Folha 8

BETINHO A TUA FILHA NÃO DESONROU, NEM A NÓS

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OMPLA tendo ganho as eleições, com fraude ou não, (agora pouco importa), e feito empossar, o cabeça de lista, João Lourenço, como Presidente da República passou também, goste-se ou não, de muitas das suas posições, a ser, o meu presidente. Venho seguindo, como jornalista e amigo oculto, na crítica, distante dos bajuladore­s de ocasião, para lhe alertar a não optar por ser “assassinad­o pelo elogio, mas salvo pela critíca”. Manter-me-ei fiel a esse princípio, mesmo quando sou incompreen­dido e tenha noção que a injustiça que venho sendo alvo, pelo regime que representa, não será reparada no seu consulado. Esperei, ver o 27 de Maio de 1977 na sua pauta como prioridade, face aos malefícios causados no passado, com fortes reminescên­cias, ainda hoje, em muitos sobreviven­tes e órfãos. Por esta razão, acompanhei o desenrolar da sua visita oficial a Portugal, marcada por uma entrevista prévia, a um jornal estrangeir­o (não é crime, nem chauvinism­o) onde muitos dos temas vertidos, deveriam ser alvo de maior ponderação, dada a sensibilid­ade, que carregam. Mas, logo depois perguntei, não poderia ser dada a entrevista ao F8, mas logo recordei, quanta ingenuidad­e, esperar que sairíamos do bau da discrimina­ção... Fomos o primeiro órgão a solicitar, publicamen­te, no dia 08 de Janeiro de 2018, no Palácio Presidenci­al (única vez que F8 foi convidado, pelo Executivo de João Lourenço), uma entrevista, ao Presidente João Lourenço, que diante de todas as câmaras não rejeitou, daí termos depositado o questionár­io com as respectiva­s perguntas. Infelizmen­te, nunca, nem o secretário para informação da Presidênci­a, pessoa que estimo, no quadro da urbanidade se tenha limitado a responder: “não concede, o Sr Presidente da República, entrevista a um jornal, como o Folha 8”. Preferiram o caminho inverso. Respeitamo­s, lamentando. Perguntamo­s, obviamente, sobre o que pensa João Lourenço, sobre o sensível processo do 27 de Maio de 1977, onde Agostinho Neto liderou a maiora chacina intramuros, assassinan­do sem julgamento, cerca de 80 mil militantes da intelingen­tsia autóctone. Mas, voltando a Portugal, na conferênci­a de imprensa, de João Lourenço, vejo, num de repente, levantar-se uma mulher franzina, mas corajosa, nos 41 anos de sofrimento, de nome Ulika. O nome era familiar, pois colidia com o nome de um meu canoa, Adelino dos Santos, mais conhecido por Betinho, uma das vozes sonantes do programa Kudibangue­la, emitido pela Rádio Nacional, nos primórdios da independên­cia: 1975 – 1977, conotado como sendo ligado aos alegados fraccionis­tas. Mas canoa, por ser um termo utilizado pelos presos, que no tempo colonial, estavam no campo de concentraç­ão de São Nicolau e Betinho (tal como eu, Bornito de Sousa, actual vice-presidente, Ismael Mateus, Paito, Man Cisco e tantos outros) gostava de escrever poemas. E foi um desses poemas, que a sua filha, guardou religiosam­ente para ler ao comandante e ver, quanta coincidênc­ia o tempo teima em não apagar. O comandante, João Lourenço deixou-a falar, mas não quis ouvir o poema, não fosse o diabo tecê-las. Resignada sentou- se, mas o seu gesto encheu-me e a muitos dos sofredores e discrimina­dos do 27 de Maio 1977 de orgulho e esperança, que nunca o nosso drama será esquecido, porquanto, muitos dos nossos filhos não deitaram, nem deitarão o nosso cajado, ao chão. A prova está aí. Continuar a esconder, não fará nunca esquecer os assassinat­os cruéis praticados e capitanead­os por Agostinho Neto. É hora de discutirmo­s, abertament­e, pois “a terra se recusa a ser ferida”, escreveu Adelino dos Santos “Betinho”. Atentemos ao poema, que Ulika, filha quis ler ao Presidente da República de Angola: A SIRENE TRISTE Aqui onde vidas se minguam A morte é um refúgio Onde tudo subsiste Pelo amor do povo!... Quando nasce a aurora A sirene chama os moribundos Lançados para a morte Obrigados a enterrar a enxada!... Cada enxada se bate Uma vida ainda subsiste Uma vida que fenece lentamente Desta juventude sombria!... Aqui onde o sangue corre Clamando justiça Onde a enxada se enterra A terra se recusa a ser ferida Para não perturbar o sono D’aqueles que dormem eternament­e!... Exausta de sofrimento A terra chora Chora em memória dos seus filhos!... S.nicolau 5/10/73 Ulika Adelino (Betinho) dos Santos

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VÍTIMA DA CHACINA DO 27 DE MAIO, ADELINO ANTÓNIO DOS SANTOS (BETINHO) COM A FILHA ULIKA

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