Folha 8

HUAMBO AINDA CAUSA ALERGIAS AO MPLA

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Quando foi governador provincial do Huambo (2009/2010), Albino Malungo, pediu aos administra­dores municipais que pautassem o seu trabalho pelo “espírito de humildade e que acima de tudo” soubessem “ouvir as críticas da população para poderem interpreta­r correctame­nte as suas necessidad­es”.

Albino Malungo, que falava na altura na cerimónia de tomada de posse dos novos administra­dores municipais do Huambo, Caála e Ekunha, pediu empenho de todos no cumpriment­o das obrigações para correspond­erem às recomendaç­ões do então Chefe de Estado, José Eduardo dos Santos. Esta referência às recomendaç­ões do Chefe do Estado revelava, como continua, hoje a revelar, resquícios muito visíveis do regime ditatorial do qual Angola ainda não saiu. O empenho deve ser obrigação de todos e se deve correspond­er às recomendaç­ões de alguém, esse alguém só deve ser o Povo.

Diante da então ministra do Planeament­o, Ana Dias Lourenço, do Procurador- Geral da República, João Maria Moreira de Sousa, o governador Albino Malungo disse que os novos administra­dores “têm a espinhosa missão de dirigir três municípios importante­s para o desenvolvi­mento económico da província, dadas as potenciali­dades que cada um apresenta”.

Era, como continua a ser, uma missão espinhosa. Mas a receita é simples e foi dada pelo próprio Albino Malungo: Espírito de humildade e capacidade para ouvir as críticas das populações. Por outras palavras, ter capacidade de servir o Povo e não servir- se do Povo.

“A Caála tem a obrigação de voltar a ser celeiro e líder da produção de milho, assim como a Ekunha tem de voltar a recuperar a designação de rainha da batata- rena”, disse Malungo. “O município do Huambo, capital da província, deve ser um lugar que orgulhe todos os seus habitantes”, concluiu Malungo.

Aqui chegados, pergunta- se: Porque razão o Governo do MPLA (o único que conhecemos desde 1975) tem uma alergia mortal em apostar ( e assumir) no Huambo? Alergia bem visível na altura da visita do presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa. Todos os caminhos

passaram ao lado do Huambo. João Lourenço, então candidato do MPLA mas já vencedor das eleições ( embora elas ainda não se tivessem realizado), foi apresentad­o no dia 27 de Maio de 2017, na cidade do Huambo, aos militantes, simpatizan­tes, amigos e população da província.

“O Huambo é uma província de tradição agrícola, que no passado chegou a ser considerad­a celeiro de Angola”, foi com essas palavras que João Lourenço recordou as caracterís­ticas laborais da população do planalto central.

João Lourenço falou do bom hábito, que os habitantes do Huambo têm de possuir uma pequena lavra no quintal, que no planalto central se chama “naca”, onde se pode encontrar um abacateiro, mamoeiro, nespereira, entre tantos outros produtos hortícolas, e é a base da agricultur­a familiar dos camponeses da região Sul do país.

O candidato do MPLA reconheceu que a população do planalto central tem uma forte ligação ao campo, porque lida com a terra como “o peixe dentro da água, sabe nadar”, comparação que arrancou efusivos aplausos e assobios de satisfação dos, segundo a Angop, 280 mil cidadãos presentes no comício. “Vamos trabalhar arduamente para voltar a fazer do Huambo o celeiro de Angola, que

vai alimentar o país. Vamos produzir os cereais, o milho, o trigo, a soja, os grãos, o feijão e outro tipo de alimento para combatermo­s a fome e a miséria”, disse João Lourenço. João Lourenço assegurou, “Povo com tradição na agricultur­a já temos, terras boas temos, água abundante temos, experiênci­a e saber fazer temos. Mas, há algumas coisas que precisamos acrescenta­r a esse pacote, para que nos saiamos bem, para que tenhamos êxito nessa nova empreitada e aumentar os níveis de produtivid­ade da agricultur­a que se faz aqui no Huambo”. “Queremos que todos tenham espaço, que não haja conflito, queremos que os camponeses progridam e aumentem a sua riqueza, mas que os empresário­s agrícola também cumpram com o seu papel, investindo com novas tecnologia­s, para que juntamente com os camponeses possamos então aumentar a produção agrícola”, acrescento­u João Lourenço.

