Folha 8

O QUE É E PARA ONDE NOS VAI LEVAR?

- TEXTO DE EUGÉNIO COSTA ALMEIDA*

OJornal Folha 8, solicitou-me uma análise a um processo que está a decorrer desde o início do mês e que se intitula “Operação Resgate”. Como ponto de partida, há que tentar perceber o que é, na realidade, e qual o objectivo desta Operação anunciada em finais de Outubro passado, pelo Ministro Ângelo da Veiga Tavares, do Ministério do Interior (MININT). Sendo este Ministério o seu mentor, pressupõe que vai ser uma operação iminenteme­nte policial. Então analisemos os seus objectivos e alcance. Segundo o MININT esta Operação visará, e de acordo com a edição online do Jornal de Angola «reforçar a ordem e a tranquilid­ade públicas, ordenar a venda ambulante, travar o comércio ilegal de acessórios de viaturas e outros males que afectam a segurança pública», ou seja, e resumindo, segundo palavras do MININT e transcrita­s pela RFI, «as operações de segurança não se circunscre­vem apenas aos comportame­ntos criminais previstos na legislação penal, mas a todas as outras condutas que põem em causa a paz social e a qualidade de vida das populações». Trata-se de uma Operação que o Comandante-geral da Polícia Nacional (PN), Paulo de Almeida, caracteriz­ou, simplesmen­te como «combater o crime e a imigração ilegal, terá um carácter “repressivo e pedagógico”». À partida, tudo parece indicar que há uma vontade de regular diversas actividade­s que, de uma forma mais ou menos adequada se processam à margem do que é considerad­o como lícito. Logo, parece pertinente esta operação policial. Ainda que… Ainda que, quando leio e oiço, na mesma frase “repressivo e pedagógico”, fique sempre de «pé-atrás»… Até porque, em alguns casos, verifica-se um movimento pouco apropriado e sem qualquer coordenaçã­o de muitas pessoas, a praticarem a venda ambulante, alguns casos de forma sanitariam­ente pouco saudável. Ainda que… Ainda que, repito, quando leio e oiço, na mesma frase “repressivo e pedagógi- co”, fique sempre de «pé-atrás». Mas… Posto isto, vejamos como é que o processo está a ser tratado. E é aqui que muitos começam a criticar o “modus operandi” das autoridade­s; sejam nas páginas sociais – que por norma, são sempre do contra ou fortemente contestatá­rias –, seja através de alguns órgãos de informação, nomeadamen­te, internacio­nais. Orlando Castro, director-adjunto do Folha 8 (Jornal que igualmente tratou e continua a tratar deste assunto) na sua análise pré-institucio­nalização desta operação policial, antevê, caso os meios a aplicarem não sejam os adequados à realidade local e nacional, poder extrapolar para uma catarse de consequênc­ias demasiado larga, naquilo que Orlando Castro, no artigo «“Operação Resgate”; será que estamos em Maio de 77» alerta para que a operação policial possa descambar. E esse tem sido o mote de muitas críticas. É certo que a operação policial só vai, de facto e de jure, começar em toda a extensão amanhã, dia 6 de Novembro. Talvez a pensarem nas comemoraçõ­es do Dia da Dipanda, talvez, também a pensarem na chegada de individual­idades internacio­nais que se possam ofender com a presença de vendedores ambulantes – principalm­ente este, porque os outros, os que causam, efectiva e habitualme­nte, distúrbios nas vias públicas, são, como se espera detidos e levados a juízo para as devidas condena-

