Folha 8

O MOMENTO DE ASCENSÃO NA QUEDA DE UM POLÍTICO

- SEDRICK DE CARVALHO

Ofinal de um mandato em cargo público não deve representa­r, directamen­te, o termo da prestação de serviço público do indivíduo, comum em muitos países, principalm­ente se o final não for por motivação voluntária ou em cumpriment­o de prazo legal, mas por pressão externa ou interna. De Espanha vem-nos um exemplo de como é possível ascender moralmente no momento da queda, ainda mais quando escandalos­a. Mariano Rajoy, que se tornou persona non grata para muitos no final do seu mandato, para além de cair com o governo do qual era primeiro-ministro, abdicou sensatamen­te da presidênci­a do Partido Popular (PP). Outro feito. Não lhe bastou a renúncia à liderança, pois também renunciou o cargo de deputado ao Congresso – o parlamento espanhol. Também se fala que não usufruirá do seu direito de estar no Conselho de Estado. Rajoy deixou o governo com a imagem completame­nte chamuscada, envolvido em escândalos de corrupção e que, provavelme­nte, ainda o farão sentar no banco dos réus para esclarecim­entos e, se provadas as acusações, respectiva punição. Depois de tantas decisões inesperada­s após a forçada demissão do governo, despoletad­a por uma moção de censura levada a cabo pelo Partido Socialista Espanhol (PSOE), Mariano Rajoy pediu para voltar ao seu antigo trabalho de conservado­r do registo de propriedad­e. E voltou! Surpreende­u e saltou logo para as capas dos jornais espanhóis, tendo o El País, o periódico de maior tiragem, referido que o ex-chefe de governo passou do tudo ao nada em menos de um mês. Ora, creio ser errada esta percepção de tudo e nada. O comum, ao fim de mandato, é não vermos ou sabermos o trabalho dos ex-governante­s, como vários antigos ministros e governador­es provinciai­s angolanos, e quando se dá o contrário estão em empresas privadas milionária­s que beneficiar­am, quase sempre ilegalment­e, dos cofres públicos ou comunitári­os com aprovações feitas pelo novo membro. Esta última variante veri- fica-se imenso na Europa, e, como exemplo, aponto o caso de Durão Barroso quando deixou a presidênci­a da Comissão Europeia e assumiu o cargo de chairman do agressivo banco Goldman Sachs. Por não ser comum, o pedido de Mariano Rajoy para regressar ao antigo posto de trabalho espantou até os jornalista­s, e daí a infeliz expressão “passou do tudo ao nada”, uma forma de dizer ao ex-primeiro-ministro espanhol que ele está a ser imbecil por não entrar num banco do tipo Goldman Sachs. Nesses tempos que correm, onde a política está para servir-se e não para servir, Rajoy está a ser politicame­nte incorrecto para a real politik. Mas Rajoy ganha imenso no seu declínio político com esse gesto, inclusive a minha admiração, depois de sete anos de administra­ção desastrosa. Estando em óptimas condições de saúde e em idade activa, é natural que ele volte ao posto de trabalho que ocupava. São poucos os indivíduos que, em Angola, chegam aos cargos no governo por competênci­a técnica. A militância partidária está acima do conhecimen­to técnico, ou seja, tem de ser militante profission­al. E para esse militante fim de mandato significa ruína financeira, daí que não encara os prazos legais de exercício de um cargo como o seu horizonte temporal de trabalho. Ficar eternament­e é o que lhe convém, só mudando se for para uma posição hierarquic­amente superior. Por ser competente na repetição dos discursos do partido e uso de utensílios propagandí­sticos – camisolas, chapéus, lapelas, etc. -, e estando consciente de que a sua salvação financeira reside nesta militância, o militante descura o conhecimen­to técnico, o trabalho árduo, à espera duma nomeação. Quando exonerado, acto positivo que virou moda e hoje quase todos estão certos de que podem ser exonerados pelo exonerador a qualquer instante, o sujeito deveria voltar ao anterior posto de trabalho – professor, gestora, médico, jornalista, etc.. Entre jornalista­s é difícil lembrar algum que tenha voltado a exercer a profissão depois da passagem por um cargo na governação, e vários colegas passaram pelos CDIS dos governos provinciai­s. Reconheço acima que a exoneração é um acto positivo, não sendo comum a auto-demissão, pois espera-se que os governante­s se empenhem no trabalho em prol dos governados para que não sejam os próximos a serem exonerados. Mas o efeito das exoneraçõe­s tem sido negativo pois, em seguida, o exonerado é recolocado noutra dependênci­a estatal, como em embaixadas, onde passam a gozar do que considero férias pagas com dinheiro público. Deste jeito, não se dá a ascensão no momento da queda, que passaria por reavaliar a sua prestação. E o retorno ao anterior posto de trabalho acaba por ser terapêutic­o, dando uma oportunida­de ao ex-governante para perceber os efeitos do seu trabalho na base, percebendo os pontos em que acertou ou errou ao longo da sua administra­ção, e as críticas positivas e negativas directas são o barómetro ideal. Não se trata de sair do tudo para o nada. É apenas de governante a governado, povo, que é o que todos somos antes de tudo. Ou deveria ser. E o povo é o detentor do principal poder. Quando esse exercício inverso começar a ser feito com regularida­de em Angola a relação servidor-utente vai melhor significat­ivamente. E o outrora governante será admirado, tal como Mariano Rajoy. Pena ter chegado atrasado logo no seu primeiro dia de regresso ao trabalho.

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