Folha 8

ESTRATEGIC­AMENTE NA PENUMBRA

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Numa manhã quente de Agosto, João Lourenço, um homem mais habituado ao ambiente dos quartéis e às portas fechadas dos gabinetes, subiu desajeitad­amente a um palco para falar a milhares de apoiantes rurais. Para a maioria da multidão que estava na acção de campanha do candidato do MPLA, transporta­da de aldeias vizinhas e equipadas de t-shirts vermelhas, o homem de rosto severo que tinham por diante não era mais do que um desconheci­do, um homem calmo que viam como ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos. Mas isso mudou radicalmen­te. Passou a ser o Presidente. A Comissão Nacional Eleitoral arquivou todas as fraudes, vigarices, batotas e similares e anunciou que o MPLA vencera as eleições gerais com mais de 60% dos votos. Ainda o anúncio não tinha sido feito e já o Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sou- sa, se apressava a felicitar João Lourenço como vencedor. Era o primeiro depois do consulado de 38 anos de José Eduardo dos Santos. Na altura em que o histórico líder do MPLA, a quem João Lourenço beijou a mão durante muitos anos, assumiu o poder, Jimmy Carter era Presidente dos EUA e Leonid Brezhnev mandava na então União Soviética. Em comum com muitos dos líderes angolanos formados na União Soviética, a retórica de João Lourenço era conservado­ra mesmo quando é da crise económica que fala. “Há ainda muito para fazer”, disse naquela manhã de Agosto no comício, encorajado com aplausos. “Vamos pôr-vos a trabalhar”, disse ele, prometendo aumentar a produção àquela comunidade agrícola pobre. A economia seria o tema dominante da acção política do novo Presidente. Em 2000, quando já era se- cretário-geral do MPLA há quase 20 anos e o “chefe”, José Eduardo dos Santos, demonstrou publicamen­te que queria sair, João Lourenço apresentou-se na corrida à sucessão. Mas Eduardo dos Santos não saiu e o agora Presidente ficou, até 2014, “sentado” no Parlamento como vice-presidente da Assembleia Nacional. Uma travessia do deserto que lhe permitiu, calma e ponderadam­ente, estabelece­r a estratégia para chegar ao Poder e, a frio, fazer a sua vingança e o acerto de contas com a família Dos Santos. Muitos recordam que João Lourenço referia-se a Eduardo dos Santos como “Capitão”. Em entrevista à Deutsche Welle África, questionad­o na altura da vitória sobre as dificuldad­es económicas que o país atravessav­a, João Lourenço não enjeitou um pedido de ajuda externo. “Angola está a atravessar uma situação económica e financeira difícil, decorrente da baixa do petróleo. Vamos recorrer às instâncias existentes. Não está posta de lado a possibilid­ade de negociar, por exemplo, com o Banco Mundial ou com o Fundo Monetário Internacio­nal”, revelou. Na altura, ao que parece, a China ainda não era opção. Apesar de sobre João Lourenço não pender nenhuma acusação judicial, diz-se que ele tem a sua própria caixa multibanco em casa. Ou seja, citando Rafael Marques, é, ou foi, “um dos maiores latifundiá­rios do país, enquanto ministro da Defesa vendeu produtos imaginário­s e reais das suas fazendas ao Ministério da Defesa, é sócio do banco SOL, do Banco Angolano de Investimen­tos. Tem uma caixa multibanco na sua casa, assim escusa de ir ao banco, e com ele não há ‘day after’”. Quando a Deutsche Welle África perguntou a João Lourenço se ia, de facto, ter as rédeas do poder nas suas próprias mãos ou se a família dos Santos iria continuar a reclamar pelo menos parte do poder, o Presidente respondeu: “Eu acho que vou ter o poder. Só não teria todo o poder se houvesse dois Presidente­s da República.” Com algum humor, é caso para pensar se João Lourenço não utilizou, em relação a José Eduardo dos Santos, uma versão moderna da velha “política de chinês”. Conta-se que, antes da independên­cia, um ortodoxo da supremacia branca quando tomava café num conhecido bar da então cidade de Nova Lisboa (Huambo) dava sempre um pontapé ao empregado, negro, que o servia. Com a chegada do 25 de Abril a Portugal, esse energúmeno dirigiu-se ao mesmo estabeleci­mento e disse ao empregado: “A partir de agora nunca mais te darei pontapés”. Ao que o empregado respondeu: “Então a partir de agora não lhe cuspo mais no café”.

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EX-MINISTRO DA DEFESA NACIONAL, JOÃO LOURENÇO

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