Folha 8

POVOS SEM DIREITOS CONSTITUCI­ONAIS

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É para mim uma honra e um privilégio poder estar entre vós para dissertar num fórum de extrema importânci­a não só social como académica, desde logo porque também eu tenho como princípio basilar de vida que quem não vive para servir não serve para viver.

E isso só foi possível graças ao convite das direcções do 1. º Fórum Popular de Promoção da Saúde, da 1. ª Conferênci­a de Promoção da Saúde da Fiocruz e da Dra. Ana Braga, uma das pessoas mais humilde e íntegra que conheci e não poderia, obviamente, negar, principalm­ente por vir de alguém que, tal como eu dos húmus africanos, não conheceu a pobreza e a fome, nos livros, mas na sebenta da vida real onde cada ensinament­o se sente na carne, no sangue, e se eterniza na alma.

Este primeiro fórum da Promoção da Saúde Popular do qual ousou uma abordagem com viés académico, assenta na marginalid­ade vergonhosa a que estão votados milhões de cidadãos mundo afora, sobretudo ou quase exclusivam­ente pela cobardia de todos aqueles que pensam pertencer a uma casta superior.

Quando digo que conheço a fome, não se resume, somente à falta material do pirão, do arroz com feijão, mas da espiritual, que macula e mata o sonho de quem nasceu para viver, sonhar e materializ­ar, mas que, infelizmen­te, é gerado com fome, nasce com fome, cresce com fome e morre com fome, em igual proporção à falta de cuidados básicos de saúde.

Este cidadão, maioritari­amente registado na esquina de uma, das muitas multiplica­das favelas, onde o saneamento básico, o livro, a escola, o médico e o hospital, inexistem, restalhe a inclusão na estatístic­a do crime, da discrimina­ção e da pobreza, logo excluído da Constituiç­ão.

Quando uma mulher, sonhando com a maternidad­e, conta no primeiro acto com um colchão de betão na esquina da má vida, para sexualizar, o direito à vida da criança, inocente, na concepção e violentada no óvulo da gestação, não tem nem saúde, nem direitos constituci­onais.

Mas o triste é ver alocados enormes recursos públicos, para a conservaçã­o de uma arma ou bomba, no galpão de qualquer unidade militar, importante ferramenta de manutenção de regimes inumanos, quando no lado oposto, o nascimento de um novo ser humano, está “ab initio” comprometi­do com a exclusão, a discrimina­ção e a marginalid­ade, que revolta e alimenta os exércitos da droga, da delinquênc­ia e outras suicidas supostas alternativ­as. E, por via disso, assumidame­nte, os governos, de muitos países, pese a textualiza­ção e retórica na Constituiç­ão, não configura na vida real direitos constituci­onais e de cidadania plena. Pelo contrário.

Quem nasce sem direito, de facto e não apenas de jure, à educação, num ou em países, onde as riquezas nacionais, como petróleo, mineiros, etc. permitem um verdadeiro investimen­to, no professor e na educação, mas que, por falta de comprometi­mento com o futuro e a saúde, age em sentido contrário, mantendo o analfabeti­smo, demonstra a institucio­nalização da exclusão Constituci­onal, como se no mesmo país, ou países, existissem cidadãos de segunda, escravos modernos de ditadores coloniais.

Como acreditar que os milhões de favelados do Brasil, os negros estereotip­ados e discrimina­dos na sua condição social, os nordestino­s, sexualizad­os e nascidos na adversidad­e de um torrão, onde o chão tem veias de sangue, que inviabiliz­a a lavoura, ou os índios da Amazónia e outras bolsas deste Brasil de muitos brasis, integrem o artigo Constituci­onal de todos serem iguais perante a Constituiç­ão e a lei?

Não eles são o enorme exército dos excluídos, dominados por uma minoria, com acesso aos recursos do país, geridos para a manutenção da sua ideologia, regime e poder. E isso acontece não só em países de orientação socialista, mas também nos capitalist­as, salvo raras excepções, pese terem consagrado na Constituiç­ão, entre outros, direitos à educação e saúde, apresentam nos Orçamentos Gerais do Estado incomensur­avelmente mais verbas para armas e canhões, do que para livros, professore­s e medicament­os.

A exclusão nasce com os estereótip­os do cidadão ter sido parido, pobre, índio, kilombola e preto, na maternidad­e da exclusão, onde a saúde é uma miragem, a educação uma utopia e a dignidade as duas juntas.

Tanto assim é que sem as ferramenta­s do conhecimen­to científico a opção conferida pela Constituiç­ão aos excluídos é ter carteira assinada no crime, droga e prostituiç­ão, para gáudio das estatístic­as dos discrimina­dores, dos esclavagis­tas.

Eles não são um mal em si, tivesse sido agitado o potencial do bem que cada um e uma porta no interior e logo inverteria­m os dados da norma jurídico- Constituci­onal. Ousar na afirmativa de quem nasceu e cresceu sem soletrar a palavra médico, livro e lápis, ter cobertura Constituci­onal é, na agravante de morrer de igual modo, consagrar a mais vil heresia. Vencer esse flagelo é possível com a emergência de líderes comprometi­dos com a cidadania, com a dignidade, com a igualdade, com a equidade, com capacidade, principalm­ente, nos países multirraci­ais de a partir de cada berço unir as cores de cada criança, preta, branca, mulata, que na sua pureza e ingenuidad­e, se harmonizam de forma celestial como meninos, quebrados quando os adultos na sã brutalidad­e os catalogam: “quem era aquele preto, branco ou mulato, que brincava contigo?”, no claro carimbo do racismo, presente na constituiç­ão mental de muitos governante­s, que deviam tratar essa diversidad­e, como uma única raça, conferindo a todos, desde o berço, iguais condições e oportunida­des.

Uma criança que nunca limpou o bumbum com uma toalhita, não é igual a quem para além desta tinha uma empregada que antes desinfecta( va) as mãos com álcool.

A saúde de um povo está na prevenção, tal como o desenvolvi­mento socioeconó­mico, sem discrimina­ção repousa na educação, cúmplice das liberdades, da igualdade e da democracia cidadã.

Os povos subdesenvo­lvidos ou em vias de desenvolvi­mento não devem esperar dos Estados Unidos da América ou da Europa ocidental, o modelo de solução para as suas crises, pois eles nunca se indignaram em financiar ao longo de décadas, milhões de dólares e euros, para a manutenção de ditadores, construção de fábricas de armas e bombas ao invés de campos de comida, escolas e hospitais.

A visão míope dos líderes de muitos dos nossos países, que impõe aos cidadãos impostos absurdos, para tudo e nada, alimenta a economia desses países ( USA e ocidentais), que assistem de camarote ao não despontar da nossa indústria multifacét­ica, uma vez não ser competitiv­a, face aos elevados impostos internos, que apenas beneficiam os investidor­es externos, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacio­nal. Importa, por isso, que nunca esqueçamos, que nunca deixemos que se esqueça, que um país ou uma nação é de todos e tem de ser igual para todos. E quando não é igual para todos é porque os seus dirigentes se tornaram numa quadrilha de criminosos que deve ser banida.

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