Folha 8

E POR FALAR NO ALTO ZAMBEZE

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No passado dia 4 de Abril, o suposto Dia da Paz e da Reconcilia­ção, o bispo do Moxico alertou para as condições de vida naquela província, nomeadamen­te no Alto Zambeze, um dos municípios mais isolados de Angola, maior do que a Holanda ou a Suíça, mas que não tem um só quilómetro de estrada asfaltada. O argentino Tirso Blanco lidera aquela diocese católica no leste de Angola há dez anos, mas ali já tinha estado, na mesma função, em pleno período da guerra civil, entre 1986 e 1991. Recorrendo às redes sociais, o bispo católico, criticou a rede viária até ao Alto Zambeze, que no período colonial (há mais de 43 anos, portanto) foi um dos maiores produtores de arroz em Angola, ilustrando com fotos da única picada, totalmente esburacada e coberta de lama, que liga ao centro daquele município. Nestas condições, a viagem facilmente se transforma num “martírio” de dois dias. “Há 16 anos (4 de Abril de 2002) que Angola recebeu a paz desde o Moxico (fim da guerra civil). Esta é a única via possível para chegar a Cazombo (comuna capital do Alto Zambeze), que não tem aeroporto nem comboio”, apontou. No extremo leste de Angola, o Alto Zambeze tem 48.000 quilómetro­s quadrados e apenas 20.000 habitantes, ocupando uma área, por exemplo, semelhante à da Dinamarca. Sem estradas, a alternativ­a, segundo o bispo Tirso Blanco, passa por recorrer a serviços básicos do outro lado da fronteira, na República Democrátic­a do Congo e na Zâmbia. O isolamento do muni-

cípio é agravado no período das chuvas (Agosto a Maio), com intensa precipitaç­ão, que habitualme­nte deixa várias comunidade­s isoladas durante vários dias. “Em todo esse território não se encontra onde comprar uma arca, uma geleira, o único hospital não tem mais que a boa vontade dos médicos. Raio X? Reagentes? Controlar a glicémica? Só na Zâmbia, depois de uma penosa viagem”, criticou o bispo, que regularmen­te usa as redes sociais para alertar para a situação de isolamento da província do Moxico. Recordando que foi no Moxico que acabou a guerra civil angolana, em 2002, com a morte em combate de Jonas Savimbi (UNITA) e a assinatura dos acordos de paz no Luena, capital da província, Tirso Blanco diz que é tempo de as várias promessas dos últimos anos serem cumpridas. Isto porque, aponta, a construção da estrada entre o Luena e o Cazombo, de mais de 400 quilómetro­s, nunca saiu do papel, apesar de agora voltar a ser colocada em cima da mesa pelas autoridade­s locais. “No ano de 2009 ‘ameaçaram’ asfaltar a estrada, mas sem dar explicação a ninguém, os trabalhado­res foram-se embora e até hoje não voltaram. No ano de 2013 outra empresa começou e fez uma grande movimentaç­ão de equipament­os e pessoal técnico, os trabalhado­res foram-se embora e até hoje não voltaram. Agora novamente escutamos o suave barulho das promessas”, criticou. “Será desta vez? Até quando este território, que ocupa uma superfície duas vezes maior que Kuanza-norte merecerá ter um pouco de asfalto, pois até agora, nem sequer um quilómetro tem”, referiu Tirso Blanco.a difícil situação da rede viária do Moxico foi admitida também em Fevereiro passado, pelo vice-governador da província, já que apenas 5% são estradas asfaltadas. “Neste momento, infelizmen­te, em termos de estradas, primárias e terciárias na província não têm o melhor cenário. Mas nós acreditamo­s que com os esforços que estão sendo feitos nós vamos poder reverter esta situação”, admitiu o vice-governador do Moxico, Carlos Alberto Masseca. Recorde-se, por exemplo, que em Janeiro de 2017, quase 1.200 famílias ficaram desalojada­s na província do Moxico, sobretudo na vila de Cazombo, município do Alto Zambeze, tendo as enxurradas provocado o desabament­o de quase 400 casas de construção artesanal em vários bairros. Estas famílias – 1.195 – passaram a viver ao relento, em função da falta de meios da protecção civil em quantidade suficiente para prestar apoio. A protecção civil angolana recebeu menos um milhão de euros em 2017, um corte de 5% face ao Orçamento Geral do Estado (OGE) anterior. De acordo com o OGE para 2017, os Serviços de Protecção Civil deveriam receber 3.092 milhões de kwanzas (17,5 milhões de euros), equivalent­e a 0,04% da total da despesa do Estado.

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