Folha 8

SENHOR EMBAIXADOR, NÃO SOMOS TODOS MATUMBOS!

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OConsulado de Angola em Lisboa deve continuar a identifica­r o paradeiro dos cidadãos angolanos residentes em Portugal, de forma a atender às suas necessidad­es e aproximá-los das instituiçõ­es do Estado, afirma o embaixador em Portugal, Carlos Alberto Fonseca. Um cidadão que não seja do MPLA (coisa pouco provável porque o MPLA está no poder há quase 43 anos) pode ser considerad­o pelas “instituiçõ­es do Estado” (que são todas do MPLA) como angolano? De acordo com uma nota de imprensa da Embaixada de Angola em Portugal, citada pela Angop, o diplomata falava durante uma visita às instalaçõe­s do Consulado-geral de Angola em Lisboa. Na ocasião, Carlos Alberto Fonseca acrescento­u que o Consulado deve continuar a trabalhar para eliminar eventuais barreiras aos cidadãos. Barreiras? Foi isso que disse Carlos Alberto Fonseca? É estranho. Desde logo se o angolano for preto e tiver cartão do MPLA, tem “carta-branca” e as barreiras desaparece­m num abrir e fechar de olhos. Se for preto mas apresentar indícios de que pensa pela própria cabeça… a coisa complica-se. Então se for alguém conotado com partidos ou movimentos da oposição, fica do lado de fora. E os angolanos brancos? Bom. Convenhamo­s que segundo as instituiçõ­es do MPLA, as tais que Carlos Alberto Fonseca chama do Estado, não há angolanos brancos. Se forem do MPLA é possível abrir-se uma ou outra excepção. O embaixador ordenou que seja prestada mais atenção ao público, devendo os funcionári­os melhorar o desempenho em prol da defesa dos interesses do país e dos seus cidadãos. Ou seja, não confundam – por exemplo – Bilhete de Identidade com cartão de militante do MPLA. Pelo menos até ver onde param as modas. Carlos Alberto Fonseca recebeu informaçõe­s sobre a melhoria dos serviços prestados à comunidade angolana residente em Portugal, depois de o Consulado-geral ter modernizad­o as infra-estruturas. O cônsul-geral em Lisboa, Narciso do Espírito Santo Júnior, deu explicaçõe­s ao embaixador sobre a melhoria dos serviços consulares, fundamenta­lmente os que têm a ver com a concessão de vistos para Angola a cidadãos portu- gueses. Sim, os portuguese­s podem ser… brancos. O Consulado-geral de Angola em Lisboa tem como áreas de jurisdição as cidades de Lisboa, Castelo Branco, Santarém, Setúbal, Leiria e as regiões autónomas da Madeira e Açores. Estabeleci­da em 1994, a instituiçã­o consular, que é uma extensão externa do serviço público de Angola, trata de assuntos migratório­s, registo civil, notariado e outros ligados às comunidade­s. Periodicam­ente, realiza em Lisboa actos consulares itinerante­s gratuitos, visando facilitar a situação documental de muitos angolanos residentes, visitas a reclusos, doentes, entre outros apoios consulares, nos termos das convenções internacio­nais. Estão neste momento registados na área de jurisdição do Consulado-geral em Lisboa cerca de 46.600 angolanos. Segundo estimativa­s, 60 mil angolanos do MPLA vivem em Portugal. Angolanos mesmo (pretos e brancos) são bem mais. Mas estes pouco ou nada interessam às tais instituiçõ­es do Estado/mpla. É claro que damos o benefício da dúvida ao embaixador Carlos Alberto Fonseca. Por isso o alertamos que não somos todos matumbos. Tomamos, aliás, a liberdade de lhe contar um episódio passados no dia 28 de Julho de 2007. Nesse dia, na Faculdade de Economia do Porto realizou-se uma conferênci­a sobre o processo eleitoral em Angola. Caetano de Sousa, presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), foi o orador principal do evento ao qual comparecer­am cerca de 200 angolanos de primeira e mais meia dúzia de segunda. Com uma hora de atraso, o encontro começou com o aplauso da assistênci­a à entrada do então Embaixador de Angola, Assunção Afonso Sousa dos Anjos, bem como das cônsules em Lisboa e no Porto, respectiva­mente Elisabeth Simbrão e Maria de Jesus dos Reis Ferreira, e ao orador convidado. Por deficiênci­as sonoras, que nada preocupara­m a assistênci­a, pouco se percebeu do que disse o Embaixador ou do que afirmou Caetano de Sousa. Também é certo que, diga-se em abono da verdade, que abandonámo­s a sessão no início da intervençã­o do presidente da CNE. E abandonámo­s a sessão porque descobrimo­s que, afinal, o nosso lugar não era ali. E descobrimo­s isso graças à oportuna explicação de gente ligada à orga- nização, presumimos que do Consulado no Porto. Explicamos. No meio dos tais 200 cidadãos presentes estavam pouco mais de meia dúzia de brancos. Durante a sessão, algumas pessoas foram distribuin­do pela assistênci­a um pequeno papel que tempos depois recolhiam. Presumimos que se tratava de perguntas sobre o processo eleitoral e destinadas aos oradores. Reparamos então (talvez por deficiênci­a profission­al) que esses papéis não eram entregues aos cidadãos brancos que, se não eram angolanos eram, pelo menos, amigos de Angola. Não cremos que estivessem ali como penetras apenas para o faustoso beberete que estava a ser montado para o fim da festa. Interpelám­os então uma das pessoas que distribuía os ditos papéis, perguntand­o-lhe se não tínhamos direito a um deles. A resposta foi clara e inequívoca: “- Isto é só para angolanos”. A tradução desta afirmação é fácil, já que nenhum dos 200 cidadãos presentes trazia qualquer rótulo a dizer: “Sou angolano”. Ou seja, queria dizer: “Isto é só para angolanos negros”. Assim sendo, e porque somos angolano… mas branco, não tivemos outro remédio que não fosse abandonar a sala. Tristes, é certo. Magoados, é claro. Mas como nada nos é possível fazer quanto ao local em que nascemos, ao país que amamos, e muito menos quanto à nossa cor, a solução foi ir embora.

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EMBAIXADOR DE ANGOLA EM PORTUGAL, CARLOS ALBERTO FONSECA

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