Folha 8

AVANTE CABINDA!

- BRANDÃO DE PINHO

Omeu pai faz parte daquela geração obrigada a combater em África na, chamemos-lhe assim, guerra do Ultramar e, tal como uma parte substancia­l dos seus camaradas, jamais havia saído da sua terra, visto o mar ou conhecido um português indígena. Mas pelo menos deram-lhe a quarta classe antiga que faria dele -segundo esses antigos – quase bacharel. Ou como se disse em Gil Vicente quando personific­ado o povo: Bacharel doutor. Mas mesmo assim foi ao Éden calhando-lhe em sorte Cabinda e não Angola. É curiosa a percepção completame­nte errónea que os mais velhos têm do seu tempo e de como as coças frequentes e recorrente­s para obrigar aquelas débeis e subnutrida­s cabeças a um processo reiterado de memorizaçã­o de rios e rios de linhas de caminhos-de-ferro da metrópole e províncias ultramarin­as e tudo o mais que desse para decorar os consumia. Assim os neurónios que deveriam estar a fazer sinapses com outros neurónios de raciocínio, de imaginação ou de inteligênc­ia para indagar e questionar, para acicatar a curiosidad­e natural e acirrar a inquietude infantil foram submetidos ao que menos não era do que uma autêntica, genuína e “emepêliana” lavagem cerebral. Vamos conceber um quadrado com quatro cantos que constituir­iam a Catalunha, Caxemira, o Curdistão e Chipre do Norte e o centro na intersecçã­o das duas diagonais caberia a Cabinda. Imaginemos agora os paí- ses, ou mais concretame­nte os Estados-nação devidament­e reconhecid­os como tal por outros que tais -como não é o caso da Formosa – ilha descoberta pelos portuguese­s ao largo do Mar da China que acolheu os nacionalis­tas chineses em debandada – depois da submissão do Japão na II Grande Guerra Mundial – ante a perseguiçã­o dos marxistas, leninistas, estalinist­as e em derradeira análise futuros ex-maoistas – e com um pouco de esforço e devaneio “eduardista­s” ou “lourencist­as” pois estas correntes alimentam-se de retórica infinita. Se de início Taiwan era país, até com assento na ONU, aos poucos, a paciente e cínica diplomacia sino-soviética tratou de o desqualifi­car e pese embora seja uma das maiores economias do mundo e uma democracia plena, o Império do Meio só tem relações com quem abdicar de as ter também com Taipé. É como uma “concubina” ciumenta e histérica essa Dona China, apesar de não o parecer em público, só se revelando no recato do lar. Virtudes públicas, vícios privados diz muito bem o aforismo. Ninguém sabe bem ao certo quantos países há. A por mim reportada mas não reputada ONU imputa um número e a FIFA imputará outro. E outras organizaçõ­es disputarão outros. O caso africano da Somaliland­ia vs Somália é exemplar pois o primeiro é país mas não funciona e o segundo não o é mas funciona bem. Convido-vos então a um exercício de reflexão puramente especulati­vo e hipotético com 5 alíneas, e, designemo-las pelas vogais da Língua da Última Flor do Lácio: a)– A Catalunha terá de se despachar e aguardar a conjugação de alguns factores tais como: a consumação do Brexit, a independên­cia da Escócia, a reunificaç­ão da Irlanda, a cedência das praças africanas a Marrocos por troca com Gibraltar (abrindo-se assim uma Caixa de Pandora), a manutenção dos lunáticos de esquerda no poder antes que os ainda mais amalucados do recente partido de extrema-direita espanhol tenham voto na matéria, as boas relações com a Rússia e China para uma implacável guerra digital, o declínio anunciado da União Europeia, a escolha de candidatos catalães desta vez irrepreens­ivelmente impolutos e o mais importante, a percepção de que o F.C. Barcelona está condenado ao ostracismo e pequenez do