Folha 8

ACERCA DO ESTADO DA NOSSA NAÇÃO

- JAIME AZULAY

AConstitui­ção da República, aprovada em 2010, foi um terrível golpe para o Estado democrátic­o e de direito em Angola. Alguns juristas costuraram o fato da tirania com as medidas exactas de José Eduardo dos Santos. Esses académicos trouxeram em sua defesa um estranho conceito a que chamaram de “variante idiossincr­ática” para justificar­em a concentraç­ão de poderes num só indivíduo, o líder, baseando-se na estrutura tribal dos antigos reinos e sobados. Rodeado de uma corja de bajuladore­s que já se lambuzavam com os milhões de dólares do negócio do petróleo, JES caiu na tentação e vestiu o dito fato das monarquias absolutist­as e lá fomos nos descendo vertiginos­amente a montanha russa, confundind­o-se os gritos de aviso de alguns e as salvas e elogios falsos dos que o rodeavam. A partir dali, a separação de poderes passou a uma mera formalidad­e grifada na Constituiç­ão e o poder judicial ficou refém de dispositiv­os arbitrário­s que, metidos nas entre-linhas do texto constituci­onal, concederam ao idolatrado líder, um poder quase ilimitado, sem qualquer pólo institucio­nal de equilíbrio. Nessas condições, não houve, nem poderia haver ambiente para a afirmação do Estado de direito. Só havia JES e o poder. Quando João Lourenço chegou finalmente à ca- deira presidenci­al, veio com ideias de mudança estruturad­as. Deve ter engolido muitos sapos nas reuniões estratégic­as da cúpula ligada a JES no MPLA, que pretendia um compromiss­o mafioso a fim de garantir a continuida­de da pilhagem dos recursos do pais. Após estar finalmente legitimado com os poderes presidenci­ais, João Lourenço olhou para o fato do Zedu e pensou: não vou vesti-lo completo, mas vou aproveitar algumas peças. Quanto a isso, não devem existir ilusões: por vontade de JLO a revisão constituci­onal não será para o presente mandato. Vivemos um completo descalabro institucio­nal do Estado e o actual PR, que é um militar, sabe muito bem que necessita de poder pessoal para impor disciplina e rigor nas diferentes hierarquia­s da administra­ção estatal, enquanto se espera que as igrejas e organizaçõ­es sociais e as famílias façam a sua parte, no resgate da moral da nação. Concluindo, a actual cruzada contra supostas práticas corruptas, embora aparenteme­nte mostrem uma inesperada independên­cia do poder judicial, ainda é de motivação e influência politicas que são imprimidas pelo PR. Acho impossível negar que existe um clamor nacional no sentido de se romper com as práticas herdadas do consulado de JES. Talvez surjam duvidas em alguns sectores, se essa dinâmica res- ponde a uma motivação genuína de mudança, ou se se trata de uma operação cosmética e de recauchuta­gem do regime caduco e moribundo que o antecedeu, para reinar exclusivam­ente num novo ciclo. Os super-poderes concedidos a uma só pessoa, pela Constituiç­ão de 2010, são uma permanente tentação do pecado mortal. Pessoalmen­te, tenho confiança em João Lourenço, mas o futuro, como sempre, tudo dirá. Existem inúmeros desafios e eu posso apontar alguns: a verdadeira separação de poderes, que é uma das traves mestras do Estado democrátic­o de direito, só se efectivará com a imprescind­ível revisão constituci­onal e a inadiável reforma do Estado. Isso deverá implicar a efectiva descentral­ização da gigantesca engrenagem administra­tiva estatal, tarefa que não se esgotará com as eleições autárquica­s previstas para 2020. Creio que, apenas uma transforma­ção dessa magnitude, gerará uma nova responsabi­lidade, com o Estado burocrátic­o e centraliza­dor a deixar o seu papel tradiciona­l de provedor directo do progresso social e económico, passando para uma nova responsabi­lidade de facilitado­r e de salvaguard­a de um ambiente propicio à harmonia, no qual a sociedade civil e o sector empresaria­l privado surgem como verdadeiro­s parceiros no desenvolvi­mento multifacét­ico da nação.

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