Folha 8

VERGONHA À MEDIDA DO MPLA

- ‘OPERAÇÃO RESGATE

Tal como aqui se escreveu no dia 3 de Novembro, a “Operação Resgate” assemelha-se a uma espécie de purga, de limpeza e extinção de angolanos pobres, de algo que, aos mais velhos, recorda um tenebroso dia de 1977. Mais exactament­e o dia 27 de Maio… A “Operação Resgate” é uma espécie de “lei marcial” para pôr o país em “estado de sítio”, doa a quem doer. Palavra do Presidente da República. Alvos? Sobretudo os angolanos e angolanas pobres que, julgando terem direito a viver, tudo fazem para de forma honesta arranjar alguma coisa para dar de comer aos filhos. O Governo, mais este do que os anteriores – muito mais este -, entende que se esses angolanos não conseguem viver sem comer, então não servem para viver. Como líder de uma casta superior, João Lourenço entende que é mais fácil acabar com os pobres do que acabar com a pobreza. Vai daí, põe novamente a sua enormíssim­a razão da força nas ruas para, sem apelo nem agravo, mandar a força a razão para uma qualquer vala comum. Mais uma vez assiste-se à reedição do que o poeta António Jacinto escreveu sobre os piores tempos do colonialis­mo. Ou seja, os angolanos, sobretudo mulheres e homens pobres e desemprega­dos, vão ser varridos da sociedade e em paga receberão – na melhor das hipóteses – “desdém, fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinquenta angolares e porrada se refilarem”. Desta vez, contudo, a ditadura populista e demagógica de João Lourenço, terá de enfrentar a oposição pacífica de todos quantos, apesar de terem alguma coisa na barriga, não esquecem os seus irmãos que, por manifesta e cri- minosa incapacida­de e incompetên­cia do Governo do MPLA (há 43 anos no Poder), são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome. O Povo vai sair à rua. Tem de sair à rua. Poderemos morrer de barriga vazia, mas morremos a lutar. Mas, mesmo morrendo, não seremos derrotados porque só é derrotado quem deixa de lutar. E haverá sempre vivos dispostos a lutar. Lutar de forma pacífica… se isso for possível. Já lá vai um ano. Os ortodoxos seguidores de João Lourenço (que ontem, tal como o próprio JLO, eram incondicio­nais seguidores de José Eduardo dos Santos) não conseguem deixar a todos nós angolanos algo mais do que a pura expressão da cobardia que, entre outras coisas, faz com que milhões de angolanos tenham pouco ou nada, e poucos tenham muitos milhões. É uma vergonha, Presidente João Lourenço. O “resgate” da Nação não se pode fazer à custa da vida e da dignidade dos angolanos, sejam eles membros do Governo ou zungueiras. Somos todos angolanos. Sabemos que, também para si, há angolanos de primeira e de segunda (talvez até de terceira). Mas daí a querer resgatar qualquer coisa, por mais nobre o relevante que ela seja, à custa da vida (e dos bens) dos mais indefesos é um crime contra a humanidade. Mais uma vez (e já começam a ser muitas), a esperança que João Lourenço nos mostrou parece esfumar-se na troca de carrascos. A clientela tem de ser alojada e os “cristãos-novos” juram fidelidade ao novo líder da Igreja Universal do Reino de JLO. Este, com a maestria de quem domina a arte de bem comandar rebanhos de carneiros, vai tornando o país no seu reino. Talvez esses génios, os de ontem e os de hoje, os de hoje que eram os de ontem, quase todos paridos nas latrinas da mesquinhez e da cobardia, pensem que não é necessário dar corpo e alma à angolanida­de. Para João Lourenço (a “Operação Resgate” é a cereja no topo do bolo) Angola é o (seu) MPLA e o (seu) MPLA é Angola. É por isso que alimenta o ódio e a discórdia, o racismo, não reconhecen­do que – mesmo sendo Presidente – a sua liberdade termina onde começa a dos outros, mesmo que sejam zungueiras. Porque não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar, permitimo-nos a ousadia (que esperamos – com alguma ingenuidad­e, é certo – compartilh­ada por todos os que respondam a esta chamada) de tentar o impossível já que – reconheçam­os – o possível fazemos nós todos os dias… desde 11 de Novembro de 1975. Como jornalista­s, como angolanos, como seres humanos, nós cá no Folha 8 entendemos que a situação no nosso país volta a ultrapassa­r os limites, em nada preocupand­o os que, estando no poder há 43 anos, nada fazem para acabar com a morte viva de um povo que morre mesmo antes de nascer. E morre todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos. E morre enquanto João Lourenço e o respectivo séquito de bajuladore­s cantam e riem, brincam às exoneraçõe­s e às nomeações… e às “operações resgate”. E morre enquanto outros, nos areópagos do poder em Luanda, comem lagosta. E morre enquanto outros, cerca de 20 milhões, mal sabem o que é comer. É que, saiba disso Presidente João Lourenço, queira ou não, como na guerra, o Poder é uma ilusão quando o povo morre à fome. E o nosso Povo morre de barriga vazia. Tal como está a Angola profunda, a Angola real, ninguém sairá vencedor. Todos perdem. Todos perdemos. Reconhecem­os que o próprio João Lourenço tem, de vez em quando, consciênci­a de que a sua democracia ditatorial não é uma solução para o problema angolano, sendo antes um problema para a solução. O afã exacerbado, quase patológico e necessaria­mente canibalesc­o, de permitir esta “Operação Resgate” é um grave indício daquilo que, de facto, nos querem fazer. Cremos que é, ou pode ser, pequeno o passo que é preciso dar para que os angolanos, irmãos com muito sangue derramado, se entendam para ajudar Angola a ser um país onde os angolanos sejam todos iguais e não, como agora acontece, uns mais iguais do que outros. Se nos entendemos para que Angola deixasse de ser uma gigantesca vala comum, não será difícil entender que a força da razão pode e deve substituir a razão da força. José Eduardo dos Santos não o entendeu durante 38 anos. João Lourenço disse que entendeu mas, até agora, só conseguiu substituir as raposas de Eduardo dos Santos que estavam a tomar conta do galinheiro por outras… raposas. As suas, algumas repescadas do elenco anterior. Durante demasiados anos de guerra, os angolanos mataram-se uns aos outros. Acabada essa fase, os angolanos continuam a matar-se uns aos outros. Não directamen­te pela força das armas, mas pelo poder que as armas dão aos que querem subjugar os seus irmãos que consideram de espécie inferior. Mais do que julgar e incriminar importa, nesta altura, parar. Parar definitiva­mente. Não se trata de fazer um intervalo para, no meio de palavras simpáticas e conciliado­ras, ganhar tempo e continuar o processo de esclavagis­mo, ganhar tempo para formar novos milionário­s, ganhar tempo para sabotar eleições, ganhar tempo para continuar a enganar o Povo. Convém, por isso, que a democracia, a igualdade de oportunida­des, a justiça, a liberdade e o Estado de Direito cheguem antes de alguém resolver puxar o gatilho. Esperamos que disso se convença João Lourenço, um angolano que certamente não se orgulha de ser presidente de um país onde os angolanos são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome. Ou será que se orgulha?

(*) Com Lusa

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