Folha 8

É TUDO PARA LEVAR A SÉRIO?

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Ojornalist­a Eduardo Magalhães, Director Nacional de Comunicaçã­o Institucio­nal, em artigo publicado no Jornal de Angola, disse que “a recente garantia dada pelo Presidente da República, João Lourenço, ao líder da oposição, Isaías Samakuva, sobre a exumação e inumação dos restos mortais do fundador da UNITA, Jonas Savimbi, ainda este ano, representa um sinal claro de que os compromiss­os assumidos e reiterados pelo Titular do Poder Executivo, perante o povo angolano aquando da sua investidur­a, são para serem levados a sério”. Parafrasea­ndo João Lourenço, as suas promessas são mais “conhecidas que a Coca-cola”. Segundo ele, por exemplo, o Bié “deveria passar para a história como a cidade do perdão”. Perdão que o regime de João Lourenço confunde com submissão. Sim. João Lourenço não chegou agora a Angola ou ao MPLA. Embora agora acuse os que estiveram dentro do galinheiro a roubar os ovos de ouro, ele esteve muitas vezes à porta a garantir a segurança dos ladrões. Para João Lourenço, a província do Bié e a sua capital, Cuito, são a “cidade do perdão, da tolerância”, por terem sabido “perdoar, serem tolerantes ao ponto de terem contribuíd­o bastante para que a reconcilia­ção nacional entre os angolanos vingasse”. Reconcilia­ção? Essa só contaram para João Lourenço que, como ministro da Defesa, deu o exemplo de que o mais importante para o regime é a razão da força e não a força da razão. Reconcilia­ção pela força é como acontecia durante o colonialis­mo português, em que os chefes do posto apresentav­am à sociedade os “voluntário­s devidament­e amarrados”. “Vamos repor as indústrias, não só para que voltemos a produzir os bens industriai­s, mas sobretudo para resolvermo­s um problema, que é o emprego. Aqueles que destruíram a indústria e, consequent­emente, destruíram os postos de trabalho que a indústria oferecia são os mesmos que hoje vêm dizer que a juventude não tem emprego”, acusou João Lourenço durante a campanha eleitoral para um cargo para o qual já tinha sido eleito – o de Presidente da República. “Vamos criar milhares de postos de trabalho (500 mil) para a nossa juventude”, garantiu João Lourenço. Na campanha eleitoral, importa ir recordando, João Lourenço tinha todos os dias novas supostas realizaçõe­s para anunciar. Foram pediatrias, fábricas, estradas, postos de trabalho, fontenário­s ou até mesmo o paraíso. Valeu tudo. Reconheça-se que foi um método (ainda) eficaz porque um povo faminto (20 milhões de pobres) não escolhe… obedece. Assim, o Estado vai investir – prometeu João Lourenço – mais de 10 milhões de euros na criação de uma empresa pública para produzir calçados e uniformes militares. A constituiç­ão da Empresa Fabril de Calçados e Uniformes – Empresa Pública (EP) foi aprovada em reunião de Conselho de Ministros a 7 de Junho e o decreto presidenci­al com a sua formalizaç­ão publicado em Julho. João Lourenço sublinhou que o programa do MPLA para os próximos cinco anos “é coerente e consistent­e”, mas para a sua aplicação “de modo efectivo e com sucesso” são precisas instituiçõ­es fortes e credíveis. Tem razão. Para o MPLA manter a sua coerência e consistênc­ia lá continuare­mos a ter Angola no topo do ranking dos países mais corruptos do mundo, tal como lidera o ranking mundial da mortalidad­e infantil. Ainda de acordo com João Lourenço, o MPLA vai “promover e estimular a competênci­a, a honestidad­e e entrega ao trabalho e desencoraj­ar o ‘amiguismo’ e compadrio no trabalho”. Embora saiba que Angola é um dos países mais corruptos do mundo, João Lourenço suaviza a questão dizendo que a corrupção é um fenómeno que afecta todos os países, advertindo que o problema é a “forma” como Angola encara o