PESSOA, FERNANDO PESSOA
Às vezes dou comigo a pensar como seria o Pessoa contemporâneo num óbvio e mero exercício intelectual pois as pessoas – salvo raras excepções – são-no e tornam-se no que são e agem como vão agindo não por imperativos deterministas, outrossim, essencialmente, por circunstancialismos, ainda que pincelados aqui ou ali por factores deterministas e inatos. Suponho que o amigo leitor tenha visto na SIC (televisão portuguesa) o caso de uma professora portuguesa que criou um universo fantasioso, num misto de fantástico com fanatismo e farto de figuras para todos os efeitos fictícias e que, com tal expediente, tenha sido capaz de manter por 2 anos a vida de um jovem fotógrafo suspensa, que estaria apaixonado por um dos alter-egos que esta criou – o principal em bom rigor -, e, naturalmente tenha achado esta história repulsiva. Repulsiva mas ao mesmo tempo deliciosamente encantadora… Que será um fenómeno absolutamente normal nas redes sociais e até na vida real, esse de as pessoas se fazerem passar por tudo menos por o que, rigorosamente são de facto, é algo que desde há muito se ouve, e, curiosamente ou não, quem mais se insurge com tamanha incongruência é muitas vezes quem mais prevarica. Todavia como em tudo, quer na natureza quer na vida, há a questão de “grau” e digamos que a docente duriense levou o seu delírio para gradientes próximos da loucura compulsiva. Ou então da genialidade. Mas ouvia-a a falar e não me pareceu que tivesse algum lampejo de génio. Às vezes, na solidão do meu velho e fiel carro, quando tenho o dedo tão dormente de tanto fazer “zapping” radiofónico e o cérebro tão anestesiado e exausto de ouvir sempre as mesmas coisas – no fundo todos os dias, todos os meses e desde sempre são sempre as mesmas notícias – e quando por breves instantes e insignificantes lapsos de tempo percebo o quão alinhada com o caos estará, eventualmente, o rumo que as rodas dentadas do destino determinam insistentemente condenar-me, às vezes, dizia, imagino-me como se fosse Pessoa no meio da sua regular ordem caótica e como este reagiria a determinada situação e não raras vezes os meus pensamentos fluem para que tipo de usuário de redes sociais poderia ser – pelo menos numa fase antes de perceber o logro – e entabulava-se-me um sorriso a imaginar a miríade de personagens que criaria – para ele todas elas pessoas de facto com todos os requisitos de personalidade – e de como, conhecendo eu Pessoa como conheço e sabendo do seu obsessivo transtorno com o detalhe mais minucioso que seja, usar fotografias alheias fosse não só – na perspectiva académica de Pessoa – algo admissível mas acima de tudo fundamental tendo em conta a era para a qual era supostamente transportado nas minhas cogitações. Pode ter sido isso que a “setôra” de Lamego fez. Ela simplesmente, qual génio incompreendido, decidiu (decidir é um verbo que não consta do dicionário pessoano nem na ortonímia nem na heteronímia) canalizar as suas energias criativas na tecelagem rendilhada de um mundo de certa forma sofisticado mas prenhe de contumácia. Acontece que a motivação e força criadora dessa autora não residia em motivos altruístas tal como não se regia por elevados padrões artísticos desinteressados mas sim numa paixoneta alienada sem vislumbre de sanidade ou verosimilhança alguma com a realidade e que desta forma corrompeu a liberdade artística, até porque não se coibiu de importunar a sua musa e inocente fonte de paixão e inspiração causando mal e prejudicando pessoas inocentes (inocentes até na forma ingénua como se deixaram, docemente, enlevar e levar) pelo que comparar a referida e alegada pedagoga com Pessoa só mesmo no facto de terem uma pequena extravagância – vagamente associada a uma desmultiplicação de personalidades – em comum, ainda que materializada de formas diametralmente distintas. Feito este intróito caro leitor, asseguro-vos que – e isto que escrevo mais à frente fará sentido – não sou nem machista, nem racista nem xenófobo, mas até ainda há bem pouco tempo talvez fosse um pouco. Era estas três que enunciei e era sem o saber. Era porque usava de demasiada condescendência e benevolência, muito para além daquilo que a edu- cação mais extremosa e a gentileza poderiam enunciar. Era excessivamente condescendente quando tratava de averiguar, por exemplo, o sentido de humor de uma mulher, a capacidade de trabalho de alguém de outras etnias ou na forma benevolente com que avaliava um estrangeiro falando português. Mas tudo isto são questões difíceis e difusas cujas fronteiras que separam ser-se ou não prevaricador são tão tenuemente finas que, por exemplo, considerar o cavalheirismo como machismo e a militância pelo país num campeonato de futebol como xenofobia é, teórica e intelectualmente, no mínimo, aceitável. Aceitável no sentido de admissível. Tudo isto para dizer o quê? Vivemos tempos árduos. Tempos aterradores. Dantes as pessoas sabiam que eram ignorantes e por isso mesmo abstinham-se de opinar até que estivessem minimamente informadas. Todavia, agora, essas pessoas têm informação – na maior parte das vezes má e demasiado imediata – e por tal ufanam-se de um eclectismo e sapiência sequer se questionando sobre a licitude de tão auto-propaladas faculdades. Sabedoria instantânea e à distância de um dedejar. Alonguei-me e o espaço é curto. Mil perdões. Vou ser rápido. Há um pobre diabo brasileiro repudiado pelos académicos e intelectuais sobretudo os compatriotas, que escreveu ou pagou para que escrevessem por si, um livro sobre a pessoa de Pessoa (não consegui resistir ao joguinho de palavras); baseando-se nesse livro uma livre-pensadora angolana – mas que não troca a boa vida da capital da metrópole – talvez para justificar o posto que ocupa numa “plataforma” da qual suponho que seja assalariada, a PADEMA (por motivos que nem eu sei renuncio “ad eternum” ao direito de trocadilhos com PALERMA) cujo nome é para cúmulo da preguiça um híbrido grotesco de uma proto-sigla com um pseudo-acrónimo mas em que parte das letras não são iniciais de nada mas sim segundas letras e pior ainda, uma terceira letra de uma das palavras é contemplada sem que a segunda dessa mesma o seja. Enfim, só por aí se vê a capacidade intelectual e o labor e entorpecimentos mentais dessa desgraçada gente. Eu deixei de ser condescendente, como disse há algumas linhas, porquanto tal consagre uma forma fina e requintada de preconceito, pelo que, aqui e não me importando que me chamem de machista, racista ou xenófobo, e por este meio, desafio qualquer mortal à face da terra, vivo, moribundo ou alma penada, a provar-me que não se trata de um perfeito idiota e absoluto demente quem afirme que pretensas declarações de há um século, colectadas por um pseudo-intelectual sem crédito, são suficientes para se impedir que um programa de mobilidade de estudantes no espaço da lusofonia não possa ter o nome de Fernando Pessoa – logo ele que disse da língua portuguesa, que é o cimento aglutinador dessa comunidade, o sobejamente conhecido aforismo-.