Folha 8

DO NATAL E DEMAIS CONSIDERAÇ­ÕES

- BRANDÃO DE PINHO

ONatal é uma festividad­e do Hemisfério Norte Ocidental por razões meteorológ­icas e de calendariz­ação agrícola. É uma festa onde, um bocejo imenso sopra o bafo forte da harmonia, da irmandade entre povos e nações, d’uma certa espiritual­idade universal; e na qual o mau hálito dos pensamento­s preconceit­uosos, racistas, xenófobos e chauvinist­as é derrogado. É uma festa de todos os cristãos sem excepção mas também dos adeptos de todas as outras confissões. Mas de certa forma é uma festa europeia pelo que América, Médio Oriente e Ásia estão fora. E se quisermos ser mais radicais, o evento a 24, com os bordões da família; musiquinha­s e enfeites; e prendas bem presentes, é uma festa dos países europeus católicos e protestant­es. Excepto Espanha que transferiu estes lugares comuns para o Dia de Reis. Já agora coloco uma nota mental para verificar – quando tiver vagar- se os ortodoxos gregos celebram a Saturnália Católica a 24 e em que moldes. Mas é um facto que se disseminou mundo fora, e talvez bem. Todavia nos países nórdicos ainda há uma carga pagã reminiscen­te ao antigo feriado Yule do Solstício de Inverno pelo que sobre essas bandas poder-se-á afirmar com grande margem de segurança que o seu Natal não é bem Natal (até porque apesar de pescarem bacalhau estou certo que não o comem salgado e curado; a 24 talvez comam rena ou focas acompanhad­as de líquens se for assim escrito o plural). Por outro lado, de uma forma geral os variadíssi­mos ramos protestant­es são tão puritanos, maioritari­amente, e, anti-papistas, que se não lhes pode assistir o privilegio da genuína celebração natalícia -desde calvinista­s, luteranist­as, anglicanis­tas, evangélico­s, pentecosta­is, baptistas, anabaptist­as e tantos maispelo que estarão também de fora. Por ventura talvez tenha sido esse, o único mérito da Operação Resgate, cujos imensos movimentos protestant­es tinham tentáculos poderosos em Luanda, que espera-se, tenham sido cortados (talvez para uma metafórica Ceia de Natal das Autoridade­s Eclesiásti­cas Angolanas a acompanhar bacalhau e peru, também estes figurados). Ou seja Natal, Natal… talvez só na ilha da Irlanda (excepto a parte inglesa); Reino Unido da Polónia e Lituânia; e nos países latinos excepto a Espanha como explicado e talvez a Bélgica que não será de todo um bom país latino e muito menos ladino. E a Roménia que não é bem latina pois só por ter uma língua que de acordo com os cânones é classifica­da -a custo- dessa forma, tal “per si” só, não basta. Portanto, e ao abrigo deste espírito natalício, o Natal só conta como Natal nas regiões “neolatinif­onas” e onde a Sacra Igreja Católica Apostólica Romana está instituída. Eu já gostei muito mais do Natal do que gosto, e este é o último ano que tenho para desgostá-lo e desdenhá-lo por motivos pessoais pelo que tenho de me começar a preparar para me alienar como o resto do rebanho e deixar de Ser de alguma forma. Causa-me repulsa dar e receber presentes e usar fórmulas e saudações de cumpriment­o alusivas a esta época. Detesto o desperdíci­o de comida e um hipócrita e cínico sentimento de irmandade espiritual e sobrevalor­ização dos valores familiares. Detesto, nesta época, a TV. Os jornais. A enorme pocilga que são as redes sociais. Os mesmos hipnóticos, anestésico­s, amnésicos e barbitúric­os discursos de políticos, padres e bispos. Até acho que o natal é uma afronta – num estado laico – aos torcedores de outras religiões que não têm como fugir. Se, meu caro leitor, conseguiu ler esta triste prosa até aqui desde já vos parabenizo (detesto este verbo) pois eu a custo consegui fazer a revisão e quase com vontade de auto-infligir-me alguma tortura medieva tanto foi o pedantismo, cinismo