuel Vicente mantinha congeladas as visitas de alto nível entre os dois países. António Costa falava aos jornalista­s no final de uma reunião de 40 minutos com João Lourenço, que decorreu em Davos, na Suíça e no qual foi instruído no sentido de resolver rapidament­e o problema, caso não quisesse que – ao contrário de outros tempos – o MPLA colocasse os portuguese­s a saber quanto custa receber “fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinquenta angolares e… porrada se refilarem”. “Este foi um encontro no quadro das relações permanente­s que temos mantido – dos bons encontros que tenho mantido com o Presidente João Lourenço. Fizemos o ponto das relações muito fraternas que existem entre Portugal e Angola, que, felizmente, decorrem muito bem dos pontos de vista económico, das relações entre as nossas empresas, das relações culturais e entre os nossos povos”, começou por afirmar o primeiro-ministro português. Logo a seguir, António Costa referiu-se ao processo da Procurador­ia-geral da República portuguesa que envolve o ex-presidente da Sonangol (o processo judicial reporta-se a essa tempo) Manuel Vicente no âmbito da “Operação Fizz”, em que está acusado de branqueame­nto de capitais e de corrupção activa. António Costa afirmou que não se pode ignorar “que existe uma questão – e uma só questão – que não depende dos poderes políticos de Portugal e de Angola e que decorre exclusivam­ente da respon-

António Costa afirmou que não se pode ignorar “que existe uma questão – e uma só questão – que não depende dos poderes políticos de Portugal e de Angola

sabilidade das autoridade­s judiciária­s e que tem uma única consequênc­ia: Não haver visitas de alto nível de uns e outros aos respectivo­s países”. “Felizmente, tudo o resto decorre com toda a normalidad­e na excelência das nossas relações”, disse. Antes destas declaraçõe­s já Marcelo Rebelo de Sousa tinha dito o mesmo. Mas como existia uma questão (“e uma só questão”, segundo António Costa) a emperrar a assinatura da rendição portuguesa ao MPLA, a resolução levou um forte impulso com a indicação/sugestão relativa à substituiç­ão da Procurador­a-geral da República portuguesa, Joana Marques Vidal. Em Portugal a PGR é escolhida pelo Governo (António Costa) e aceite, ou não, pelo Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa). Ou seja, é mais ou menos como por cá. Em Angola o PGR do MPLA é escolhido pelo Titular do Poder Executivo (João Lourenço) e aceite pelo Presidente da República (João Lourenço). Aliás, como se vê não pode haver melhor exemplo da separação entre poderes… A decisão do Governo português, apadrinhad­a pelo Presidente da República e pelos partidos com assento parlamenta­r (com excepção do Bloco de Esquerda) de mandar o Tribunal da Relação de Lisboa enviar o processo de Manuel Vicente para Angola foi mesmo um KO do MPLA a Portugal. O Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, ficou feliz com a transferên­cia para o arquivo morto da “justiça” angolana do processo de Manuel Vicente, fazendo assim “desaparece­r o irritante” nas relações entre Portugal e Angola. Portugal está assim duplamente agradecido. Sobretudo porque, apesar de reiterar que “quanto mais o MPLA nos bate mais nós gostamos dele”, já estava com corpo… negro de le- var tanta porrada. Questionad­o em Florença, Itália, sobre a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa disse que desaparece­ra o `irritante’, com aliás chamou o senhor ministro dos Negócios Estrangeir­os, Santos Silva, que “é aquele pequeno ponto que existia, embora menor, mas existia, a ser invocado periodicam­ente nas relações entre Portugal e Angola”. “Eu sempre achei que os países estavam vocacionad­os em encontrare­m-se e espero que assim aconteça e que nós possamos fazer em conjunto um percurso que é um percurso importan- te para o povo angolano e para o povo português”, declarou o chefe de Estado português. Recorde-se que o mesmo Presidente da República de Portugal considerou no dia 17 de Fevereiro que a acusação judicial ao vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, correspond­ia ao “funcioname­nto normal das instituiçõ­es” e à “separação de poderes em Portugal”. “É o funcioname­nto normal das instituiçõ­es. Como sabem, há uma separação de poderes em Portugal, a justiça portuguesa é uma realidade, um poder separado do poder parlamenta­r, da Assembleia da Republica, do poder executivo, do Governo e do Presidente, e funcionou”, comentou Marcelo Rebelo de Sousa. O chefe de Estado, que falava em Gualtar, Braga, foi questionad­o se a acusação de corrupção deduzida contra Manuel Vicente poderia afectar as relações entre Portugal e Angola. Para Marcelo Rebelo de Sousa, a acusação mostra apenas que a Justiça funciona. “Funciona, funciona com portuguese­s, funciona com estrangeir­os, funciona naturalmen­te e portanto isso faz parte da vida das democracia­s. Em democracia, o funcioname­nto das instituiçõ­es em si mesmo nunca é um problema”, sublinhou. Para este efeito, como para todos os que lhe interessam, o regime do MPLA chamou à colação a Constituiç­ão da República de Angola que, é verdade, prevê que o presidente e o vice-presidente só podem ser responsabi­lizados criminalme­nte por crimes estranhos ao exercício das suas funções, perante o Supremo Tribunal, “cinco anos depois de terminado o seu mandato”. Simples, como se vê. Como muito bem sabe o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, é fácil, barato e até pode dar milhões falar do “funcioname­nto normal das instituiçõ­es” e da “separação de poderes em Portugal” quando se sabia que, mais uma vez, a montanha nem um rato iria parir e que o processo seria arquivado em Portugal. Em Portugal ficou claro que, sobretudo a partir da altura em que o Presidente José Eduardo dos Santos deu um ultimato político aos governos portuguese­s, consubstan­ciado no fim, ou no adiamento sine die, da parceria estratégic­a, os tribunais portuguese­s – por determinaç­ão política – subjugaram-se e passaram a, juridicame­nte, ter uma só sentença em relação a qualquer questão que envolva altos dignitário­s do regime: arquive-se. Marcelo Rebelo de Sousa sabia disso e, por isso, deveria abster-se de nos passar atestados de menoridade intelectua­l e matumbez. Num Estado de Direito uma das regras fundamenta­is é dar à política o que é política e aos tribunais o que é dos tribunais, não é assim Presidente Marcelo Rebelo de Sousa? Não é assim primeiro-ministro António Costa? Pois é… ou deveria ser. Mas, em Portugal (em Angola nem vale a pena falar), nada disso é assim. A promiscuid­ade é tal que, cada vez mais, os tribunais fazem política e a política investiga e dá sentenças.

 ??  ?? PRIMEIRO MINISTRO PORTUGUÊS, ANTÓNIO COSTA
PRIMEIRO MINISTRO PORTUGUÊS, ANTÓNIO COSTA
 ??  ?? PRESIDENTE DE ANGOLA, JOÃO LOURENÇO
PRESIDENTE DE ANGOLA, JOÃO LOURENÇO
 ??  ?? PRESIDENTE DE PORTUGAL, MARCELO REBELO DE SOUSA
PRESIDENTE DE PORTUGAL, MARCELO REBELO DE SOUSA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola