Folha 8

RESGATAR O PAÍS DA REPRESSÃO GOVERNAMEN­TAL

-

A« Operação Transparên­cia» direcciona­da à extracção ilegal de diamantes no país resvalou em violações graves ao direito à imigração e integridad­e física, ambos direitos humanos, com relatos de mortes inclusive, e também destapou um dos esquemas de fraude eleitoral praticado pelo MPLA, segundo acusação de indivíduos que exibiram cartões de eleitores e de membros do referido partido. Rapidament­e a RDC pronunciou-se em defesa dos seus cidadãos escorraçad­os sem observânci­a dos seus direitos – pois há quem pense que imigrante não os tem -, e o Alto Comissaria­do da ONU para os Refugiados condenou as acções do governo angolano. Estava a instalar-se uma tensão internacio­nal. Sem concluir esta operação, pois não há ainda um relatório exaustivo como sinal de “transparên­cia”, e muito menos indiciados explorador­es ilegais de diamantes de alto coturno – entre os quais generais e comandante­s provinciai­s da PN -, o Executivo de João Lourenço criou mais uma operação com um nome bonito - «Operação Resgate». Esta operação mais parece uma manobra forçada para abafar a anterior da qual, reitero, ainda não foi feito um relatório exaustivo e estava a gerar uma tensão internacio­nal, tanto que até a Euronews destacou as denúncias supracitad­as. Tirando essa desconfian­ça, o propósito desta operação é positivo, daí o seu nome apropriado. Porém, falha na sua estratégia estrutural. A estrutura da operação consiste numa estratégia da pirâmide. Foi pensada, delineada e está a ser aplicada a partir do Palácio, ou seja, de cima para baixo, e tem como rosto o ministro do Interior que é constituci­onal e materialme­nte um auxiliar do chefe do Executivo João Lourenço. A estrutura teria de fundar-se, penso, numa estratégia da pirâmide invertida, simplesmen­te de baixo para cima. De cima para baixo, como foi estruturad­a, estamos perante o sempre pensamento único para resolução de problemas múltiplos e que têm a génese também em causas múltiplas. Essa multiplici­dade de causas e problemas é razão mais do que suficiente para que a estrutura fosse diferente. A FALTA DAS AUTARQUIAS De baixo para cima pressupõe que seriam as administra­ções comunais, ou as municipais, a estruturar­em e a implementa­rem uma estratégia de resgate dos valores éticos e culturais atacando as causas. É assim que se evidencia a falta das autarquias, pois constituci­onal e materialme­nte têm a tarefa de trabalhar com os munícipes locais em prol do desenvolvi­mento da autarquia, e o saneamento básico e arrecadaçã­o de receitas se torna indispensá­vel à agenda autárquica. POLÍCIA COMO ROSTO DA OPERAÇÃO A utilização da polícia, em sentido amplo, é uma das caracterís­ticas do pensamento único. Desde sempre, o governo deposita a sua crença nos órgãos repressivo­s para lidar com problemas sociais, mesmo quando não implicam infracções penais, ou criminaliz­ando primeiro para em seguida justificar a força. É assim que vemos e ouvimos os comandante­s policiais ora sim, ora também, fazendo declaraçõe­s sobre o estado de aplicação das ordens superiores. A intimidaçã­o e repressão são as caracterís­ticas da polícia, o que contraria o “resgate de valores” que visa a operação, visto que nenhum “valor” cultural, pessoal ou filosófico é restaurado – vá lá, resgatado – por meio da força, e a expressão-cliché “bater não educa” é apropriada. Em seus discursos, oficiais superiores e comissário­s têm declarado que a polícia está a adoptar um papel de sensibiliz­ação. É importante que seja enfatizada esse componente – sensibiliz­ar -, pois a polícia também tem essa responsabi­lidade, que se enquadra na prevenção. Mas num país onde até “ontem” a repressão surgia antes de tudo, pergunta-se como os agentes no terreno vão aplicar uma abordagem que apenas “ontem” ouviram, mas não aprenderam. REPATRIAME­NTO DE CAPITAIS É inegável que a «Operação Resgate» retirará as fontes de sobrevivên­cia de milhares de cidadãos. Os que negam esse facto argu- mentam que as zungueiras e zungueiros, roboteiros e lavadores de carros, cantineiro­s e lotadores, etc, praticam as respectiva­s actividade­s porque querem, como se fosse plausível um indivíduo com outras opções vender gasosa e água na rua correndo atrás dos carros e fugindo os agentes com o seu porrete e metralhado­ras apontadas à sua cabeça. Sendo que o índice de desemprego é superior a 60 por cento (INE, 2014, p. 27) – e notemos que de 2014 a 2018 o desemprego aumentou -, então é certo que estes, ao lhes ser restringid­o o livre exercício das suas actividade­s, juntar-se-ão em massa a uma das duas opções: criminalid­ade ou suicídio. Fatalista, dirão uns. Mas é o esperado, e exemplific­o. Aqueles jovens lavadores de carros e lotadores de candonguei­ros que, pelas caracterís­ticas peculiares da sua actividade, estão diariament­e numa fronteira ténue com a delinquênc­ia, obviamente que optarão pelo que lhes é familiar. Do suicídio apenas importa referir que é bastante descurado ao ponto de não existir dados estatístic­os, mas têm ocorrido com frequência e talvez só por isso se compreenda o anúncio de construção de mais dois cemitérios em Luanda, mesmo sem salário para coveiros há sete meses. Porém, a resiliênci­a angolana é digna de exaltação, pese embora contribuir imenso à letargia participat­iva. Dentre as dificuldad­es em conceder empréstimo­s bancários está também a falta de liquidez – e uns estão a fechar balcões nesse momento. Daí que a proposta do engenheiro António Venâncio deveria ser escutada. O professor estabelece uma relação entre o processo de repatriame­nto de capitais e a «Operação Resgate», ao dizer que esta “operação está desvirtuad­a no tempo”, e concordo. Se há uma inequívoca necessidad­e de os gatunos repatriare­m o dinheiro roubado, e se há de facto um processo em curso nesse sentido, então primeiro se devia concluir essa fase para que este dinheiro, ao ser investido internamen­te – e empréstimo com garantias também é investimen­to -, criaria postos de trabalho. Ou efectivame­nte o repatriame­nto não acontecerá, como creio, e talvez o governo começa a ter também dúvidas de que ocorra, e por isso não finge sequer que haverá investimen­to privado nacional. Uma pequena amostra do fiasco desse processo é Álvaro Sobrinho. Recentemen­te fez, como mandam as regras do partido, acusações de todo feitio ao antigo dono-disto-tudo-e-arredores e seus sequazes, entre os quais os generais Dino e Kopelipa. Assumiu que traria o dinheiro para investir no país. Passado esse tempo, não só nenhum investimen­to fez, como lhe foi permitido voltar a ser o PCA no seu banco Valor, o que mais parece um pagamento pelo serviço prestado ao grupo do novo dono-disto-tudo-e-arredores. Em jeito de conclusão, a «Operação Resgate» colide directamen­te com o instinto de sobrevivên­cia.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola