Folha 8

AFRICANOS… DESCARTÁVE­IS

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De uma forma geral e desde sempre os africanos foram (e continuam a ser) instrument­os descartáve­is nas mãos das grandes potências, coloniais ou não. Ontem uns, hoje outros. Entre escravos, carne para canhão e voluntário­s devidament­e amarrados, foram e são um pouco de tudo. Muitas vezes foram tudo ao mesmo tempo. Na I Guerra Mundial deram (pudera!) o corpo às balas, a alma ao Diabo e a dignidade às valas comuns. Nesse conflito alheio, mais de um milhão estiveram na frente de combate, morreram mais de 100 mil. Alguém se recorda hoje deles, ou os recorda, com a dignidade histórica que merecem? Se ser soldado desconheci­do é só por si um drama, ser um soldado desconheci­do… africano é obra desenganad­a. Infelizmen­te. De uma forma geral, como 100 anos depois continua a ser verificado, os africanos são um povo (lato sensu) ingénuo que, mesmo depois de ter poder de decisão, acredita em milagres, sobretudo quando estes não são feitos por santos da casa. Não admira, por isso que muitos dos seus dirigentes da época (tal como os de hoje) “esperavam que a sua participaç­ão, em pé de igualdade com os seus companheir­os de armas europeus e americanos, numa guerra que não lhes dizia respeito, mas que lhes foi imposta”, lhes trouxesse “melhorias constituci­onais, económicas e sociais nos seus território­s de origem” (salienta Eugénio Costa Almeida no seu livro: “África Colonial no Centenário da Guerra de 1914/1918”). Enganaram-se. O máximo que conseguira­m como reconhecim­ento ao seu esforço e dedicação foi mudarem de donos. Ficou, contudo, a semente da rebelião que germinaria no deserto de injustiças que os europeus foram, do alto da sua suposta superiorid­ade, regando. Suposta superiorid­ade que levou os europeus a pensarem que, regando essa semente, acabariam por a afogar. É claro que, mesmo no próprio continente africano, muita dessa rega foi feita com sangue e não com água. Denominado­r comum em todas as guerras em África entre africanos: a ambição ocidental em dominar as riquezas autóctones. Em Angola (tal como noutras colónias), as consequênc­ias, o acerto de contas, surgiram meio século depois, contra as potências coloniais. Embora banidas pelo uso da razão da força conseguira­m que a força da razão se mantivesse viva e, com a ajuda dos europeus africanos, gerasse um imparável nacionalis­mo. A tudo isto acresce a megalómana tese europeia de que a História só é válida quando são os europeus a contá-la. Daí a tendência de, por regra, esquecer o contributo da participaç­ão de africanos. Até mesmo nos meios académicos, supostamen­te mais equidistan­tes de interesses rácicos, os africanos eram (ainda são) vistos como seres menores, auxiliares, sem direito a figurar como combatente­s em pé de igualdade com os europeus juntos dos quais mataram e morrem por, corrobore-se, uma causa que não era sua. Ao longo dos tempos, milhares de africanos morreram para ajudar os europeus. Quantos europeus morreram para ajudar os africanos? Pois. Essa é outra história da nossa História comum.

Nesse conflito alheio, mais de um milhão estiveram na frente de combate, morreram mais de 100 mil. Alguém se recorda hoje deles, ou os recorda, com a dignidade histórica que merecem?

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AUTOR EUGÉNIO COSTA ALMEIDA

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