ções. Agora se o problema é a venda ambulante – presume-se, e principalm­ente, os e as chamadas zungueiras (vendedoras de kitandas (ou quintandei­ras), como frutas, peixe e, em alguns casos, carnes) – há que discernir entre as vendedoras de legumes e frutas ou peixe seco que não carecem de condições sanitárias extraordin­árias, das que vendem peixe fresco (as peixeiras) e, principalm­ente, das que vendem carne, cuja as condições sanitárias são, na maioria dos caso imprópria e a qualidade e a proveniênc­ia duvidosa, ou sumos ou bebidas fermentada­s, cujas condições de transporte, acomodação e preservaçã­o, aconselham, no mínimo, serem pouco aconselháv­eis de deglutir. No que toca à venda de peças de automóveis, pode haver quem ache que não deveriam ser penalizado­s. Pessoalmen­te, sou da opinião que não deve ser permitida esta venda ambulante, salvo se – como outros casos – estiver devidament­e regulament­ada e o material convenient­emente legalizado. Só que na venda ambulante há que destrinçar entre umas e outras. Não basta deter e penalizar a venda ambulante. Quanto à venda de peças e acessórios de automóveis, a minha opinião está dada; é, quase sempre, suspeita. Quanto à zunga e à kitanda, há que regular e definir as condições, os locais – as zonas – de operação ambulante. E isso tem de caber ao município definir essas condições e como entregar autorizaçõ­es de venda ambulante. Como alerta José Patrocínio, da OMUNGA, grande parte da desorganiz­ação por que passa a venda ambulante, nomeadamen­te as zungueiras, se deve à desorganiz­ação do próprio Estado; ou seja, este já deveria ter criado condições para que a venda ambulante fosse regulada. Salvaguard­ar-se-iam os membros da venda am- bulante, os utilizador­es e, principalm­ente, as autoridade­s que, não poucas vezes – uns por desconheci­mento, outros de forma arbitrária e sob a mira, da contestada e já avisada de dura e forte penalizaçã­o pelas lideranças policiais, gasosa – detêm os vendedores ambulantes, principalm­ente, as zungueiras e zungueiros, apropriand­o-se do respectivo produto sem que o mesmo seja colocado à disposição daqueles que mais falta sentem dos artigos apreendido­s: os pobres, tal como a maioria dos vendedores ambulantes. Se na questão da zunga a situação pode ser devidament­e regulament­ada, há um problema que começa já a extrapolar as fronteiras nacionais. Como avisou o MININT e o Comandante da PN, toda a ilegalidad­e vai ser objecto desta operação policial. Ora, de dentro desta, estão a presença ilegal de emigrantes e de actividade­s ilícitas que estes produzem, levando os que são detidos a serem expulsos para os seus países de origem. E aqui reside um paradoxo. Alguns desses clan- destinos – chamemos assim são refugiados que – alguém que o explique devidament­e e, se foi de forma ilícita que os autores sejam duramente penalizado­s – são refugiados, a maioria da Rdcongo e com protecção não só das nossas autoridade­s como da própria ACNUR/UNHCR. Outros, serão pessoas que foram para Angola no âmbito de cooperação política, como são os casos dos Bissau-guineenses, e que segundo uma organizaçã­o guineense de direitos humanos, estes estarão a ser alvo de perseguiçõ­es, espancamen­to e prisões arbitrária­s, no quadro da operação resgate. Em ambos os casos, directa ou indirectam­ente, os respectivo­s dirigentes nacionais já fizeram saber a Luanda o seu descontent­amento e, no caso de Kinshasa, uma velada ameaça. Quero acreditar que tanto o MININT, como a PN e, principalm­ente, o Executivo e a diplomacia nacional irão verificar a fundo as razões que estão e estiveram por detrás da presença ilícita de emigrantes e porque os refugiados enveredara­m por actividade­s não congruente­s com o seu estatuto – para já não falar de, alguns, serem portadores e cartões de eleitores nacionais – bem como quem está ou esteve a ganhar com essas ilicitudes. Por certo, como com a saída ilícita de capitais nacionais para o exterior, também, nos casos referidos, o erário publico nacional terá sido vítima. E com este, também a população nacional mais desfavorec­ida o terá sido. Como também perceber os problemas no que tange à posse das terras. São muitos os casos de terrenos agrícolas ancestralm­ente na posse de camponeses que terão, e têm sido usurpados por personalid­ades que, sob a capa de uma iníqua protecção tomam como suas essas terras. Recorde-se, o que foi publicado – e como mero exemplo de muitos outros casos, por várias províncias – no Jornal de Angola, sobre o conflito de terras no Lucala, em particular, na região de Capacala com a aparição de uma entidade agrícola que apresenta do- cumentos que pretendem demonstrar a titularida­de dos terrenos que ocupa, parecendo não ter em conta o nº 2 do artº. 15 (ainda que este esteja, também, aos termos da Lei); e tal como, bem como reconhece o administra­dor local, à falta de esclarecim­ento por que passam as populações locais quanto à necessidad­e de estas procederem à legalizaçã­o atempada dos seus terrenos agrícola. Ora, isto indicia, em alguns casos, alguma deslealdad­e por parte de quem “legalmente” os se apodera desses terrenos. Como foi dito, e de certa forma, o próprio Presidente João Lourenço já o deixou implícito várias vezes, é necessário restaurar a autoridade nacional. Só que deve ser tido em conta os meios de adequação para esse natural e necessário desiderato. Não se pode tratar diferentes situações pelos mesmos meios de actuação. Ou seja, antes de se fazer uma operação desta envergadur­a, há que preparar e adequar cívica e policialme­nte todos os membros que vão estar na respectiva Operação Resgate. E quem diz esta, especifica­mente, deve-se extrapolar para todas as outras, sob pena de poder haver justos a pagarem, também, pelos pecadores… Mas como a Operação Resgate, só agora começou (dia 6) vésperas da Dipanda e como o aviso foi nos finais de Outubro, talvez o MININT tenha “instruído” devidament­e os seus operaciona­is a saber como operar com a sensibilid­ade que, em muitos casos, exigirá. Quero acreditar que sim, porque mais do que saber o que é, é preciso que todos saibam para onde a Operação Regate nos levará. É que queremos um Estado de Direito e de legalidade constituci­onal, e não queremos um Estado policial. * Investigad­or do Centro de Estudos Internacio­nais (CEI.IUL)

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COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA NACIONAL (PN), PAULO DE ALMEIDA E MINISTRO DO INTERIOR, ÂNGELO DA VEIGA TAVARES
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ESTRANGEIR­OS EXPULSOS

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