A SORTE PROTEGE OS AUDAZES?
Apromessa de um combate sem tréguas à corrupção fez de João Lourenço um paradigma de estadista. Se a enciclopédia de boas intenções fez o mundo, sobretudo lusófono, ajoelhar-se perante o novo messias, o que acontecerá se ele conseguir cumprir essa, como muitas outras, promessa? Se ao anterior líder, José Eduardo dos Santos, se chamou o “Escolhido de Deus”, que designação se dará a João Lourenço? Talvez, quem sabe, apenas “Deus”… Mas poderá João Lourenço ter sucesso nessa luta? Poder até pode. Mas será que a comunidade internacional está interessada nesse êxito, quando se sabe que a estratégia lucrativa das empresas, governos e similares do Ocidente são os responsáveis pela corrup- ção em Angola? O combate à corrupção, de uma forma geral e na Lusofonia em particular (de Portugal a Timor-leste passando pelo Brasil), continua a ser um simulacro. Apesar dos “esforços”, traduzidos na produção de legislação, muitas das leis supostamente tendentes a concretizar esse combate estão viciadas à nascença, com graves defeitos de concepção e formatação, o que as torna ineficazes. De facto, não tanto de jure, o combate à corrupção está enfraquecido por uma série de deficiências resultantes da falta de uma estratégia internacional de combate a esta criminalidade complexa. Nenhum Governo até hoje estabeleceu, objectivamente, uma política de combate à corrupção no seu programa eleitoral, limitando-se apenas a enumerar um conjunto de considerandos vagos e de intenções simbólicas. Isso nos que se dão ao luxo de falar de corrupção. Mas do que é que estávamos à espera? Que os corruptos lutassem contra a corrupção que, aliás, é uma das suas mais importantes mais-valias? E mesmo que anunciassem medidas, nunca seriam para cumprir. Poderá não ser o caso, hoje, de Angola. Mas Angola não está isolada. Quase todas as iniciativas legislativas tomadas não têm travado a corrupção, nem têm diminuído o destaque desde fenómeno na comunicação social, nem têm alterado a percepção sobre a incidência e extensão da corrupção nas diferentes sociedades. Em matéria de Imprensa, reconheça-se a nossa incapacidade (mais de uns do que outros, obviamente) em acompanhar o que se passa a montante, isto é, os processos de produção de legislação. Raramente se denuncia a má qualidade dos diplomas, muitos deles concebidos para tornar as vítimas culpadas até prova em contrário. Na política existe uma total irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores e as promessas de combate à corrupção são cobertas por leis que permitem o branqueamento de capitais e por declarações de rendimentos (quando existem) de interesses que não correspondem à realidade. Somados, estes factores resultam na falta de honestidade para com os cidadãos e pela falta de sancionamento das irregularidades praticadas pelos políticos. Para acabar com esta realidade, sugere-se numa verdadeira e perene pregação no deserto – por exemplo – uma maior fiscalização da parte do Parlamento (também ele o alfobre da corrupção) aos registos de interesses de deputados e membros do Governo, bem como o alargamento
do regime de incompatibilidades aos membros que integram os gabinetes governamentais. Isto é que é ingenuidade, não é? Muitos portugueses, mais do que os brasileiros, têm (já tiveram mais) a lata de criticar a corrupção em Angola, quase esquecendo que os poderosos donos do país aprenderem (e se calhar até já são melhores) com os mestres portugueses. Ao nível simbólico, abstracto, toda a gente condena a corrupção, mas ao nível estratégico, no quotidiano, as pessoas acabam por pactuar com a corrupção, até nos casos mais graves, de suborno, como diz o politólogo Luís de Sousa, co-autor, com João Triães, do livro “Corrupção e os portugueses: Atitudes, práticas e valores”. Não sei o que se chamará ao facto de quando alguém se candidata a um emprego lhe perguntarem se é do MPLA. Será corrupção? E quando dizem que “se fosse filiada no partido teria mais possibilidades”? Ou quando se abrem concursos para cumprir a lei e já se sabe à partida quem vai ocupar o lugar? “A estrutura de poder actual é, basicamente, a estrutura de poder do doutor Oliveira Salazar. É uma estrutura que se mantém e nos asfixia”, diz Paulo Morais, realçando que, enquanto perdurar esta lógica, “os grandes interesses ficam na mão do grande capital”. E quem tem força para contrariar o sistema sem, quando der por isso, estar enredado dos pés à cabeça, encostado à parede? Nesta matéria as similitudes entre Portugal, Brasil e Angola são mais do que muitas. Afirmar que os níveis de corrupção existentes em Angola superam tudo o que se passa em África, conforme relatórios de organizações internacionais e nacionais credíveis, é uma verdade que a comunidade internacional, Portugal e Brasil incluídos, reconhece mas sem a qual não sabe viver. Isto para além da falta de moral para falar do assunto. Aliás, basta ver como os políticos e as grandes empresas, portuguesas e brasileiras, fizeram de José Eduardo dos Santos um estadista bestial como forma de fazerem chorudos negócios… até com a venda limpa-neves. Acresce que esses mesmos políticos e empresários passaram Dos Santos de bestial a besta, dando agora louvaminhas a João Lourenço. Com este cenário, políticos e empresários de todos os lados dizem ao novo dono do poder angolano, João Lourenço, que é preciso acabar com a corrupção. Acrescentam, contudo, que ele deve olhar para o que eles dizem e não para que fazem. Em “off” explicam que acabar com a corrupção é o mesmo que acabar com as vogais na língua portuguesa. Seja como for, a corrupção pode ser uma boa saída para qualquer a crise. Isto porque, como demonstraram os empresários e políticos portugueses, brasileiros e angolanos, é muito mais fácil negociar com regimes corruptos do que com regimes democráticos e, sobretudo, sérios. As elites angolanas (exclusivamente ligadas ao MPLA, incluindo João Lourenço) usarem para proveito próprio a guerra civil que tudo justificava, que tudo cobria, que tudo explicava. Os governos ocidentais estavam nessa altura, como continuam a estar hoje, apenas preocupados em proteger os interesses das suas empresas, nada interessados em ajudar Angola a ser uma democracia e um Estado de Direito. Segundo a Global Witness, a guerra serviu para enriquecer a elite que controla o poder em Angola por meio de “altamente organizados abusos económicos envolvendo a apropriação e o saque em larga escalas dos bens do Estado”. A paz, por sua vez, serviu para essa mesma elite ampliar as suas riquezas. Isto para além de ter servido igualmente para essa mesma elite ajudar a aumentar o número de pobres (são hoje 20 milhões) e a torna-los ainda mais pobres. Recorde-se que até o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial esconderam, mascararam e maquilharam as suas relações com o governo angolano, o mesmo desde 1975 (MPLA).