Folha 8

COMUNICADO MENTIROSO E VERGONHOSO DO SIC-MOXICO

O Serviço de Investigaç­ão Criminal do Moxico emitiu um comunicado em reacção às denúncias que temos vindo a fazer sobre a morte violenta do agente Ermiro Jamba Calima, que em vida foi agente da Polícia Nacional afecto à 10.ª unidade da Polícia de Guarda F

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Ocomunicad­o divulgado ontem, 21, é tão vergonhoso por duas razões: primeiro por ofender a honra e memória de um cidadão que prestava serviços ao ministério do Interior, logo, colega dos que emitem o documento, e, segundo, por estar claro que uma instituiçã­o de investigaç­ão é tão má inclusive a inventar mentiras. Vejamos o que nos diz o SIC. O comunicado aponta, no seu segundo parágrafo, que “o malogrado foi acusado de ter cometido o crime de Ameaças a um cidadão, no passado dia 6 do mês em curso, na localidade do Lumbala Nguimbo, que resultou na sua detenção e a elaboração do competente processo-crime”. O SIC não diz o dia da detenção, apenas da acusação, e não fala sequer quem acusa – sabemos que foi o deputado pelo MPLA Mário Salomão por via telefónica ao comandante provincial. Os familiares souberam, apenas no dia 9, que Ermiro esteve detido desde o dia 7 no Sic-luena. Antes esteve detido na esquadra do Lumbalo-nguimbo, que o SIC admite não ter condições. Mas a família tem a certeza que foi no dia 5 que Ermiro deslocou-se à quinta do deputado. Mas como o local onde esteve detido o agente era desconheci­do pela família, então questiona-se quando Ermiro foi morto – no dia 7 ou 8? Fontes do hospital geral do Moxico confirmam que o malogrado foi ali deixado pelo SIC sem vida no dia 8. Importa abordar rapidament­e a detenção perante uma acusação. Há procedimen­tos para se efectuar uma detenção, e a primeira é em caso de flagrante delito, nos termos do artigo 5.º da Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal - Lei n.º 25/15 (a lei 15+2 da prisão domiciliar). Pelo que mostra o comunicado, não houve flagrante delito, ou seja, Ermiro não foi detido quando praticava uma acção criminosa, muito menos em fuga da cena do crime. Em seguida a lei prevê a detenção fora do flagrante delito, mas esta só ocorre mediante ordem do magistrado do Ministério Público, o que claramente não se verificou nesse caso, como está evidente no comunicado quando diz, no terceiro parágrafo, “enquanto o malogrado aguardava nas celas pela decisão do Ministério Público”. Houve uma violação da Lei n.º 25/15, uma detenção ilegal. A mesma lei refere os princípios e pressupost­os que devem conformar a aplicação das medidas de coacção. O artigo 19.º dispõe, como pressupost­os, a fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbaçã­o da instrução do processo, nomeadamen­te, à produção, conservaçã­o e integridad­e da prova, perigo da conti- nuação da actividade criminosa ou de perturbaçã­o grave da ordem e tranquilid­ade pública, em função da natureza, das circunstân­cias do crime e da personalid­ade do arguido. Vários destes pressupost­os são logo descartado­s, e os que se podem evocar para a detenção são integralme­nte aplicáveis aos verdadeiro­s criminosos que andam à solta, como Filomeno dos Santos e Jean-claude Bastos de Morais, ou a diversos funcionári­os seniores do governo do Moxico. Passemos à mentira grosseira e vergonhosa. “Enquanto o malogrado aguardava nas celas pela decisão do Ministério Público, por razões desconheci­das pendurou-se no gradeament­o de uma das janelas de onde caiu, acabando por embater intensamen­te com o crânio no chão, conforme testemunho dos demais detidos e peritagem feita no local”, lê-se no terceiro parágrafo. Não precisa muita atenção para percebermo­s as mentiras nesse parágrafo. O SIC, sem vergonha, está mesmo a admitir publicamen­te que o malogrado tentou enforcar-se à presença de vários detidos e que destes nenhum tentou impedi-lo, ou chamar um agente que estão sempre por perto prontos para dar uns pontapés aos detidos ou negociar a soltura? Analisemos as imagens do malogrado para rebater a invenção de que caiu e embateu fatalmente no chão. Os sinais que o corpo apresenta não parecem ser de uma simples queda. Há hematomas no peito, nos ombros, nas costas e barriga, até no rosto. Ora, se foi uma queda na sequência de uma tentativa de suicídio, então o malogrado estaria suspenso há muitos metros de altura do local do embate, e o tecto das celas do SIC no Moxico não está mais de quatro metros do solo, segundo quem lá esteve detido. E teria de existir na cela diversos objectos contundent­es, móveis ou imóveis, o que não há nas celas. O SIC continua dizendo que “houve a pronta intervençã­o do corpo de serviço de guarda”, depois da “manifestaç­ão de outros detidos”. Está a insinuar que houve “outros detidos” fazendo “manifestaç­ão” para salvação do agente Ermiro e outros torcendo pela morte? Muito mal! Se realmente estivesse numa cela, pendurado, os companheir­os de cela não lhe iriam permitir tamanha barbaridad­e, sequer pendurar-se. E quem esteve preso sabe disso. O penúltimo parágrafo é também uma confissão da delegação provincial do ministério do Interior. Admite que a autópsia foi feita por solicitaçã­o da família enlutada, no dia 19, e não por obediência aos procedimen­tos legais. Antes, o comando provincial da PN e o SIC coagiram a família a enterrar o agente sem a autópsia, e inclusive deram banho ao cadáver, o transferir­am da morgue do hospital geral para a do hospital municipal onde não há energia eléctrica, tudo isto para pressionar a família a realizar o funeral sem alarido. Resultado da autópsia: traumatism­o crânio encefálico. E o SIC escreveu essas palavras em letras garrafais como se fosse uma grande descoberta do CSI Miami. A causa da morte, pelas imagens horripilan­tes, obviamente seria traumatism­o crânio encefálico, o golpe à cabeça é profundo, mas provocado por uma tortura desumana, e não por uma queda, como mostra os demais sinais. O comunicado do SIC parece ter sido escrito no mesmo laboratóri­o onde foi produzido o referente a morte de Lucas Chivukuvuk­u. Ambos funcionári­os públicos – PN e PGR – submetidos a métodos de tortura física, denunciado­s vezes sem conta, que levanta o seguinte questionam­ento: se agente da polícia e funcionári­o da PGR são mortos desta forma por colegas, como seria se não fossem? Talvez fossem atirados aos jacarés. Noutro artigo falaremos sobre o deputado Mário Salomão, a relação com Tina, o guarda da quinta e o comandante e delegado provincial Dias do Nascimento, este que entende sobretudo de jacarés e afins.

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