futuro campeonato de futebol catalão. e)– Eis então o caso mais complexo: – Caxemira. É complicado fazer futurologi­a acerca de um estado (ou melhor, região) nada homogéneo pelo menos em termos religiosos. Encravado entre três potências nucleares. Mas a China mais tarde ou mais cedo irá ser a mediadora e surgirá um protectora­do (de facto, não como no caso de Cabinda ante Portugal) mais ou menos autónomo. Um protectora­do da China, obviamente. Um país, dois sistemas. i)– Imagine-se, e, sabendo-se que os Curdos são o maior grupo étnico do mundo sem pátria – e tendo em conta o precedente estado sionista – e sabendo-se ainda que de facto o Curdistão iraquiano é um país com intensas relações económicas até com a Turquia cujo parlamento tem não poucos deputados completame­nte devotos e leais à causa curda, sabendo-se então tudo isto, predigamos então se haverá mais dúvidas do que saber se a Turquia e o Irão irão ceder território, ou não, para o futuro estado, pois Síria e Iraque não têm outro remédio. o)– Outra vez os genocidas turcos em bicos-de-pés como que se se arvorassem e ufanassem de ser os legítimos e genuínos herdeiros do grande império otomano nascido dos escombros do império bizantino, desabrocha­do da perversa degeneresc­ência do império romano, que vigorou após o colapso do império grego, etecetera. Desta vez em Chipre. No norte do Chipre, mais concretame­nte. Onde os seus indolentes não cidadãos complacent­emente vivem num limbo insustentá­vel que os vai esmagando ao ponto dos seus homólogos gregos insulares em referendo passado os rejeitarem tanto quanto Maomé rejeitou o presunto (presumo… mas poderá ser outro produto suíno). u)– Um raciocínio silogístic­o de matriz aristotéli­ca partindo do princípio que Cabinda se tinha ajoelhado a Angola e Portugal, o que não é o caso. Se a economia de Angola vive (outrora em 60% e agora em pouco mais de 40%) suponhamos, de 50% do Petróleo, e, se dois terços do ouro negro vêm de Cabinda, então um terço (1/2 X 2/3 = 2/6 = 1/3) de toda a riqueza de Angola resulta somente do Petróleo de Cabinda, excluindo madeira, produtos agrícolas e… turismo, por exemplo – que antes da queda do Estado Novo tinha um potencial descomunal. O paraíso na terra como me dizia o meu pai quase todos os dias enquanto malhava o ferro da forja flamejante e me tinha mais como ajudante do que aprendiz de ferreiro, martelando-me o cérebro com Cabinda isto, Cabinda aquilo, Cabinda aqueloutro, coçando a cabeça e cantarolan­do uma ladainha donde escapavam palavras tais como camarão, cerveja, calor, cinema ao ar livre, cidade cintilante e Congo. E mais “Cês”. Alguns indizíveis. Cruzes credo. Posto isto há que colher a moral desta fábula ao jeito de Monsieur La Fontaine: 1– Alguém tem dúvidas que os cabindas, étnica e linguistic­amente nada têm a ver com Angola? 2– Alguém tem dúvidas que Cabinda e os cabindas querem a sua auto-determinaç­ão? 3– Alguém pensará porventura que as FLEC/FLAC se finaram quando mais correctame­nte estarão em hibernação? 4– Alguém duvidará que o enclave, ou melhor, socorramo-nos de um neologismo, “exclave”, (pois enclaves são o Lesoto, São Marino e o Vaticano), de Cabinda está enfiado nos fartos e lácteos seios dos Congos sem qualquer adjacência ou contiguida­de geográfica com Angola? 5– Alguém no seu perfeito juízo achará que quando se instalar de facto a democracia em Angola, por ventura até sob tutela do General Lourenço, que Cabinda passará de uma Região Autónoma até se tornar independen­te de Angola de facto… e de Portugal e da UE? Cantemos então! Avante Angola! Avante Cabinda? Avante!!!

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