A ANGOLA HERDADA POR JLO: UMA FALTA DE PATRIOTISMO?
Tal como vários observadores nacionais e internacionais, tenho acompanhado, com alguma atenção, a actuação do Presidente João Lourenço (JLO) desde que assumiu a presidência de Angola há quase dois anos. Quando era mais novo e sob a tutela dos padres no Seminário Maior de São Paulo, Uíge, aprendi que ter sentido patriótico era servir acima de tudo os interesses da nação e a vontade da maioria. Ou seja, os interesses do povo. Foi com este espírito, que alimentava a vocação de ser padre para um dia servir o povo que me seria confiado como sacerdote. Tendo feito outra escolha, hoje trabalho no âmbito humanitário em prol da paz e segurança, em zonas de conflito e pós-conflito com vista a restituir a dignidade humana muitas vezes perdida devido a ganância e falta de patriotismo de muitos líderes políticos nos países onde ocorrem os conflitos armados. É precisamente a ganância e essa falta de patriotismo que me levou a reflectir sobre a Angola que o Presidente JLO herdou, não somente da anterior governação mas também um pouco da nossa tumultuosa história e trajectória política desde a independência até agora. A meu haver, o destino de Angola seria completamente diferente e talvez melhor se os dirigentes políticos tivessem tido a coragem e vontade de pautarem pelo patriotismo no verdadeiro sentido da palavra. E explico o porque desta minha convicção. Primeiro, a única vez que votei na minha vida foi em 1992 e tinha votado pela UNITA. Não porque eu tivesse alguma afiliação ou particular simpatia pelo partido do Galo Negro, aliás eu estava no Seminário, logo sem qualquer ligação política; votei pela UNITA porque o Dr. Jonas Malheiro Savimbi ao que aparentava, tinha ideais Africanistas e tinha uma agenda própria para Angola; assim como defendia a dignidade do Angolano acima de tudo. Como é óbvio, ignorava o resto das suas políticas em termos de governação, democracia e respeito pelas liberdades fundamentais dos cidadãos,
salvo a experiência que tivemos durante os anos de ocupação da província do Uíge que à mim, me revelaram alguns sinais do que seria uma governação do país pela UNITA.
Não votei para o partido dos camaradas, porque nunca percebi o que os líderes do MPLA queriam com uma Angola de amanhã. Tanto quanto me convenci na altura, no seio do MPLA tudo girava à volta de interesses partidários e até se pode mesmo afirmar – interesses individuais que nada tinham a ver com os interesses do povo. Naturalmente, um sistema destes, criou, não só, o chamado culto de personalidade, algo que determinava a atribuição de cargos no aparelho do Estado, muitas vezes, sem ter em conta as competências técnico-profissionais, numa clara contradição ao que o grande economista Britânico John Maynard Keynes aponta como condição “sine qua non” para o desenvolvimento de um país: a aposta em competências técnicas e profissionais dos seus quadros. E mais, a institucionalização do que chamaria de política de laissez-faire, laisser-passer contribuiu, a meu ver, substancialmente para o enraizamento da colossal corrupção que desembocou na má gestão e delapidação do erário público em Angola.
E talvez não seja absurdo afirmar que mesmo durante a guerra entre a UNITA e o MPLA, o destino de Angola poderia ser definido de forma mais favorável para o povo Angolano se os líderes destes dois partidos tivessem verdadeiro sentido patriótico – colocando os interesses do povo em primeiro lugar. Durante as sucessivas tentativas de acordos de paz que foram feitas desde Alvor, Gbadolite, Bicesse aos Acordos de Lusaka, a ganância prevaleceu e ambos líderes falharam nos seus cálculos políticos muito reduzidos, numa clara falta de perspectiva de stakeholding. O Dr. Savimbi e o Eng. dos Santos, ficaram ambos obcecados com o poder ao ponto de não conseguirem colocar os interesses superiores da nação acima de tudo. O caso de Moçambique pode ser bastante ilustrativo. De facto, ao contrário do que aconteceu em Angola, com assinatura dos Acordos de Paz em Roma a 4 de Outubro de 1992, os líderes Moçambicanos da RENAMO e FRELIMO deram mostras de terem percebido, na altura, a necessidade e os benefícios da paz para todos. Volvidos 27 anos, Moçambique hoje está bastante avançada a vários níveis enquanto Angola, perdeu grandes oportunidades, ficou atrasada e estando agora condenada a um exercício de catching up enquanto procura recuperar o tempo perdido. Esta foi sem dúvidas, uma das grandes chances que os nossos políticos deixaram passar por causa da ganância e falta de visão patriótica cujas consequências o país vai continuar a pagar por muito anos. Pior ainda, tivemos uma segunda oportunidade com o alcance da paz em 2002 e o subsequente boom económico que surgiu nos anos seguintes devido a uma dinâmica económica favorável a nível interno mas sobretudo graças a factores macroeconómicos globais e à subida do preço do petróleo, porém, mais uma vez, devido a má gestão, incompetência ou mesmo falta de patriotismo, Angola não conseguiu tirar partido dessa bonança. Por outro lado, são de elogiar os esforços desencadeados pelo novo Presidente da República com vista a recuperar as avultadas somas de dinheiros roubados do Estado – mais uma vez devido à ganância e à nítida falta de patriotismo que tornou Angola numa espécie de ‘país de saque’ com corrupção generalizada que tem vindo a roubar o precioso tempo que a Administração de JLO estaria a dedicar a outros temas de interesse nacional e assuntos importantes da política internacional, incluindo a consolidação da política externa de Angola, a implementação da agenda do desenvolvimento 2030 das Nações Unidas entre outros. Não obstante as falhas apontadas, Angola hoje tem uma grande oportunidade para se posicionar ao nível regional e internacional como um país sério e credível. Basta ver o destaque de JLO na influente e prestigiada revista Americana Foreign Affairs edição de Julho/ Agosto de 2019 como sendo um dos 5 líderes Africanos que irão marcar a nova história de África. Por fim, quando confrontado com a questão do patriotismo e escolha política que iria determinar o futuro do seu país, o primeiro-ministro de Singapura, Lee Kuan Yew afirmara que teve duas opções: Ou...me torno corrupto e coloco a minha família dentre as famílias mais ricas do mundo na lista da Forbes e deixar o meu povo sem nada. Ou...sirvo o meu país, o meu povo e coloco o meu país na lista das 10 melhores economias do mundo.
Escolheu a segunda opção!
(*) Doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais pelo Instituto Universitário de Lisboa ( IUL–ISCTE), Portugal, onde integra o Centro de Estudos Internacionais (CEI) como Investigador-especialista em Dinâmicas de Segurança, Política Externa, Operações de Paz e Política Internacional.