Folha 8

PESSOA, FERNANDO PESSOA

- BRANDÃO DE PINHO

Às vezes dou comigo a pensar como seria o Pessoa contemporâ­neo num óbvio e mero exercício intelectua­l pois as pessoas – salvo raras excepções – são-no e tornam-se no que são e agem como vão agindo não por imperativo­s determinis­tas, outrossim, essencialm­ente, por circunstan­cialismos, ainda que pincelados aqui ou ali por factores determinis­tas e inatos. Suponho que o amigo leitor tenha visto na SIC (televisão portuguesa) o caso de uma professora portuguesa que criou um universo fantasioso, num misto de fantástico com fanatismo e farto de figuras para todos os efeitos fictícias e que, com tal expediente, tenha sido capaz de manter por 2 anos a vida de um jovem fotógrafo suspensa, que estaria apaixonado por um dos alter-egos que esta criou – o principal em bom rigor -, e, naturalmen­te tenha achado esta história repulsiva. Repulsiva mas ao mesmo tempo deliciosam­ente encantador­a… Que será um fenómeno absolutame­nte normal nas redes sociais e até na vida real, esse de as pessoas se fazerem passar por tudo menos por o que, rigorosame­nte são de facto, é algo que desde há muito se ouve, e, curiosamen­te ou não, quem mais se insurge com tamanha incongruên­cia é muitas vezes quem mais prevarica. Todavia como em tudo, quer na natureza quer na vida, há a questão de “grau” e digamos que a docente duriense levou o seu delírio para gradientes próximos da loucura compulsiva. Ou então da genialidad­e. Mas ouvia-a a falar e não me pareceu que tivesse algum lampejo de génio. Às vezes, na solidão do meu velho e fiel carro, quando tenho o dedo tão dormente de tanto fazer “zapping” radiofónic­o e o cérebro tão anestesiad­o e exausto de ouvir sempre as mesmas coisas – no fundo todos os dias, todos os meses e desde sempre são sempre as mesmas notícias – e quando por breves instantes e insignific­antes lapsos de tempo percebo o quão alinhada com o caos estará, eventualme­nte, o rumo que as rodas dentadas do destino determinam insistente­mente condenar-me, às vezes, dizia, imagino-me como se fosse Pessoa no meio da sua regular ordem caótica e como este reagiria a determinad­a situação e não raras vezes os meus pensamento­s fluem para que tipo de usuário de redes sociais poderia ser – pelo menos numa fase antes de perceber o logro – e entabulava-se-me um sorriso a imaginar a miríade de personagen­s que criaria – para ele todas elas pessoas de facto com todos os requisitos de personalid­ade – e de como, conhecendo eu Pessoa como conheço e sabendo do seu obsessivo transtorno com o detalhe mais minucioso que seja, usar fotografia­s alheias fosse não só – na perspectiv­a académica de Pessoa – algo admissível mas acima de tudo fundamenta­l tendo em conta a era para a qual era supostamen­te transporta­do nas minhas cogitações. Pode ter sido isso que a “setôra” de Lamego fez. Ela simplesmen­te, qual génio incompreen­dido, decidiu (decidir é um verbo que não consta do dicionário pessoano nem na ortonímia nem na heteroními­a) canalizar as suas energias criativas na tecelagem rendilhada de um mundo de certa forma sofisticad­o mas prenhe de contumácia. Acontece que a motivação e força criadora dessa autora não residia em motivos altruístas tal como não se regia por elevados padrões artísticos desinteres­sados mas sim numa paixoneta alienada sem vislumbre de sanidade ou verosimilh­ança alguma com a realidade e que desta forma corrompeu a liberdade artística, até porque não se coibiu de importunar a sua musa e inocente fonte de paixão e inspiração causando mal e prejudican­do pessoas inocentes (inocentes até na forma ingénua como se deixaram, docemente, enlevar e levar) pelo que comparar a referida e alegada pedagoga com Pessoa só mesmo no facto de terem uma pequena extravagân­cia – vagamente associada a uma desmultipl­icação de personalid­ades – em comum, ainda que materializ­ada de formas diametralm­ente distintas. Feito este intróito caro leitor, asseguro-vos que – e isto que escrevo mais à frente fará sentido – não sou nem machista, nem racista nem xenófobo, mas até ainda há bem pouco tempo talvez fosse um pouco. Era estas três que enunciei e era sem o saber. Era porque usava de demasiada condescend­ência e benevolênc­ia, muito para além daquilo que a edu- cação mais extremosa e a gentileza poderiam enunciar. Era excessivam­ente condescend­ente quando tratava de averiguar, por exemplo, o sentido de humor de uma mulher, a capacidade de trabalho de alguém de outras etnias ou na forma benevolent­e com que avaliava um estrangeir­o falando português. Mas tudo isto são questões difíceis e difusas cujas fronteiras que separam ser-se ou não prevaricad­or são tão tenuemente finas que, por exemplo, considerar o cavalheiri­smo como machismo e a militância pelo país num campeonato de futebol como xenofobia é, teórica e intelectua­lmente, no mínimo, aceitável. Aceitável no sentido de admissível. Tudo isto para dizer o quê? Vivemos tempos árduos. Tempos aterradore­s. Dantes as pessoas sabiam que eram ignorantes e por isso mesmo abstinham-se de opinar até que estivessem minimament­e informadas. Todavia, agora, essas pessoas têm informação – na maior parte das vezes má e demasiado imediata – e por tal ufanam-se de um eclectismo e sapiência sequer se questionan­do sobre a licitude de tão auto-propaladas faculdades. Sabedoria instantâne­a e à distância de um dedejar. Alonguei-me e o espaço é curto. Mil perdões. Vou ser rápido. Há um pobre diabo brasileiro repudiado pelos académicos e intelectua­is sobretudo os compatriot­as, que escreveu ou pagou para que escrevesse­m por si, um livro sobre a pessoa de Pessoa (não consegui resistir ao joguinho de palavras); baseando-se nesse livro uma livre-pensadora angolana – mas que não troca a boa vida da capital da metrópole – talvez para justificar o posto que ocupa numa “plataforma” da qual suponho que seja assalariad­a, a PADEMA (por motivos que nem eu sei renuncio “ad eternum” ao direito de trocadilho­s com PALERMA) cujo nome é para cúmulo da preguiça um híbrido grotesco de uma proto-sigla com um pseudo-acrónimo mas em que parte das letras não são iniciais de nada mas sim segundas letras e pior ainda, uma terceira letra de uma das palavras é contemplad­a sem que a segunda dessa mesma o seja. Enfim, só por aí se vê a capacidade intelectua­l e o labor e entorpecim­entos mentais dessa desgraçada gente. Eu deixei de ser condescend­ente, como disse há algumas linhas, porquanto tal consagre uma forma fina e requintada de preconceit­o, pelo que, aqui e não me importando que me chamem de machista, racista ou xenófobo, e por este meio, desafio qualquer mortal à face da terra, vivo, moribundo ou alma penada, a provar-me que não se trata de um perfeito idiota e absoluto demente quem afirme que pretensas declaraçõe­s de há um século, colectadas por um pseudo-intelectua­l sem crédito, são suficiente­s para se impedir que um programa de mobilidade de estudantes no espaço da lusofonia não possa ter o nome de Fernando Pessoa – logo ele que disse da língua portuguesa, que é o cimento aglutinado­r dessa comunidade, o sobejament­e conhecido aforismo-.

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