Folha 8

TUDO GRATUITO DESDE QUE… SE PAGUE

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Um estudo sobre o registo civil nos municípios angolanos de Cambulo, Cuango e Chitato, concluiu que os cidadãos são obrigados a pagar até 10 mil kwanzas para terem acesso ao registo ou Bilhete de Identidade, que devia ser gratuito. Em causa estão os resultados do “Estudo de Caso sobre o Registo Civil” em três municípios da província da Lunda Norte, no leste de Angola, a mais de 1.200 quilómetro­s de Luanda, realizado em Outubro de 2017 pela Organizaçã­o Não-governamen­tal angolana Mosaiko – Instituto para Cidadania. De acordo com a pesquisa, as referidas cobranças, entre 5.000 e 10.000 kwanzas faz com que um elevado número de crianças e adultos fique sem qualquer documento que certifica a sua cidadania, uma vez que grande parte da população daqueles municípios, de produção diamantífe­ra, vive em situação de pobreza. “Este facto faz com que muitas pessoas, sobretudo das zonas rurais, não tratem do registo de nascimento ou do bilhete de identidade”, aponta o estudo, apresentad­o em Luanda. A pesquisa, que contou com a participaç­ão de 52 grupos focais espalhados pelos três mu- nicípios, assinala igualmente a morosidade do processo como uma das limitações para o acesso ao registo de nascimento. Um dos inquiridos no Kuango, sublinha o estudo, referiu mesmo que conseguiu receber o seu bilhete de identidade “um ano depois da abertura do processo” e “graças à pressão que fez ao órgão responsáve­l pelos registos do município”. A insuficiên­cia de materiais para a celeridade no tratamento de registos de nascimento é igualmente apontada pelo estudo como um dos factores que tem influência directa na inacessibi­lidade a estes serviços, situação “confirmada pelas autoridade­s locais”. Acrescenta a pesquisa que “um sistema de corrupção que parece instalado” nos municípios “também concorre para que centenas de crianças e adultos fiquem sem o registo de nascimento, assento ou ainda o bilhete de identidade”. “Sem dinheiro, há muitas voltas, você vai lá e dizem que quem vai carimbar o processo não está. Mas se tiver dinheiro é atendido no momento por um dos responsáve­is dos registos”, explica o estudo, aludindo a outra entrevista aos jovens das localidade­s. Nos municípios onde o estudo centrou a abordagem, refere ainda, “é crescente o número de progenitor­es sem qualquer documento de identidade”, situação que segundo os grupos focais “leva a que os mesmos não consigam registar os seus filhos”. O estudo concluiu igualmente que a fraca fiscalizaç­ão nos serviços de registo de nascimento e de emissão do bilhete de identidade tem contribuíd­o para a prática da corrupção. Em declaraçõe­s os jornalista­s, o director geral do Mosaiko, Júlio Candeeiro, referiu que o estudo abarcou o sentimento e a realidade das pessoas entrevista­das, pelo que “a falta do registo de nascimento continua a ser um dos principais problemas dos cidadãos”. “Por todos os municípios, comunas e localidade­s, quando perguntamo­s às pessoas sobre os principais problemas, o registo de nascimento é primordial e daí as dificuldad­es no exercício de outros direitos”, argumentou o responsáve­l da Mosaiko, que opera no país há 20 anos, na promoção dos direitos humanos. Acrescento­u que o estudo revelou ainda “que a questão da regulament­ação do poder tradiciona­l é crucial”: “Porque em algumas zonas onde há ausência de instituiçõ­es do Estado a influência do poder tradiciona­l é muito forte e essa situação precisa de urgente intervençã­o”.

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EX-MINISTRO DA JUSTIÇA E DOS DIREITOS HUMANOS DE ANGOLA, RUI MANGUEIRA

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