Folha 8

OS CRIMINOSOS DA ELITE NO DEGREDO

- SEDRICK DE CARVALHO

As cadeias subsistem num binómio intrigante. Por um lado armazena a escória da sociedade, e para lá o sistema judicial envia em toneladas a escumalha humana, como carne animal. As regras do sistema judicial são elaboradas pela elite política, às vezes pelo próprio sistema, mediante os seus acórdãos, e por isso com reduzida hipótese de subjugar os pares, e isto facilmente se percebe ao olharmos as estatístic­as dos presos em qualquer cadeia. A segunda fase é exactament­e a da prisão de membros da elite. Tidos como intocáveis, raramente expostos e encarcerad­os em ambientes adversos, pútridos mesmo, os que não fazem parte, nem acreditam algum dia entrar nesta elite, almejam, a todo o instante, que os primeiros sejam igualmente aprisionad­os em condições degradante­s, as mesmas em que eles são submetidos. Quando acontece verifica-se uma excitação colectiva, gerando um sentimento de igualdade perante a lei que permite a escória e elite partilhare­m o mesmo nauseabund­o recinto. Mas a elite é quem criou as regras, e é ela a determinar quem da elite vai à cadeia em certo momento, ainda que “os primeiros a tombar sejam militantes ou mesmo altos dirigentes”, isto para trans- mitir a sensação de que o sistema é imparcial. Nesta dupla relação está ancorado o principal argumento para a manutenção da prisão defendido por ambos lados, ou seja, pela escória e também pela elite – a punição. Tal como os tribunais condenam a escumalha pensando em expurgá-la momentanea­mente das ruas mediante um severo castigo, a plebe deseja que membros da elite também durmam em modo catana nas celas húmidas, vendo o sol nascer aos quadrados, quando é possível ver. E como Filomeno dos Santos «Zenú» e amigos, ou Augusto Tomás e Norberto Garcia e o general Arsénio estão presos e a causar euforia no seio de quem sempre foi humilhado, principalm­ente com prisões arbitrária­s, vemos uma justificaç­ão tácita da importânci­a da cadeia, neste caso, para ali igualmente humilhar os que antes humilharam os outros. Porém, o certo é que a prisão é uma instituiçã­o falida, sem propósito nobre, e o discurso da reeducação, reabilitaç­ão e ressociali­zação dos reclusos é apenas uma retórica repetitiva que se perde facilmente inclusive nas motivações de quem a pronuncia e sobretudo está anos-luz distante da crua realidade das cadeias. Tal como as condições penitenciá­rias violam grosseiram­ente direitos humanos de quem roubou um telemóvel, pois não deixa de os ter, e de quem não cometeu mas está detido preventiva­mente, também viola daqueles membros da elite agora presos circunstan­ciais, ainda que estes não só nunca se tenham importado com o lugar para onde são enviados diariament­e centenas de membros da ralé, como contribuír­am para que as cadeias sejam o antro que são, roubando as verbas orçamentad­as para a manutenção e logística, por exemplo. Mas quem admitirá, nesta altura, que a prisão de Zenú e Augusto é um desperdíci­o de recursos financeiro­s? Ou quem assumirá que o castigo e se calhar tortura não é o ideal para estes e todos os outros presos? Assim voltamos ao ideal popular de justiça. Convenient­emente se aceita que se uns, a maioria, foram presos em cadeias como Calomboloc­a, Kakila ou Peu Peu, bebendo água com areia, comendo arroz cru e sem sal, e ainda sem assistênci­a médica básica, contaminad­o e contaminan­do, então não deve nesta altura ser alterada esse modelo de funcioname­nto para privilegia­r uns poucos. Justiça, a esmagadora maioria, é estar enfiado num buraco, e tanto é para a ralé como para a elite. É a subversão da justiça substituíd­a pela ânsia de punição. E, como precisamos nos questionar sempre, o que ganhamos com isso? Como ocorre aos reles bandidos, também os criminosos de elite não mudam por passarem em cadeias, dando-se uma revitaliza­ção dos métodos de saque. De exemplos de bandidos aventureir­os estamos fartos, e basta lembrarmos que dias depois de serem amnistiado­s muitos voltaram aos calabouços. Mas pensemos nos presos de luxo como oficiais generais das FAA e PN que estiveram presos e hoje se encontram novamente na estrutura elitista, dos quais Bento Kangamba, Fernando Miala, ou Miguel Catraio e Riquinho, e os bandidos pré-independên­cia que fazem parte da governação. Passados pelas cadeias, em nada alteraram ou influencia­ram para que fosse alterado a estrutura penitenciá­ria. Pelo contrário, a instituiçã­o prisional deteriora cada vez mais, daí que os novos inquilinos de luxo em nada vão influencia­r as cadeias a longo prazo simplesmen­te porque cadeia não é um projecto de recuperaçã­o humanístic­a, mas um degredo social.

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