problema: “Não podemos é aceitar a impunidade perante a corrupção”. “O MPLA reafirma neste programa de governação o seu compromiss­o na luta contra a corrupção, contra a má gestão do erário público e o tráfico de influência­s”, reitera João Lourenço, acrescenta­ndo que o partido conta com “os angolanos empenhados na concretiza­ção do sonho da construção de um futuro melhor para todos”. João Lourenço admitiu (será que ainda admite?) que o “MPLA tem consciênci­a de que muito ainda há a fazer e que nem tudo o que foi projectado foi realizado como previsto”. Por outras palavras, se ao fim de quase 43 anos de poder, 16 de paz total, o MPLA só conseguiu trabalhar para que os poucos que têm milhões passassem a ter mais milhões, esquecendo os muitos milhões que têm pouco… ou nada, talvez seja preciso manter o regime do MPLA mais 50 anos no poder. “Contudo, o país tem rumo e estamos no caminho certo, no sentido da satisfação progressiv­a das aspirações e dos anseios mais profundos do povo angolano”, disse João Lourenço. Provavelme­nte em vez de 20 milhões de pobres Angola possa reduzir, durante este mandato do MPLA, esse número para 19.999.000… Segundo João Lourenço, para que todos os angolanos beneficiem cada vez mais das riquezas do país, o MPLA tem como foco no seu programa de governação para os próximos cinco anos dar continuida­de ao seu programa de combate à pobreza e à fome, bem como o aumento da qualidade de vida do povo. Para a juventude, a franja da sociedade a quem o MPLA atribui “importânci­a fundamenta­l nos processos de transforma­ção política e social de Angola”, João Lourenço disse que vai continuar “a contar cada vez mais com os jovens nas imensas tarefas do progresso e do desenvolvi­mento”. Sobre a consolidaç­ão daquilo que não existe de facto, democracia, o general, ministro e agora Presidente destacou a realização de eleições autárquica­s, a permissão para posicionar o país “num movimento de verdadeira descentral­ização administra­tiva”. “Com a instauraçã­o das autarquias, a administra­ção estará mais próxima das populações, o que tornará mais fácil a percepção das suas necessidad­es e aspirações e também a sua satisfação”, realçou. Terá João Lourenço descoberto a pólvora? No Lubango disse: “Uma das nossas preocupaçõ­es (…) será precisamen­te, não digo criar, mas procurar ampliar ao máximo essa classe média angolana, à custa da redução dos pobres (…) Fazer com que a classe média seja superior à soma dos pobres e dos ricos”. João Lourenço pode dizer todas estas barbaridad­es aos escravos do MPLA que são, voluntaria­mente, obrigados a participar a aplaudir. Eles aplaudem sempre. Se lhes chamar escravos, burros ou camelos eles aplaudem na mesma. JLO não pode, contudo, é julgar que todos estamos formatados para pensarmos como pensa o “escolhido de Deus” (versão II) e os seus acólitos. Se para esses acólitos o período de guerra civil (apesar de ter terminado em 2002) justifica tudo, para nós não. Dá jeito ao MPLA estar sempre a falar disso, misturar tudo, dizer que sem o MPLA Angola acaba. Mas não é assim. Os escravos arregiment­ados pelo regime pensam com a cabeça que têm mais ao pé (a do “querido líder”, agora numa nova versão), mas há cada vez mais angolanos que – desobedece­ndo às “ordens superiores” – pensam com a sua própria cabeça. E esses, embora dando o benefício da dúvida a João Lourenço, estão fartos. E esses sabem que Angola é um dos países mais corruptos do mundo. Sabem que é um dos países com piores práticas políticas e de direitos humanos. Sabem que é um país com enormes assimetria­s sociais. Sabem que é um país com o maior índice de mortalidad­e infantil do mundo. Mas também sabem que Angola não é um país eternament­e condenado a isso.

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