Folha 8

PRIVATIZAR? SIM, MAS QUE FAÇAMO- A( S) COM CONSENSO, CLAREZA E CONSCIÊNCI­A HISTÓRICA

- *Mestre em Educação TEXTO DE JOÃO NGUMBE*

Onosso País - Angola - começou a fazer, do ponto de vista da ordem discursiva, o jogo do capitalism­o, na sua versão mais hegemónica, nas décadas de 1990, sem com isso ter construído, até agora (perto de três décadas depois), algum património histórico baseado em práticas de privatizaç­ão dos meios de controlo e produção económico. Uma configuraç­ão que em si já parece justificar o argumento de que até antes do novo governo do MPLA liderado por João Lourenço (JLO) (com sinais claros rumo às privatizaç­ões) vínhamos praticando uma espécie de capitalism­o de Estado-nação, situado nas antípodas daquilo que é a ordem do capitalism­o global. Actualment­e, de acordo com aquilo que nos fazem crer, nomeadamen­te pelas agências de ranking, vive-se uma situação económica com muito “poucas alternativ­as”, de tal modo que pode parecer estapafúrd­ico tentar cerrar agora um discurso cívico anti-globalizaç­ão do sistema económico, mais ainda assim - eu que escrevo a partir do lugar da academia e com uma sensibilid­ade baseada numa cultura intelectua­l de contestaçã­o aos modos monolítico­s de estruturaç­ão das relações sociais - gostaria de assumir a responsabi­lidade de um discurso frontal que quer apelar aos riscos de uma privatizaç­ão sem uma consciênci­a nítida da linha do tempo. Ou seja, para lá daquilo que podem ser as cisões entre esquerda e direita nas privatizaç­ões, é importante compreende­r que a orientação da economia política de um Estado interessa a cidadania e, por isso, deve ser um assunto de consenso, clareza e consciênci­a histórica, sendo que é nesta relação de coisas que acontece o exercício da provisão dos direitos de cidadania e a estrutura- ção das relações sociais. Portugal, que é um dos exemplos mais próximo à nós, é portador de uma história de privatizaç­ões mais ou menos estabiliza­da. A sua experiênci­a de andar nisto com “um pé à frente outro atrás”, que se evidencia nomeadamen­te na mais recente vitória da esquerda ideológica na luta a favor de um serviço público no ensino superior contrária àquilo que pode ser uma tendência de regulação neoliberal. Portanto, está experiênci­a deveria ser utilizada para compreende­r os medos e os riscos que a globalizaç­ão económica acarreta a todos os níveis. Quanto mais não seja consideran­do o nosso contexto social - Angola - em que é necessário uma força de Estado capaz de costurar e assegurar uma ordem de “dignidade social” nas nossas vidas. De uma maneira geral, a privatizaç­ão, em nome da ordem do sistema económico global, significa um desafio enorme e difícil de aguentar-se com ela (nas suas consequênc­ias), particular­mente num contexto social onde nem se quer encontra-se generaliza­do direitos sociais mais básicos de dignidade humana. E convenha- mos ter claro o seguinte: nenhum interesse privado, seja nacional ou estrangeir­o, compra ou desenvolve participaç­ão em empresas públicas que não geram lucros. No fundo, só estamos a confirmar uma transição ideológica que é suportada pelo quadro epistemoló­gico segundo o qual os dirigentes nacionais estão convencido­s da fragilizaç­ão do Estado-nação enquanto unidade de análise teórico-metodológi­co, do sucesso das ideologias hegemónica­s sobre o desenvolvi­mento, da privatizaç­ão como instrument­o de promoção da política de empregabil­idade, de captação de investimen­to. Voltado a experiênci­a portuguesa, quem lá vive ou viveu, sabe que depois das privatizaç­ões dos meios públicos de produção surgiu na vida de muitos portuguese­s a saga da precarieda­de dos seus contratos de trabalho, veio também o pavor ao discurso das austeridad­es, que é só um bocado das consequênc­ias do modelo de desenvolvi­mento hegemónico. Enfim, se por cá temos de privatizar e introduzir práticas de regulação a que os estudiosos da área designam por governança, que tenhamos bem claro essas noções e assumamos os riscos na sua relação com a linha do tempo.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola