O POSITIVO
Duas rádios privadas prestaram um melhor “serviço público” durante a semana passada, nos seus jornais das 12h – e algumas vezes às 18h30 e às 19h, respectivamente –, estou a falar da “Rádio Despertar (RD)” (91.0), ligada a uma gestão político-partidária do partido “UNITA”, e da “Rádio Ecclesia (RE)” (97.5), ligada a uma gestão ideológica da Igreja Católica em Angola.
As aspas no “serviço público” são propositadas, pois até jornalistas mostram uma grande dificuldade de perceber o que é, na verdade, “serviço público”, de acordo com a minha observação. E isto contribui para as diversas abordagens na cobertura de eventos.
A Lei n.º1/17, de 23 de Janeiro, a Lei de Imprensa em vigor em Angola, define “serviço público” no artigo 2.º, com epígrafe “definições”, que “Serviço Público é um serviço de programas e de informação de interesse geral, dirgido a todo público heterogéneo e anónimo, assegurado obrigatoriamente pelo Estado.”.
É verdade que a Lei angolana de Imprensa é uma lei contraditória – ela própria contradizse em alguns aspectos ligados à regulação e à supervisão dos órgãos de comunicação social. Em alguns momentos tenta mostrar que é a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) a que tem a missão de assegurar a objectividade e isenção da informação divulgada pelos órgãos de comunicação social, quando, na verdade, é falso, uma vez que esta responsabilidade é do maior regulador da imprensa: o Ministério da Comunicação Social, que tem poder sancionátório, no fundo, sobre todos os órgãos de comunicação social, perante violações no tratamento de peças.
O serviço público é garantido a partir do momento em que os órgãos públicos e privados de comunicação social estão licenciados (autorizados) a fazer o seu trabalho. Não se pode confundir “serviço público” com “órgãos públicos” de comunicação social. No sentido “objectividade e isenção” “Com vista a garantir o direito dos cidadãos de informar, se informar e ser informado, o Estado assegura a existência de um serviço público de informação (art. 10.º da Lei de Imprensa).”, portanto, estamos conversados: “Serviço Público” é o que todos, sem excepção, privados ou públicos, devem fazer. Não se trata apenas de serviços de órgãos públicos. Está na Lei n.º1/17, de 23 de Janeiro. Nesta parte, a referida lei foi feliz. Agora que você já percebeu o que é “serviço público”, posso continuar o meu positivo da semana: A RD e a RE mostraram maiores preocupações com o “serviço público”, uma vez que foram as únicas, durante a semana, que conseguiram traduzir, com respeito ao contraditório, todos os fenómenos sociais que marcaram, de uma forma geral, a semana. O caso CNC “Conselho Nacional
de Carregadores”, em julgamento, casos de cidadãos que viram seus alegados terrenos serem “usurpados” por terceiros, casos sobre a bombástica notícia de ter havido (ou há mesmo) alegadamente “polícias fantasmas” na Polícia, etc., marcaram positivamente a minha observação.
E o positivo tem mais realce porque a RD e a RE não têm um número grande de profissionais nas suas redacções, o que me leva a concluir que os pequenos grupos estão sempre atentos ao que se passa no país e que há sinais de haver entrega dos profissionais ao trabalho, assim como um interesse em fazer cada dia melhor. Merece os meus aplausos de reconhecimento, coisa que já não verifiquei durante os jornais da “Rádio Nacional de Angola RNA” (93.5), que ficaram muito presos, mais uma vez, às comunicações institucionais. Alguém criou a ideia de que “linha editorial” dos órgãos públicos de comunicação social deva ser “promover a imagem do Executivo” ou dos poderes. A Lei de Imprensa de facto diz ser obrigatório, no art. 16.º, a publicação de notas oficiais de instituições do Estado, mas nada diz que tais notas não possam estar eivadas de “mentiras”. Aliás, é só ver que hoje o próprio presidente da República João Lourenço diz que o passado foi catastrófico para o país. E sempre se leu “as notas oficiais”. Estou a assumir que as “notas oficiais” não garantem, de per si, “verdade” no que está a ser divulgado.
O jornalista deve ir à busca de outros ângulos da mesma matéria para permitir que o seu público-alvo tenha mais instrumentos informativos que lhe faça ter uma percepção mais plural e isenta de todos os fenómenos sociais relatados na imprensa. Não basta que o Executivo diga algo para ser tido como “verdade inquestionável”. Não é papel do jornalista dar um “xeque-mate” a um assunto quando está a informar o que não é da sua cabeça. O jornalista deve apresentar os factos em todos os ângulos possíveis. É a isto que a Lei de Imprensa se refere quando diz “objectividade e isenção”. Não é verdade que seja papel da RNA ler apenas notas oficiais como sendo “notícia”.
Até prova em contrário, o próprio Executivo pode estar a mentir, eventualmente, ao povo angolano, com “notas oficiais”. Um órgão sério deve sempre ficar com um pé atrás quando o Executivo publicita uma medida tomada, partindo do pressuposto de que ninguém, no seu juízo perfeito, publicita os seus defeitos.
Cabe, por isso, ao jornalista ir à busca do que o Executivo não diz: os defeitos, as contradições, as mentiras, etc., sempre com base também no uso do contraditório. O Executivo também não pode ser julgado sem ser ouvido. O dirieito à presunção de inocência é um princípio sagrado na actividade jornalística. Até se pode “admitir” a violação de uma norma, mas nunca se aceita uma violação de princípios que definem um Estado Democrático e de Direito, dizem os juristas.
