“DEPOIS DE MIM VIRÁ QUEM DE MIM BOM FARÁ”, PENSA DOS SANTOS
João Lourenço ascendeu no 08.09 a presidente do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975, acabando com praticamente um ano de falsa “bicefalia” na liderança do país, reforçando a margem para aprofundar reformas económicas e políticas, agora, sim, bicefalicamente. Muitos acreditam que irá, agora, fazer o que ainda não fez: governar o país. Pelo menos fica sem essa desculpa chamada José Eduardo dos Santos. Actual chefe de Estado, vencedor das eleições fraudulentas e opacas de Agosto de 2017 que deram a vitória ao MPLA e ao seu cabeça-de-lista, João Lourenço esteve de “juris” como vice-presidente do partido até 08.09, dia do VI Congresso Extraordinário do partido, que certificará o fim da era José Eduardo dos Santos, líder do partido desde 1979. Mentor de muitas e inesperadas mudanças políticas e económicas em 11 meses, com exonerações em catadupa e criação de comissões para tudo e mais alguma coisa, João Lourenço ainda não falou sobre o que será o futuro, mas alguns observadores angolanos (dos que subscrevem a passagem de Eduardo dos Santos de bestial a besta) admitem que ao assumir os dois cargos – líder do partido e chefe de Estado -, as reformas em Angola irão mais longe. A dois dias do congresso, desconhece-se, ainda, quem irá assumir o seu lugar de vice-líder do partido e de secretário-geral, actualmente ocupado por Paulo Kassoma. Teoricamente reformador, João Lourenço tem tentado de várias formas (até mesmo seleccionando alvos familiares e bajuladores do anterior Presidente da República, dos quais fez parte) mostrar-se diferente de José Eduardo dos Santos – Presidente de Angola entre 1979 e 2017 – e tem recorrido a alterações na nomenclatura do Estado sem a aparente consulta ao ainda líder do MPLA (com quem, aliás, tinha assumido esse compromisso), esperando-se, agora, mudanças profundas no aparelho de um partido que esteve sempre no po- der desde a independência do país, em 1975. Empossado a 26 de Setembro de 2017 como terceiro Presidente de Angola (Agostinho Neto foi o primeiro, entre 1975 e 1979, e José Eduardo dos Santos o segundo), João Lourenço segue os mesmos passos que os seus antecessores também no MPLA, tornando-se o terceiro líder, quase nas mesmas datas e igualmente estribado na regra de ouro que “o MPLA é Angola e Angola é o MPLA”. João Lourenço tem vindo a desafiar a liderança no partido do ex-presidente da República, ao retirar vá- rios negócios e cargos aos filhos daquele, nomeadamente Isabel do Santos e José Filomeno dos Santos, mas também a outras figuras próximas a José Eduardo dos Santos. Aliás, muitas das suas exonerações revelam um acerto de contas pessoal, criminalizando todos aqueles que tenham ligações familiares directas a Eduardo dos Santos. Primeiro Presidente angolano a chegar ao cargo sem ter combatido na guerra colonial, o general e ex-ministro da Defesa, de 64 anos, nasceu a 5 de Março de 1954, acidentalmente, no Lobito (província de Benguela), filho de pai Kimbundu (Malanje/ Catete). João Manuel Gonçalves Lourenço, popularmente conhecido por “JLO”, construiu, porém, uma parte do seu percurso no MPLA de cartilha política na mão, como comissário político das FAPLA e não de arma na mão, nas frentes de guerra. Apesar de não ter chegado a combater directamente o regime português – acabara de completar 20 anos quando se dá a “Revolução dos Cravos” em Portugal (25 de Abril de 1974) -, viveu a oposição ao colonialismo ainda criança, ao ver o pai detido na cadeia São Paulo, em Luanda, entre 1958 e 1960, acusado de actividade política clandestina, enquanto enfermeiro do porto do Lobito. Pouco antes da proclamação da independência angolana, feita em Luanda, pelo MPLA, e no Huambo pela UNITA e FNLA, a 11 de Novembro de 1975, João Lourenço inicia (em 1974) a carreira militar na República do Congo, tendo feito a sua primeira instrução político-militar no Centro de Instrução Revolucionária de Kalunga. Hoje general na reforma, e até Julho de 2017 ministro da Defesa Nacional, João Lourenço integrou o primeiro grupo de combatentes do MPLA que entraram em território nacional via Miconge, em direcção à cidade de Cabinda, após a queda do regime ditatorial português. Depois de participar em vários combates na fronteira norte, no período de guerra civil que se seguiu à proclamação da independência, João Lourenço ainda fez formação em artilharia pesada e exerceu funções de comissário po-
lítico em diversos escalões, antes de partir para a então União Soviética. É nesse processo de qualificação das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) que, entre 1978 e 1982, reforça a sua formação militar, além de obter o título de mestre em Ciências Históricas, pela Academia Político-Militar V.I. Lenine. De novo em Angola, assume, entre 1982 e 1990, vários cargos militares, envolvendo-se em diversos combates contra as FALA (forças da UNITA), sobretudo no centro do país, até ascender a general das FAPLA. Começa então um percurso político dentro do MPLA que o levaria até secretário-geral do partido, entre 1998 a 2003. Com José Eduardo dos Santos a anunciar a intenção de deixar o poder com o fim do conflito armado (2002), João Lourenço posicionou-se na corrida à sucessão, o que lhe valeu uma longa travessia no deserto, depois de o então Presidente decidir manter-se no poder. Começou aí a germinar um acerto de contas, ora consumado, dizem alguns militantes do MPLA que não saltaram a barricada com a saída de José Eduardo dos Santos. A reabilitação política aconteceu em Abril de 2014, quando é nomeado por José Eduardo dos Santos para ministro da Defesa Nacional, culminado com a eleição, em congresso, em Agosto de 2016, como vice-presidente do MPLA, antecedendo a sua entrada, por proposta pessoal de Dos Santos, na corrida eleitoral para chefe de Estado angolano. João Manuel Gonçalves Lourenço é casado e pai de seis filhos, tendo como passatempo a leitura, o xadrez, e a equitação e é apaixonado pelas novas tecnologias de informação.