Folha 8

RESGATE DA ESCRAVATUR­A

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É uma vergonha, Presidente João Lourenço. O “resgate” da Nação não se pode fazer à custa da vida e da dignidade dos angolanos, sejam eles membros do Governo ou zungueiras. Somos todos angolanos. Eu sei que, também para si, há angolanos de primeira e de segunda (talvez até de terceira). Mas daí a querer resgatar qualquer coisa, por mais nobre o relevante que ela seja, à custa da vida dos mais indefesos é um crime contra a humanidade. Mais uma vez (e já começam a ser muitas), a esperança que João Lourenço nos mostrou parece esfumar-se na troca de carrascos. A clientela tem de ser alojada e os “cristãos-novos” juram fidelidade ao novo líder da Igreja Universal do Reino de JLO. Este, com a maestria de quem domina a arte de bem comandar rebanhos de carneiros, vai tornando o país no seu reino. Talvez esses génios, os de ontem e os de hoje, os de hoje que eram os de ontem, quase todos paridos nas latrinas da mesquinhez e da cobardia, pensem que não é necessário dar corpo e alma à angolanida­de. Para João Lourenço (a “Operação Resgate” é a cereja no topo do bolo) Angola é o (seu) MPLA e o (seu) MPLA é Angola. É por isso que alimenta o ódio e a discórdia, o racismo, não reconhecen­do que a sua liberdade termina onde começa a dos outros, mesmo que sejam zungueiras. Porque não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar, permitimo-nos a ousadia (que esperamos – com alguma ingenuidad­e, é certo – compartilh­ada por todos os que respondam a esta chamada) de tentar o impossível já que – reco- nheçamos – o possível fazemos nós todos os dias… desde 11 de Novembro de 1975. Como jornalista­s, como angolanos, como seres humanos, nós cá no Folha 8 entendemos que a situação no nosso país está a ultrapassa­r todos os limites, em nada preocupand­o os que, estando no poder há 43 anos, nada fazem para acabar com a morte viva de um povo que morre mesmo antes de nascer. E morre todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos. E morre enquanto João Lourenço e o respectivo séquito de bajuladore­s cantam e riem, brincam às exoneraçõe­s e às nomeações… e às “operações resgate”. E morre enquanto outros, nos areópagos do poder em Luanda, comem lagosta. E morre enquanto outros, cerca de 20 milhões, mal sabem o que é comer. É que, saiba disso Presidente João Lourenço, queira ou não, como na guerra, o Poder é uma ilusão quando o povo morre à fome. E o nosso Povo morre de barriga vazia. Tal como está a Angola profunda, a Angola real, ninguém sairá vencedor. Todos perdem. Todos perdemos. Reconhecem­os que o próprio João Lourenço tem, de vez em quando, consciênci­a de que a sua democracia ditatorial não é uma solução para o problema angolano, sendo antes um problema para a solução. O afã exacerbado, quase patológico e necessaria­mente canibalesc­o, de João Lourenço ao permitir esta “Operação Resgate” é um grave indício daquilo que, de facto, nos querem fazer. Cremos que é, ou pode ser, pequeno o passo que é preciso dar para que os angolanos, irmãos com muito sangue derramado, se entendam para ajudar Angola a ser um país onde os angolanos sejam todos iguais e não, como agora acontece, uns mais iguais do que outros. Se nos entendemos para que Angola deixasse de ser uma gigantesca vala comum, não será difícil entender que a força da razão pode e deve substituir a razão da força. José Eduardo dos Santos não o entendeu durante 38 anos. João Lourenço disse que entendeu mas, até agora, só conseguiu substituir as raposas de Eduardo dos Santos que estavam a tomar conta do galinheiro por outras… raposas. As suas. Durante demasiados anos de guerra, os angolanos mataram-se uns aos outros. Acabada essa fase, os angolanos continuam a matar-se uns aos outros. Não directamen­te pela força das armas, mas pelo poder que as armas dão aos que querem subjugar os seus irmãos que consideram de espécie inferior. Mais do que julgar e incriminar importa, nesta altura, parar. Parar definitiva­mente. Não se trata de fazer um intervalo para, no meio de palavras simpáticas e conciliado­ras, ganhar tempo continuar o processo de esclavagis­mo, ganhar tempo para formar novos milionário­s, ganhar tempo para sabotar eleições, ganhar tempo para continuar a enganar o Povo. Convém, por isso, que a democracia, a igualdade de oportunida­des, a justiça, a liberdade e o Estado de Direito cheguem antes de alguém resolver puxar o gatilho. Esperamos que disso se convença João Lourenço, um angolano que certamente não se orgulha de ser presidente de um país onde os angolanos são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome. Ou será que se orgulha?

Como jornalista­s, como angolanos, como seres humanos, nós cá no Folha 8 entendemos que a situação no nosso país está a ultrapassa­r todos os limites, em nada preocupand­o os que, estando no poder há 43 anos, nada fazem para acabar com a morte viva de um povo que morre mesmo antes de nascer

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OPERAÇÃO RESGATE” TEM REGISTADO A EXPULSÃO DE MILHARES DE ESTRANGEIR­OS EM ANGOLA

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