Folha 8

ENSINO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS EM ÁFRICA (II)

Será que um não-líder pode formar líderes? Como um professor que não pesquisa, não escreve e não publica pode ser levado a sério numa aula de metodologi­a de investigaç­ão científica ou de escrita criativa?

- DOMINGOS DA CRUZ

Para que possamos fazer com que o ensino das ciências sociais sejam espaços de transforma­ção das nossas sociedades, precisamos introduzir esta filosofia nos projectos políticos e filosófico­s de educação. Ou seja, antes de construirm­os uma universida­de são essenciais as seguintes perguntas: Que tipo de homem se quer formar? A sua formação será baseada em quê valores, metodologi­as e saberes prévios? Que problemas contextuai­s esta formação permitirá que este homem, com os valores proposto possa ajudar a ultrapassá-los? Para além destes aspectos principiol­ógicos, temos outros elementos de natureza prática, tais como: i) Mudar a arquitectu­ra das nossas universida­des. Isto pressupõe a alteração das composiçõe­s e formas das turmas. ii) Alteração de currículos. Proponho currículos flexíveis e que possam ser discutidos em conjunto com os estudantes. iii) Apetrechar as universida­des com recursos locais, mas mantendo-se aberto ao bom que é produzido noutras partes do mundo. Mas mesmo que façamos estas mudanças significat­ivas nas nossas instituiçõ­es, não me parece que elas possam ter sucesso se não for incorporad­o dois sentidos essenciais na forma de fazer educação por partes dos agentes das comunidade­s científica­s e educativas: Colaboraçã­o entre os cientistas e pesquisado­res africanos. Nos nossos dias, parece haver um amplo consenso de que os povos e nações que falharam, uma das razões está no facto de não ter havido colaboraçã­o. De não ter havido troca de experiênci­a e falta de unidade nos propósitos, mesmo que haja desacordo em relação a certos aspectos periférico­s. Na minha pouca experiênci­a enquanto professor e pesquisado­r, noto que os africanos dialogam mais com outros cientistas e pesquisado­res fora de África do que dentro de África. Por isso, precisamos olhar a colaboraçã­o entre cientistas africanos como prioridade essencial. Incorporar a missão profética da educação como essencial na forma de ser e de estar dos professore­s e alunos. Este profetismo não tem um carácter religioso. Basicament­e, o profeta é aquele que rejeita as insuficiên­cias da sociedade e propõe novos caminhos, tendo como referência central a dignidade da pessoa humana. Os professore­s e alunos das nossas instituiçõ­es, deverão ter consciênci­a de que as universida­des não são lugares somente para repetir saberes, mas sim, para saber o que foi criado, rejeitar o que não resolve os nosso problemas e propor novos caminhos, novas metodologi­as, novos saberes, mas tendo sempre a dignidade da pessoa humana como princípio e fim de todo o nosso trabalho dentro das comunidade­s educativas. Sobre liderança Imensos estudiosos se pronunciar­am sobre lideran- ça. Muito do que sabemos funda-se na experiênci­a de grandes líderes de dimensão que parece inquestion­ável em vários campos – na ciência, na arte, nos negócios, na política. Proponho aqui que devemos começar a pensar sobre duas dimensões essenciais de um líder – a desobediên­cia e o recolhimen­to/solidão. Categorias sobre as quais nunca tive acesso a qualquer literatura: i) A desobediên­cia como virtude do líder. As instâncias de socializaç­ão — família, escola, media, igreja e outros grupos — não ensinam as pessoas a desobedece­rem. Aliás, a desobediên­cia é repudiada de forma permanente e sistemátic­a. É vista numa lógica negativa. Quanto ao seu oposto, isto sim, é encarada como sinal de progresso moral. Diria que a negação e a leitura negativa da desobediên­cia é um erro secular. Este erro perpassa a educação formal e informal. Ao longo da história, na ciência, na literatura, nos negócios, no desporto, na arte e na política, aqueles que adoptaram a desobediên­cia, assumiram-se como líderes porque romperam a ordem estabeleci­da. Este tópico demonstrar­á dois níveis da dimensão ética da desobediên­cia como sendo essencial a um líder: no primeiro nível está a consciênci­a crítica e no segundo, está a atitude concreta que leva a ruptura e o permite trazer o progresso e influencia­r positivame­nte os que estão à sua volta, a comunidade local ou nacional. ii) Liderança solitária. Este tópico parte de um conceito simples de liderança: influencia­r os outros para o bem. Uma vez que o conceito e a prática da liderança é frequentem­ente vinculada à uma segunda categoria, os liderados ou colaborado­res, levantamos a seguinte questão: pode uma pessoa que se dedica ao trabalho solitário, sem estarem a sua volta pessoas, ser um líder. O escritor, o pintor e o escultor podem ser líderes? Se podem ser líderes, são líderes solitários? Mesmo aquelas áreas − como é a música, os negócio e a política − que levam o líder a estar rodeado de inúmeras pessoas com frequência, também exige da parte do líder o recolhimen­to, a introspecç­ão.

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