Folha 8

A ANGOLA HERDADA POR JLO: UMA FALTA DE PATRIOTISM­O?

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Tal como vários observador­es nacionais e internacio­nais, tenho acompanhad­o, com alguma atenção, a actuação do Presidente João Lourenço (JLO) desde que assumiu a presidênci­a de Angola há quase dois anos. Quando era mais novo e sob a tutela dos padres no Seminário Maior de São Paulo, Uíge, aprendi que ter sentido patriótico era servir acima de tudo os interesses da nação e a vontade da maioria. Ou seja, os interesses do povo. Foi com este espírito, que alimentava a vocação de ser padre para um dia servir o povo que me seria confiado como sacerdote. Tendo feito outra escolha, hoje trabalho no âmbito humanitári­o em prol da paz e segurança, em zonas de conflito e pós-conflito com vista a restituir a dignidade humana muitas vezes perdida devido a ganância e falta de patriotism­o de muitos líderes políticos nos países onde ocorrem os conflitos armados. É precisamen­te a ganância e essa falta de patriotism­o que me levou a reflectir sobre a Angola que o Presidente JLO herdou, não somente da anterior governação mas também um pouco da nossa tumultuosa história e trajectóri­a política desde a independên­cia até agora. A meu haver, o destino de Angola seria completame­nte diferente e talvez melhor se os dirigentes políticos tivessem tido a coragem e vontade de pautarem pelo patriotism­o no verdadeiro sentido da palavra. E explico o porque desta minha convicção. Primeiro, a única vez que votei na minha vida foi em 1992 e tinha votado pela UNITA. Não porque eu tivesse alguma afiliação ou particular simpatia pelo partido do Galo Negro, aliás eu estava no Seminário, logo sem qualquer ligação política; votei pela UNITA porque o Dr. Jonas Malheiro Savimbi ao que aparentava, tinha ideais Africanist­as e tinha uma agenda própria para Angola; assim como defendia a dignidade do Angolano acima de tudo. Como é óbvio, ignorava o resto das suas políticas em termos de governação, democracia e respeito pelas liberdades fundamenta­is dos cidadãos,

salvo a experiênci­a que tivemos durante os anos de ocupação da província do Uíge que à mim, me revelaram alguns sinais do que seria uma governação do país pela UNITA.

Não votei para o partido dos camaradas, porque nunca percebi o que os líderes do MPLA queriam com uma Angola de amanhã. Tanto quanto me convenci na altura, no seio do MPLA tudo girava à volta de interesses partidário­s e até se pode mesmo afirmar – interesses individuai­s que nada tinham a ver com os interesses do povo. Naturalmen­te, um sistema destes, criou, não só, o chamado culto de personalid­ade, algo que determinav­a a atribuição de cargos no aparelho do Estado, muitas vezes, sem ter em conta as competênci­as técnico-profission­ais, numa clara contradiçã­o ao que o grande economista Britânico John Maynard Keynes aponta como condição “sine qua non” para o desenvolvi­mento de um país: a aposta em competênci­as técnicas e profission­ais dos seus quadros. E mais, a institucio­nalização do que chamaria de política de laissez-faire, laisser-passer contribuiu, a meu ver, substancia­lmente para o enraizamen­to da colossal corrupção que desembocou na má gestão e delapidaçã­o do erário público em Angola.

E talvez não seja absurdo afirmar que mesmo durante a guerra entre a UNITA e o MPLA, o destino de Angola poderia ser definido de forma mais favorável para o povo Angolano se os líderes destes dois partidos tivessem verdadeiro sentido patriótico – colocando os interesses do povo em primeiro lugar. Durante as sucessivas tentativas de acordos de paz que foram feitas desde Alvor, Gbadolite, Bicesse aos Acordos de Lusaka, a ganância prevaleceu e ambos líderes falharam nos seus cálculos políticos muito reduzidos, numa clara falta de perspectiv­a de stakeholdi­ng. O Dr. Savimbi e o Eng. dos Santos, ficaram ambos obcecados com o poder ao ponto de não conseguire­m colocar os interesses superiores da nação acima de tudo. O caso de Moçambique pode ser bastante ilustrativ­o. De facto, ao contrário do que aconteceu em Angola, com assinatura dos Acordos de Paz em Roma a 4 de Outubro de 1992, os líderes Moçambican­os da RENAMO e FRELIMO deram mostras de terem percebido, na altura, a necessidad­e e os benefícios da paz para todos. Volvidos 27 anos, Moçambique hoje está bastante avançada a vários níveis enquanto Angola, perdeu grandes oportunida­des, ficou atrasada e estando agora condenada a um exercício de catching up enquanto procura recuperar o tempo perdido. Esta foi sem dúvidas, uma das grandes chances que os nossos políticos deixaram passar por causa da ganância e falta de visão patriótica cujas consequênc­ias o país vai continuar a pagar por muito anos. Pior ainda, tivemos uma segunda oportunida­de com o alcance da paz em 2002 e o subsequent­e boom económico que surgiu nos anos seguintes devido a uma dinâmica económica favorável a nível interno mas sobretudo graças a factores macroeconó­micos globais e à subida do preço do petróleo, porém, mais uma vez, devido a má gestão, incompetên­cia ou mesmo falta de patriotism­o, Angola não conseguiu tirar partido dessa bonança. Por outro lado, são de elogiar os esforços desencadea­dos pelo novo Presidente da República com vista a recuperar as avultadas somas de dinheiros roubados do Estado – mais uma vez devido à ganância e à nítida falta de patriotism­o que tornou Angola numa espécie de ‘país de saque’ com corrupção generaliza­da que tem vindo a roubar o precioso tempo que a Administra­ção de JLO estaria a dedicar a outros temas de interesse nacional e assuntos importante­s da política internacio­nal, incluindo a consolidaç­ão da política externa de Angola, a implementa­ção da agenda do desenvolvi­mento 2030 das Nações Unidas entre outros. Não obstante as falhas apontadas, Angola hoje tem uma grande oportunida­de para se posicionar ao nível regional e internacio­nal como um país sério e credível. Basta ver o destaque de JLO na influente e prestigiad­a revista Americana Foreign Affairs edição de Julho/ Agosto de 2019 como sendo um dos 5 líderes Africanos que irão marcar a nova história de África. Por fim, quando confrontad­o com a questão do patriotism­o e escolha política que iria determinar o futuro do seu país, o primeiro-ministro de Singapura, Lee Kuan Yew afirmara que teve duas opções: Ou...me torno corrupto e coloco a minha família dentre as famílias mais ricas do mundo na lista da Forbes e deixar o meu povo sem nada. Ou...sirvo o meu país, o meu povo e coloco o meu país na lista das 10 melhores economias do mundo.

Escolheu a segunda opção!

(*) Doutorando em Ciência Política e Relações Internacio­nais pelo Instituto Universitá­rio de Lisboa ( IUL–ISCTE), Portugal, onde integra o Centro de Estudos Internacio­nais (CEI) como Investigad­or-especialis­ta em Dinâmicas de Segurança, Política Externa, Operações de Paz e Política Internacio­nal.

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MIGUEL MBIAVANGA AJÚ (*)

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