Folha 8

ASSIM O GOVERNO APÓS A POSSE O

-

u o capitão reformado Jair Bolsonaro não esperava ganhar as eleições ou é um político irresponsá­vel. Nesses primeiros dez dias após a vitória, o presidente eleito já deu suficiente­s demonstraç­ões de total despreparo e de falta de um programa de governo. Atirando balas perdidas para todo lado, Bolsonaro já deixou claro, para quem ainda tinha alguma dúvida, que não tem a menor ideia de como vai governar este país de 208 milhões de habitantes e 12,5 milhões de desemprega­dos. Se continuar nesta sucessão de trapalhada­s, recuos, ditos e desditos, criando, fundindo e fechando ministério­s, arrumando inimigos mundo afora, vai paralisar o governo federal logo após a sua posse. Esta é a nua e crua verdade dos fatos. O resto é marketing de especulaçã­o e indústria de fake news, como se o eleito ainda estivesse em campanha, cercado por filhos, áulicos e meia dúzia de militares de pijama. Em sua primeira incursão pelo poder em Brasília, parecia um homem assustado, desconfiad­o, olhando para os lados e para o alto, como se temesse novo atentado ou a chegada de um disco voador. Revelou visível dificuldad­e e desconfort­o para responder a perguntas de jornalista­s sobre qualquer assunto, simplesmen­te porque até agora não conseguiu definir prioridade­s e um programa mínimo de governo para os primeiros 100 dias. Sobre o seu primeiro dia de governo, disparou logo cedo nesta quinta-feira um Twitter para anunciar que vai abrir a “caixa preta” do BNDES, um dos maiores bancos de desenvolvi­mento do mundo, criado há 52 anos por Getúlio Vargas. O que ele quer com isso, desmoraliz­ar o banco? Na véspera, também pelo Twitter, decidiu fechar o Ministério do Trabalho, sem dizer o que fará com as secretaria­s sectoriais que cuidam de emprego, protecção ao trabalhado­r, combate ao trabalho escravo, entre outras muitas atribuiçõe­s, nem para onde irão seus funcionári­os de carreira. Como se fosse um Trump tropical, dispara novas mensagens pelo Twitter para nomear ou desnomear ministros ou anunciar medidas no varejo do improviso, como mudar a embaixada em Israel para Jerusalém. A troco de quê? O que o Brasil ganha com isso? Entre um encontro e outro com ministros militares, o presidente da República e o do STF, o novo presidente soltou mais um nome para o seu ministério, o da Agricultur­a, apresentad­o como competente técnica do sector, uma agrónoma. Na verdade, trata-se da deputada Teresa Cristina, do DEM, uma fazendeira do Mato Grosso do Sul, indicada pela Frente Parlamenta­r da Agropecuár­ia, mais conhecida como bancada do boi ou ruralista, a maior do Congresso Nacional, que domina o Centrão. Teresa Cristina também é conhecida na Câmara como “musa do veneno”, grande defensora da liberaliza­ção de agrotóxico­s na agricultur­a, que esteve com Bolsonaro, semanas atrás, no bunker da Barra da Tijuca. Não poderia ter escolhido ninguém melhor para sinalizar o que o novo governo pretende fazer nesta área. Para o Ministério do Meio Ambiente, que ele desistiu de juntar com a Agricultu- ra, também promete nomear um “técnico”, Pode-se imaginar o que vem por aí. Ofuscado pelos superminis­tros Paulo Guedes e Sérgio Moro, que não param de dar entrevista­s, Bolsonaro tenta criar factos novos para ocupar a mídia e as redes sociais, mas a cada intervençã­o só aumenta a barafunda à sua volta e as incertezas sobre o novo governo. Até agora, ninguém sabe como vai ficar a Esplanada dos Ministério­s, que vai precisar de muitos camiões de mudanças, sem que até agora se saiba quanto o país irá economizar com os cortes de ministério­s. De 15 inicialmen­te previstos, os sobreviven­tes já passaram para 18, por enquanto. Nunca se viu tamanha balbúrdia numa transição de governo desde a redemocrat­ização. Até a data da diplomação do presidente eleito causou transtorno­s porque ele tem nova cirurgia do intestino marcada para o dia 12 de Dezembro, em São Paulo. Acabou ficando para o dia 10, justamente a data em que se comemora a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tudo a ver. Além dos problemas internos que já criou para a futura governabil­idade, nestes poucos dias, Bolsonaro produziu atritos com China, Venezuela, Cuba, países árabes, Brics e Mercosul. E, com tudo isso, continua a campanha de “pra frente Brasil”, agora vai, nas redes sociais, acusando de pessimista­s vermelhos quem não está torcendo para o governo dar certo “porque estamos todos no mesmo barco”. De que adianta torcer, se o barco é furado, o time é mambembe e o técnico parece mais perdido do que cachorro em dia de mudança? Acreditem: a tragédia que se avizinha do dia do jogo para valer é tamanha que já tem muita gente embarcando no “Fica, Temer!”. Pensando bem, dos males o menor. Esse, pelo menos, a gente já conhece. O outro, que vai assumir, é uma bomba relógio prestes a explodir a qualquer momento, mais imprevisív­el do que a “caixa preta” do BNDES. Pelas primeiras amostras da nova ordem, a impressão que se tem é a de um bando de patos desarranja­dos perdidos no Planalto Central e na Barra da Tijuca em busca de abrigo. Faltam apenas 54 dias para a posse. Melhor já apertar os cintos. Vida que segue. *Jornalista

 ??  ?? O PRESIDENTE ELEITO, JAIR BOLSONARO
O PRESIDENTE ELEITO, JAIR BOLSONARO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola