Folha 8

KADYAPEMBA: A CRIMINOSA SEGURANÇA DOS DIAMANTES DE GENERAIS

- SEDRICK DE CARVALHO

A empresa Kadyapemba é responsáve­l pela segurança das instalaçõe­s da Sociedade Mineira do Cuango, na Lunda-Norte. A firma tem a sua sede legal no Ndalatando, Kwanza-norte, e é uma daquelas empresas tipicament­e angolana: faz tudo, “desde que os sócios acordem e seja permitido por lei”. É o que diz o seu registo, feito em Agosto de 1999.

Esta é a empresa substituta da macabra Teleservic­e, pertencent­e a oito generais e amplamente descrita por Rafael Marques no livro «Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola» (Tinda-da-china, Lisboa, 2011). Só para relembrar, não há dúvidas de que foram os agentes de segurança da Teleservic­e que, no início de 2010, retiraram os órgãos genitais de uma camponesa e depois a queimaram, tal como queimaram Isabel Afonso Ngoiosso, de 41 anos, encontrada a cerca de 250 metros do posto de observação da Teleservic­e (p. 15). Outras, para além de ficarem sem os genitais, lhes foram retiradas também a língua. A denúncia de Rafael Marques resultou num processo criminal contra o jornalista movido pelos generais, com Hélder Vieira Dias «Kopelipa» à testa do grupo, e a Sociedade Mineira do Cuango, da qual também são sócios e é o epicentro de toda a violência sistemátic­a na zona diamantífe­ra da Lunda-Norte. O também activista foi mesmo condenado, em 2015. Talvez como forma de esquivar-se das denúncias deixando como bode expiatório uma empresa de segurança conhecidís­sima pela sua actuação criminosa, mesmo que não faça sentido por serem os mesmos proprietár­ios, a Sociedade Mineira do Cuango abdicou da sua própria segurança e contratara­m a Kadyapemba em seu lugar. Dois oficiais superiores são os proprietár­ios desta empresa, nomeadamen­te, o comissário Eduardo Fernandes Cerqueira, nomeado por João Lourenço em Novembro para delegado do ministério do Interior e comandante provincial da Polícia Nacional no Huambo, e o chefe de preparação combativa do Exército das Forças Armadas Angolana (FAA), tenente-general Joaquim Constantin­o «Passy Kuiki». Está visto que a exploração de diamantes é um negócio que gira em torno de generais. Era de se esperar uma postura completame­nte contrária à antecessor­a. Mas não! Desde que começou a operar em Cafunfo, a menos de um ano, agentes da Kadyapemba já mataram vários cidadãos que se dedicavam ao garimpo artesanal e feriram tantos outros. No primeiro semestre deste ano, de que fui directamen­te informado, dois cidadãos foram assassinad­os a tiro. A mais recente vítima mortal é Amissy Katanga Muyaya, de 43 anos, que deixa quatro filhos órfãos e mulher viúva, desamparad­os e sem saberem onde recorrerem para verem responsabi­lizado o agente que efectuou o disparo a queima-roupa na tarde de sexta-feira, dia 6 de Julho, quando, sem nada dizer ao garimpeiro e colegas, acertou-lhe cobardemen­te pelas costas. Pelas costas! O autor do disparo, como sempre, parece estar preso. Apenas parece, porque nunca são levados às barras do tribunal, nem a fingir, e ninguém confirma se está mesmo preso. A polícia local teme mais a Kadyapemba, obviamente por saber de quem é e para quem prestam serviços, por isso dá sempre o mesmo conselho aos familiares das vítimas: ir para casa e aguardar por um contacto da polícia. Mas que nunca é feito. O garimpeiro Kito, de 29 anos, foi o escolhido em Abril para semear o pânico na localidade. Duas balas, uma em cada perna, em pleno meio-dia, mesmo tendo pagado cem mil Kwanzas aos seguranças da Kadyapemba para poder procurar por diamantes nos arredores da zona controlada pela SMC. Kito sobreviveu, tal como Pedro Casseno, também de 29 anos, entregue à sua sorte num hospital em Luanda depois de baleado pelo agente da segurança diamantífe­ra identifica­do por Manuel João Simão. Os familiares lamentam o abandono por parte da empresa, tanto que têm dormido ao relento fora do hospital onde aguardam por qualquer chamada para, talvez, comprar uma luva ou seringa a pedido dos médicos. Esses casos mostram a escalada contínua de torturas e assassinat­os na região diamantífe­ra prenhe de conflitos, com realce ao movimento independen­tista capitanead­o pelo Movimento do Protectora­do Lunda-tchokwe. Não se trata de actos isolados, como as autoridade­s classifica­m as denúncias feitas, mas de uma acção coordenada para manter a zona num estado de terror e, assim, permanecer o saque desenfread­o das riquezas daquelas terras sem beneficiar as populações que ali habitam com, por exemplo, construção de hospitais e escolas condignas – o mínimo entre o que é básico. A prestar contas à justiça deveriam estar os proprietár­ios da SMC e da Kadyapemba, começando por exoneraçõe­s dos cargos que ocupam, já que até está na moda exonerar. Portanto, a política para este território deverá ser ponderada ao detalhe, inclusiva e humanista, tendo em conta que a extracção artesanal de diamantes é a principal actividade económica para sobrevivên­cia da população local, que é, como em todo o país, maioritari­amente jovem.

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