Esta nota positiva para a RD e RE acaba por traduzir uma nota negativa, consequentemente, à RNA, que ainda não consegue sair das “notas oficiais” dos diversos poderes em Angola (Executivo, Legislativo e Judicial), o que pode representar um perigo para o futuro dos angolanos, tal como aconteceu no tempo de José Eduardo dos Santos. Recomendo que a RNA tenha atenção a este aspecto para não se chegar a 2022 com a publicitação de “inverdades” na imprensa, favorecendo, ilicitamente, eventualmente, interesses do actual inquilino do Palácio da Cidade Alta. É preciso ter-se muito cuidado com os políticos.
A abertura, pela primeira vez, à Televisão Pública de Angola, uma televisão paga com a contribuição de todos os angolanos, do presidente da República João Lourenço é, sem sombra de dúvidas, um aspecto positivo que marcou a semana, uma vez que nós, jornalistas, sempre questionámos o facto de o antigo presidente da República José Eduardo dos Santos nunca ter dado o devido valor aos órgãos angolanos de comunicação social. E tenho pena de que José Eduardo dos Santos possa “ir desta para melhor” sem dar nenhuma entrevista aos órgãos angolanos de comunicação social, o que representaria uma grande mancha negativa na sua existência no Planeta Terra, concretamente no território angolano. Ainda pode mudar este quadro. Uma entrevista de um ex-presidente da República constitui sempre motivo de interesse público.
João Lourenço, à frente da Presidência da República, começou por dar entrevistas a órgãos estrangeiros. Isto provocou um ressuscitar de ânimos por parte de jornalistas angolanos que sempre esperaram poder entrevistar o presidente do seu país – embora haja aqui um problema de “culto de personalidade” por parte de muitos jornalistas angolanos que só pretendem entrevistar o PR mais para serem vistos pelo próprio número um da nação e tirarem algum aproveitamento político-económico disto do que propriamente prestarem um serviço público à altura das exigências da profissão, já lá vamos.
É positivo que o “nosso” (atenção que eu não votei em João Lourenço e tenho a certeza de que fiz a melhor leitura de um cidadão consciente e exigente em 2017, a julgar pelo que estou a ver no seu desempenho, a não ser que JLO me surpreenda para que eu mude de opinião) presidente da República comece a falar mais abertamente para a nossa imprensa. O presidente da República não é Deus, como muitos pensam. É um simples cidadão, como qualquer um de nós, que se submeteu livremente à gestão de riquezas e património que não lhe pertencem. Por gerir um património que é público, que não é do seu bolso individual, deve prestar contas ao dono das riquezas: o povo angolano, de Cabinda ao Cunene. A iniciativa de falar (prestar contas) é muito positiva. O gesto valeu muito para uma Angola que quer cada vez mais transparência na gestão da coisa pública. E agora a pergunta: João Lourenço prestou contas ao Soberano na entrevista? A resposta é não. Por isso é que isto entra no meu negativo. Devo dizer que foi bom vermos um presidente da República a rir-se publicamente. Parece algo superficial mas a expressão facial – que representa uma linguagem comunicativa do ser humano – de um gestor público fala mais que as meras palavras que ele usa numa entrevista. Como disse, ninguém dá tiros no seu próprio pé. É claro que João Lourenço nunca vai assumir publicamente ser desonesto – mesmo que seja! – e é por isso que “a abertura” ao público é sempre positiva para se tirar ilações sobre a sua pessoa e mesmo as perguntas não respondidas acabam sempre por representar uma comunicação: o exercício da linguagem humana processa-se no cérebro. Não se processa no mero uso de uma língua.
O corpo fala mais que as palavras.
O corpo não engana. É o “verdadeiro cérebro” que faz mover o corpo. Chomsky – um dos pensadores americanos de referência nos cursos de “Comunicação” – já dizia que “a língua é um sistema de princípios mentais”, ou seja, sem abrir a boca, o cérebro fala. E foi muito interessante ver que João Lourenço tem de facto feito um esforço para ser diferente de José Eduardo dos Santos, no que à comunicação diz respeito, mas mostrou, mais uma vez, um “militarismo comportamental”. João Lourenço mostrou sorrisos, durante a entrevista, que não traduziam que ele estava à vontade com os entrevistados. Aquilo foi uma técnica psicológica para não dizer nada que ele não queria dizer. Fez o Nok Nogueira entrar num discurso mais descontraído – para que ele (o jornalista) não rebatesse em questões não respondidas, acrescido do facto de o nosso colega Nok Nogueira ter demonstrado que não estava munido de instrumentos informativos que o ajudassem a desconstruir o discurso do entrevistado.
Neste sentido, João Lourenço venceu o “duelo” contra os dois jornalistas.
É importante lembrar que, numa entrevista, há sim vencedores e vencidos, ao contrário do que muitos jornalistas afirmam. Os manuais de jornalismo são claros neste aspecto. Quando o jornalista consegue tirar uma informação a um entrevistado – o presidente da República não é excepção – há “vitória” para o entrevistador. O inverso significa justamente o contrário. Os entrevistados – atenção que eu próprio que estou a escrever esta análise se estiver na pele de entrevistado também vou usar as minhas técnicas para que o meu entrevistador não marque mais golos do que eu – pretendem sempre dizer o que apenas convém ao público. Eles, todos eles, de qualquer parte do mundo, nunca vão divulgar os seus defeitos, se os entrevistadores não dominarem algumas técnicas na arte de perguntar. Acima de o jornalismo ser uma ciência, a arte de cada pessoa (tanto o entrevistado quanto o entrevistador) conta muito para o desfecho da divulgação da matéria. O entrevistado João Lourenço venceu os dois entrevistadores mas mostrou “coisas” interessantes na sua expressão corporal (que também fala a partir do cérebro). *Jornalista, membro da ERCA