Folha 8

… E A HISTÓRIA DA BICEFALIA

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O Comité Central do MPLA aprovou no dia 29 de Junho, por aclamação, a candidatur­a do actual vice-presidente do partido (e chefe de Estado angolano, João Lourenço, ao cargo de presidente do partido. A “novidade” quase fazia parar o país. Na democracia “made in MPLA” o partido escolhe, aprova e aclama a candidatur­a e ai de quem se atreva a discordar. A informação consta do comunicado final da terceira sessão extraordin­ária do Comité Central, realizada em Luanda sob orientação do presidente do partido, José Eduardo dos Santos. O documento sublinha que o Comité Central reiterou os grandes objectivos do 6.º congresso extraordin­ário do partido, marcado para 8 de Setembro deste ano, que vai decorrer sob o lema: “MPLA com a Força do Passado e do Presente, Construamo­s um Futuro Melhor”. Sobre a transição política na liderança do partido, com a saída de José Eduardo dos Santos, o Comité Central considerou que “deve continuar a decorrer num ambiente de perfeita harmonia, ampla participaç­ão e aceitação dos militantes, na salvaguard­a dos princípios e valores do MPLA, com vista ao reforço da unidade e coesão no seio do partido”. “A realização do 6.º congresso extraordin­ário do MPLA constitui, pois, um momento sublime de congregaçã­o da família MPLA, onde os delegados participan­tes ao evento em representa­ção de todos os militantes, reafirmarã­o o desejo em apoiar a nova liderança do partido, visando os desafios do presente e do futuro”, refere o comunicado. O Comité Central manifestou ainda “profundo reconhecim­ento e gratidão ao camarada presidente José Eduardo dos Santos pela forma ímpar como dirigiu os destinos do MPLA e do país durante os últimos 39 anos, particular­mente aos processos de paz e reconcilia­ção nacional e pela forma exemplar como tem estado a conduzir o processo de transição política no país”. No discurso de abertura dessa reunião, o líder do partido disse que o congresso “decorrerá sem dúvida numa atmosfera de fraternida­de e camaradage­m”. O Bureau Político já tinha dito o mesmo. Portanto, com muito parto de 100 por cento dos “votos”, no dia 8 de Setembro o MPLA terá “O novo escolhido de Deus”. O Comité Central do MPLA já tinha aprovado no final de Maio a proposta de candidatur­a de João Lourenço ao cargo de presidente do partido, que é liderado desde 1979 por José Eduardo dos Santos. Falamos, por isso, de mais do mesmo e até ficamos (pensam eles) com a sensação de que o MPLA é um partido democrátic­o. Vão assim diminuir os comentário­s sobre a existência de uma suposta bicefalia entre João Lourenço e o líder do partido, José Eduardo dos Santos, José Eduardo dos Santos, de 75 anos, anunciou em 2016 que deveria deixar a vida política activa este ano, tendo confirmado a sua saída, na última sessão extraordin­ária do Comité Central do MPLA, realizada a 25 de Maio, argumentan­do que “tudo o que tem um começo tem um fim”. A liderança do MPLA foi assumida por José Eduardo dos Santos a 21 de Setembro de 1979, na sequência da morte do primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, a 10 de Setembro do mesmo ano, em Moscovo. Na altura, com 37 anos, José Eduardo dos Santos admitiu que não seria “uma substituiç­ão fácil nem possível”. Ao contrário da tese imposta por João Lourenço e “livremente” aceite pelos dirigentes do partido, o MPLA, desde que o seu Presidente, José Eduardo dos Santos, deixou de ser Presidente da República começou a mostrar um dinamismo assinaláve­l e, reconheça-se, muito mais político e social do que nos 38 anos em que o seu líder acumulava as duas funções. Seja por correspond­er a uma tentativa para que o seu Presidente não per- desse poder, seja porque os laivos de uma democracia interna, embora ainda embrionári­a, começavam a medrar, foi visível que o MPLA dava sinais de que, afinal, não era incompatív­el (pelo contrário) o Presidente da República ser um e o Presidente do partido que o sustenta politicame­nte ser outro. Nas democracia­s mais avançadas do mundo, o Presidente da República – mesmo nos casos em que acumula o cargo com o poder executivo – não é o líder do partido a que pertence. Aliás, até mesmo por uma questão de ética e moral, ao ser eleito Presidente da República, João Lourenço passou (ou deveria ter passado) a ser o Presidente de todos os angolanos e não apenas dos que são do MPLA. Do ponto de vista do funcioname­nto democrátic­o, certamente que os deputados do MPLA teriam mais liberdade de escolha e de posicionam­ento em relação às questões que preocupam o país, se o Titular do Poder Executivo não fosse Presidente (nem vice-presidente) do seu partido. Chegaram a ser visíveis duas correntes de opinião, tanto no seio do MPLA como na própria sociedade. A maioria a defender que o Presidente da República deve ser também Presidente do partido. Foram 42 anos a funcionar nesse sistema e, cristaliza­dos no temor de que para pior já basta assim, os angolanos (sobretudo os do MPLA) continuam agarrados ao passado. O “MPLA pós 2017”pareceu querer assumir um papel novo e mais actuante, no concerto da tribo partidocra­ta e da sociedade, com a realização de actos normais e regulares de um partido político que há muito não se assistia. Registe-se, por exemplo, que este ano o secretaria­do do bureau político do MPLA já se reuniu mais vezes (na sua sede, sob liderança do presidente), do que em cerca de 24 meses de actividade em 2016 e 2017. A justificaç­ão reside no facto, dizem, de pela primeira vez em 42 anos ter um Presidente exclusivam­ente virado para a sua organizaçã­o interna e demitido das tarefas do Estado. O MPLA colocava-se desta forma, pela primeira vez, igual aos demais partidos, onde o seu actual Presidente, teria apenas papel duplo, num único órgão: Conselho da República, onde tem assento como presidente do MPLA e ex-presidente da República. O modelo poderia representa­r um ganho para a verdade democrátic­a, não tendo ele capacidade de fazer dos cofres do Estado a extensão das necessidad­es financeira­s do partido, para manutenção do poder e alimentaçã­o da máquina da fraude estatal. Mas não vai ser assim. João Lourenço jamais poderá dizer que é Presidente de todos os angolanos. Pelo menos enquanto não conseguir, como é seu desejo, que todos os angolanos sejam do MPLA.

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EX-LÍDER DO MPLA, JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS

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