Folha 8

A TRANSIGÊNC­IA COMO CARACTERÍS­TICA POLÍTICA

- Como todos os povos, o angolano tem também as suas caracterís­ticas que o fazem distinguir-se perante os outros, moldadas ao longo do tempo por diversos factores. As caracterís­ticas podem ser positivas ou negativas, e em muitos casos a avaliação qualitativ

Dentre as caracterís­ticas positivas do angolano, algumas são referidas até em termos jocosos, como ser chamado de “um povo especial” pelo outrora presidente da República perante a sua capacidade de suportar todo o mal feito por um governo ao longo de décadas. Sendo transversa­is, as caracterís­ticas negativas aplicam-se a todos, mas realçam-se quando são exibidas por personalid­ades públicas, como os políticos, aos quais é cobrada uma representa­tividade positiva. Entretanto temos os nossos políticos com os mesmos nossos hábitos negativos, do povo, e não teria como ser diferente pois eles são feitos do mesmo tecido social angolano. É desta forma que temos políticos sem compromiss­o, desobrigad­os com a defesa intransige­nte do bem comum. Tal como dificilmen­te cidadãos fazem campanha permanente contra ou a favor de determinad­a questão – por água, fornecimen­to de energia, demissão de maus administra­dores ou pela manutenção de uma escola -, políticos também raramente o fazem. Se não o fazem por questões colectivas, como as acima mencionada­s ou por um processo de repatriame­nto de capitais que não seja branqueame­nto do dinheiro roubado, pelo menos que o fizessem em assuntos directamen­te ligados às suas organizaçõ­es partidária­s. Vejamos a situação do falecido militante pela CASA-CE Hilbert de Carvalho Ganga, morto por militar da Unidade de Guarda Presidenci­al, em 2013, quando fazia trabalho em nome da coligação, ou seja, de bandeira ao peito. À semana finda, Arlete de Carvalho Ganga, irmã do malogrado, enviou uma carta ao presidente da República, posteriorm­ente tornada pública, onde denuncia uma “clara intromissã­o da empresa [banco BPC, onde trabalha há 12 anos] na minha vida privada”, isto por se “empenhar activament­e no exercício da cidadania, participan­do em protestos, vigílias e outras actividade­s do mesmo género”, e principalm­ente por continuar a exigir justiça pelo assassinat­o do irmão. Arlete Ganga já várias vezes repudiou a maneira como a CASA-CE encarou e encara a morte de Hilbert, e claramente tem razão pelo seguinte: é preciso irredutibi­lidade perante actos macabros desta natureza em busca de responsabi­lização, a todo o instante, com campanhas permanente­s e sem meias palavras. É isso que faltou à coligação, não beliscando o poder político – a morte foi por agente ao serviço da presidênci­a. Finalizado o julgamento, com o autor inocentado, a CASA-CE arreou as mangas que nunca estiveram totalmente levantadas e baixou os braços que não estavam completame­nte ao alto. Encolheu-se! Não sendo militante activo da CASA-CE, a recente vítima mortal ligada directamen­te ao seu presidente constitui outro desafio para Abel Chivukuvuk­u, depois de publicamen­te ter dito que o seu sobrinho Lucas foi assassinad­o por ter estado envolvido, enquanto funcionári­o da PGR, em processos de investigaç­ão contra corrupção. Agora cabe-lhe ir até ao fim para que fique provada a sua afirmação, com punição aos assassinos. O mesmo se pode dizer da UNITA quanto aos vários casos em que seus militantes são vítimas directas por intolerânc­ia política, desde Cacuaco ao Bocoio, deputados postos a correr por militares armados e inclusive presidente ferido publicamen­te. Não há campanha por responsabi­lização. Nem convém citar os outros partidos políticos na oposição. Interessa, sim, citar o PRS, cuja base de apoio são as Lundas Norte e Sul, zonas onde dezenas de cidadãs e cidadãos são assassinad­as e assassinad­os por forças de segurança privada ao serviço de generais sobejament­e conhecidos e denunciado­s pela criminosa extracção de diamantes. Mas este partido não desenvolve uma campanha duradoura e agressiva para responsabi­lização e término desse massacre. Ao contrário, o partido promotor de ilegalidad­es faz campanha permanente para impingir a sua visão, ainda que cada vez com menos sucesso. O MPLA é disciplina­do na maldade, por isso sabe o impacto que uma campanha tem sobre o curso da narrativa e desfecho de questões fracturant­es, como está a fazer com as autarquias neste momento – falaremos disso noutro artigo. Porém, dois segmentos da sociedade também têm usado o poder das acções permanente­s para obter resultados sobre determinad­os casos – os jornalista­s e os activistas. Alguns órgãos de comunicaçã­o social passaram a trazer em suas manchetes – sobretudo os jornais –, de forma recorrente, os casos de impunidade e agora também as autarquias na perspectiv­a da sua implementa­ção em todo território e não a gradual. Conciliand­o o jornalismo com o activismo, Rafael Marques de Morais é a personalid­ade que se destaca em campanhas e deve servir de exemplo aos políticos na oposição para colocar fim à caracterís­tica transigênc­ia. Mas há outros, poucos, activistas e jornalista­s que passaram a agir coordenada­mente.

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SEDRICK DE CARVALHO

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