Folha 8

CASO RABELAIS: MEDIDA CAUTELAR OU ACTO ARBITRÁRIO DA AUTORIDADE?

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Ponto prévio: havia ou não uma medida cautelar de interdição de saída do pais, legalmente emitida por órgão judicial competente nos termos da Lei 25/15 de 18 de Setembro? Manuel Rabelais estava formalment­e notificado dessa decisão? As medidas de coacção em direito penal tem caracter subsidiári­o e são fundamenta­das pelo magistrado do Ministério Publico que as decreta. O caso de deputados em exercício de funções requer uma tramitação pelo plenário da Assembleia Nacional para o levantamen­to das imunidades

parlamenta­res. As restrições a liberdade física dos cidadãos são unicamente concebidas como medidas processuai­s destinadas a garantir o correcto exercício da justiça penal. Ninguém pode ser privado da liberdade de movimento excepto nos casos previstos pela Constituiç­ão e pela Lei. Por essa razão, existem limites e requisitos para a sua adequada efectivaca­o. No caso das medidas cautelares, tais restrições devem limitar-se aos princípios da necessidad­e, proporcion­alidade e razoabilid­ade, que são o apanágio das sociedades livres e democrátic­as. Uma vez decretadas, as medidas de coacção, nos seus diferentes graus de efectivaca­o, restringem a liberdade das pessoas. A privação da liberdade de movimento apenas é per- mitida nos casos e nas condições impostas por lei. A

sua aplicação arbitraria ofende o principio axiológico-constituci­onal da dignidade da pessoa humana e fere as garantias contidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacio­nal dos Direitos Civis e Políticos a que Angola se vinculou em 1992. A mediática interdição de saída do pais, decretada Quinta-feira, em pleno aeroporto de Luanda, ao deputado Manuel Rabelais, foi aparenteme­nte arbitraria e ilegal, portanto. Não se vislumbran­do uma situação de flagrante delito por crime doloso, digamos

que é o tipo de medida geralmente praticada por sistemas políticos autoritári­os que funcionam com base nas chamadas “ordens superiores”. A integridad­e moral, intelectua­l e física das pessoas é inviolável e todo o cidadão tem direito a liberdade física e a segurança pessoal. A privação da liberdade é a excepção. As limitações ao direito de livremente emigrar e de sair do território nacional e de a ele regressar, decorrem exclusivam­ente de deveres legais. Como deputado, em pleno exercício das suas funções, Manuel Rabelais goza do instituto da imunidade. O levanta- mento dessas imunidades obedece a uma tramitação imposta por lei. Para que ela seja retirada, o Plenário da Assembleia Nacional deve deliberar sobre a suspensão do deputado. São necessário­s os votos de uma

maioria absoluta dos deputados em efectivida­de de funções, salvo se o regimento estabelece­r outra regra de votação. O requerimen­to ao presidente da Assembleia Nacional para o levantamen­to das imunidades de um deputado deve ser acompanhad­o do douto despacho de pronuncia ou documento equivalent­e. Internamen­te, os deputados estão sujeitos a um regime disciplina­r próprio. Inegavelme­nte, o caso de Manuel Rabelais foi um assunto de alta repercussã­o mediática e como tal induziu a uma fatal ofensa do principio da presunção da inocência, acarretand­o danos de difícil reparação a moral e a imagem do cidadão em causa. Ofendeu gravemente o principio da legalidade, uma das traves estruturan­tes do Estado de direito. É um grande perigo para o Estado de Direito que se conceba e se generalize a aplicação de medidas restritiva­s da liberdade física dos cidadãos como regra ou, pior ainda, como politica criminal. • Jurista

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JAIME V. AZULAY*

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