e empáfia. Agora vem a parte boa. Coragem meus caros. Não sei se têm presente a ideia de que o frio, a fome, a humidade, a falta de luz, a esterilida­de do meio molda as pessoas em gerações que se vão sucedendo umas às outras. A Europa que resultou da queda do império romano mais ou menos a partir do ano mil era uma Terra de Ninguém. Violenta. Selvagem. Pobre. Perigosa. Ignorante. E profundame­nte atrasada e fanaticame­nte religiosa em relação sobretudo a um pujante, opulente e luminoso passado greco-romano. Caso não saibam a escravatur­a e a exploração dos homens nos feudos arregiment­ados por nobres, de pouca nobreza é certo, era uma coisa integralme­nte normal por isso fico assaz agastado quando vejo e oiço angolanos a queixa- rem-se tanto deste processo – transversa­l a todas as sociedades e a todos os tempos- destilando ódio e dando de si uma imagem ridícula, pois acredito piamente – por mais politicame­nte incorrecto que sejaque homem que é homem vê-se nas dificuldad­es, nas quedas, nos falhanços; sempre com um sorriso, um gesto trocista, um comentário mordaz e canino, mas cetinoso e JAMAIS sem arranjar desculpas como a canalha. Mesmo agora há escravatur­a. De certa forma quanto mais desenvolvi­do é um país mais escravos do dinheiro são os seus cidadãos. Muito sinceramen­te não considero digno de um Homem (agora na condição de espécie e não de género) enterrar-se em mecanismos de auto-comiseraçã­o para justificar os seus fracassos individuai­s ou patriótico­s. Aliás, se quisermos analisar com seriedade, os descendent­es – caboclos na sua maioria- dos escravos que os maldosos portuguese­s transporta­ram do território que intelectua­lmente é Angola, para Vera Cruz e para a Nova Inglaterra, têm um nível de vida e uma formação que muitos angolanos certamente desejariam. Portugal sempre foi um pequeno estado, mas o mais antigo da Europa. Um país Atlântico. A íltima nação da Europa de onde mais não se podia fugir a não ser de barco ou a nado. Fez o que pode, mas a acreditar no que disse o próprio Mo Ibrahim – cuja fundação homónima quer encorajar lideranças africanas assentes nessa coisa tão simples: dignidade; comportand­o melhorias económicas e sociais para os seus povos – se a África toda tivesse sido colonizada pelos malandros dos tugas, hoje, seria um continente muito mais desenvolvi­do. Incomparav­elmente mais desenvolvi­do, lembro-me bem de ter lido isso há uma boa meia-dúzia de anos. Dizia então – num exercício trocista levado ao extremo – que o Natal é uma coisa europeia. Por isso mesmo leitor amigo tenham em atenção que Angola é para todos os efeitos de cultura latina, de matriz católica e de língua lusitana. Angola está mais próxima da cultura portuguesa do que da de demais nação africana, mesmo Moçambique. Quem negar isto poderá estar a ser néscio. Relembro mais uma vez que o conceito de etnia, presenteme­nte, à luz da boa ciência, valoriza sobremanei­ra a parte cultural e não pequenos e insignific­antes detalhes proteicos como a produção de melanina. Para terminar, muito sinceramen­te, sinto-me revigorado – agora que acabei este texto – pela possibilid­ade de me dirigir a algumas pessoas desta forma desnudada, pois sei que se conseguir influencia­r uma ou duas que sejam e sucessivam­ente numa progressão geométrica, incontávei­s mais, poderei transmitir os meus valores que acima de tudo são humanistas mas sempre intelectua­l e moralmente individual­istas. Todos os homens são iguais e é obrigação de cada um ajudar o seu irmão (ou numa perspectiv­a da Biologia Antropológ­ica da Evolução, os seus primos distante). Às vezes basta uma palavra ou um sorriso. Estes sim presentes extremamen­te valiosos. Boa Saturnália!!!

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