POVOS SEM DIREITOS CONSTITUCIONAIS
É para mim uma honra e um privilégio poder estar entre vós para dissertar num fórum de extrema importância não só social como académica, desde logo porque também eu tenho como princípio basilar de vida que quem não vive para servir não serve para viver.
E isso só foi possível graças ao convite das direcções do 1. º Fórum Popular de Promoção da Saúde, da 1. ª Conferência de Promoção da Saúde da Fiocruz e da Dra. Ana Braga, uma das pessoas mais humilde e íntegra que conheci e não poderia, obviamente, negar, principalmente por vir de alguém que, tal como eu dos húmus africanos, não conheceu a pobreza e a fome, nos livros, mas na sebenta da vida real onde cada ensinamento se sente na carne, no sangue, e se eterniza na alma.
Este primeiro fórum da Promoção da Saúde Popular do qual ousou uma abordagem com viés académico, assenta na marginalidade vergonhosa a que estão votados milhões de cidadãos mundo afora, sobretudo ou quase exclusivamente pela cobardia de todos aqueles que pensam pertencer a uma casta superior.
Quando digo que conheço a fome, não se resume, somente à falta material do pirão, do arroz com feijão, mas da espiritual, que macula e mata o sonho de quem nasceu para viver, sonhar e materializar, mas que, infelizmente, é gerado com fome, nasce com fome, cresce com fome e morre com fome, em igual proporção à falta de cuidados básicos de saúde.
Este cidadão, maioritariamente registado na esquina de uma, das muitas multiplicadas favelas, onde o saneamento básico, o livro, a escola, o médico e o hospital, inexistem, restalhe a inclusão na estatística do crime, da discriminação e da pobreza, logo excluído da Constituição.
Quando uma mulher, sonhando com a maternidade, conta no primeiro acto com um colchão de betão na esquina da má vida, para sexualizar, o direito à vida da criança, inocente, na concepção e violentada no óvulo da gestação, não tem nem saúde, nem direitos constitucionais.
Mas o triste é ver alocados enormes recursos públicos, para a conservação de uma arma ou bomba, no galpão de qualquer unidade militar, importante ferramenta de manutenção de regimes inumanos, quando no lado oposto, o nascimento de um novo ser humano, está “ab initio” comprometido com a exclusão, a discriminação e a marginalidade, que revolta e alimenta os exércitos da droga, da delinquência e outras suicidas supostas alternativas. E, por via disso, assumidamente, os governos, de muitos países, pese a textualização e retórica na Constituição, não configura na vida real direitos constitucionais e de cidadania plena. Pelo contrário.
Quem nasce sem direito, de facto e não apenas de jure, à educação, num ou em países, onde as riquezas nacionais, como petróleo, mineiros, etc. permitem um verdadeiro investimento, no professor e na educação, mas que, por falta de comprometimento com o futuro e a saúde, age em sentido contrário, mantendo o analfabetismo, demonstra a institucionalização da exclusão Constitucional, como se no mesmo país, ou países, existissem cidadãos de segunda, escravos modernos de ditadores coloniais.
Como acreditar que os milhões de favelados do Brasil, os negros estereotipados e discriminados na sua condição social, os nordestinos, sexualizados e nascidos na adversidade de um torrão, onde o chão tem veias de sangue, que inviabiliza a lavoura, ou os índios da Amazónia e outras bolsas deste Brasil de muitos brasis, integrem o artigo Constitucional de todos serem iguais perante a Constituição e a lei?
Não eles são o enorme exército dos excluídos, dominados por uma minoria, com acesso aos recursos do país, geridos para a manutenção da sua ideologia, regime e poder. E isso acontece não só em países de orientação socialista, mas também nos capitalistas, salvo raras excepções, pese terem consagrado na Constituição, entre outros, direitos à educação e saúde, apresentam nos Orçamentos Gerais do Estado incomensuravelmente mais verbas para armas e canhões, do que para livros, professores e medicamentos.
A exclusão nasce com os estereótipos do cidadão ter sido parido, pobre, índio, kilombola e preto, na maternidade da exclusão, onde a saúde é uma miragem, a educação uma utopia e a dignidade as duas juntas.
Tanto assim é que sem as ferramentas do conhecimento científico a opção conferida pela Constituição aos excluídos é ter carteira assinada no crime, droga e prostituição, para gáudio das estatísticas dos discriminadores, dos esclavagistas.
Eles não são um mal em si, tivesse sido agitado o potencial do bem que cada um e uma porta no interior e logo inverteriam os dados da norma jurídico- Constitucional. Ousar na afirmativa de quem nasceu e cresceu sem soletrar a palavra médico, livro e lápis, ter cobertura Constitucional é, na agravante de morrer de igual modo, consagrar a mais vil heresia. Vencer esse flagelo é possível com a emergência de líderes comprometidos com a cidadania, com a dignidade, com a igualdade, com a equidade, com capacidade, principalmente, nos países multirraciais de a partir de cada berço unir as cores de cada criança, preta, branca, mulata, que na sua pureza e ingenuidade, se harmonizam de forma celestial como meninos, quebrados quando os adultos na sã brutalidade os catalogam: “quem era aquele preto, branco ou mulato, que brincava contigo?”, no claro carimbo do racismo, presente na constituição mental de muitos governantes, que deviam tratar essa diversidade, como uma única raça, conferindo a todos, desde o berço, iguais condições e oportunidades.
Uma criança que nunca limpou o bumbum com uma toalhita, não é igual a quem para além desta tinha uma empregada que antes desinfecta( va) as mãos com álcool.
A saúde de um povo está na prevenção, tal como o desenvolvimento socioeconómico, sem discriminação repousa na educação, cúmplice das liberdades, da igualdade e da democracia cidadã.
Os povos subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento não devem esperar dos Estados Unidos da América ou da Europa ocidental, o modelo de solução para as suas crises, pois eles nunca se indignaram em financiar ao longo de décadas, milhões de dólares e euros, para a manutenção de ditadores, construção de fábricas de armas e bombas ao invés de campos de comida, escolas e hospitais.
A visão míope dos líderes de muitos dos nossos países, que impõe aos cidadãos impostos absurdos, para tudo e nada, alimenta a economia desses países ( USA e ocidentais), que assistem de camarote ao não despontar da nossa indústria multifacética, uma vez não ser competitiva, face aos elevados impostos internos, que apenas beneficiam os investidores externos, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Importa, por isso, que nunca esqueçamos, que nunca deixemos que se esqueça, que um país ou uma nação é de todos e tem de ser igual para todos. E quando não é igual para todos é porque os seus dirigentes se tornaram numa quadrilha de criminosos que deve ser banida.