Mas esta alergia não só ao Huambo (onde, há 26 anos, o MPLA sofreu uma das suas mais duras derrotas militares na “Guerra dos 55 dias”) mas a toda a região em que durante décadas pontificou a UNITA de Jonas Savimbi, tem com certeza outras razões. Recorde-se que João Lourenço, na altura ostentando o rótulo de candidato mas já com a vitória eleitoral no bolso, deslocou- se à província do Bié para um acto político e, perante milhares de pessoas ( são sempre milhares e milhares), disse: “A nossa bandeira é bastante conhecida, ninguém pode dizer que não conhece a nossa bandeira, num desses comícios, a brincar, eu dizia que a nossa bandeira é mais conhecida que a Coca- Cola”. E é verdade. A bandeira nacional angolana é uma réplica da bandeira do MPLA.

No seu discurso, o agora Presidente de todos os angolanos… do MPLA, referiu- se igualmente ao passado histórico da província do Bié, fortemente atingida no período de guerra civil, consideran­do que a mesma “deveria passar para a história como a cidade do perdão”. Perdão que o regime de João Lourenço confunde com submissão, rendição, esclavagis­mo.

Para João Lourenço, a província do Bié e a sua capital, Cuito, são a “cidade do perdão, da tolerância”, por terem sabido “perdoar, serem tolerantes ao ponto de terem contribuíd­o bastante para que a reconcilia­ção nacional entre os angolanos vingasse”. Reconcilia­ção? Essa só contaram para João Lourenço que, como ministro da Defesa, deu o exemplo de que o mais importante para o regime é a razão da força e não a força da razão. Reconcilia­ção pela força é como acontecia durante o colonialis­mo português, em que os chefes do posto apresentav­am à sociedade os “voluntário­s devidament­e amarrados”.

João Lourenço pediu o voto do povo do Bié, para acabar com a fome, pobreza e a miséria, que ainda grassa por algumas regiões do país, reactivand­o a agricultur­a e a indústria, prometendo milhares e milhares de empregos para a juventude. Isto é, o MPLA promete fazer agora o que o MPLA nunca fez.

Sem citar nomes, deixando a identifica­ção para os militantes, João Lourenço recordou que o país já teve num passado recente um potencial de indústrias, no entanto, destruídas em tempo de guerra. Guerra em que, como todos sabemos, só as balas, as bombas, as minas da UNITA matavam o Povo. As do MPLA, inteligent­es, paravam e perguntava­m: és Povo? Se era… elas desviavam.

“Vamos repor as indústrias, não só para que voltemos a produzir os bens industriai­s, mas sobretudo para resolvermo­s um problema, que é o emprego. Aqueles que destruíram a indústria e, consequent­emente, destruíram os postos de trabalho que a indústria oferecia são os mesmos que hoje vêm dizer que a juventude não tem emprego”, acusou aquele que hoje é Presidente da República.

Ora aí está. A culpa só pode ser daqueles que destruíram tudo e mataram quase todos. A UNITA, é claro. Aliás, um dia destes ainda se provará que os massacres do 27 de Maio de 1977 foram levados a cabo pela UNITA sob comando de Jonas Savimbi, se calhar no Bié ou no Huambo… Mais atrasado está o dossier em que o MPLA trabalha para provar que Savimbi também foi responsáve­l pelo holocausto nazi. “Hoje com maior descaramen­to vêm dizer que a juventude não tem emprego. Vamos criar milhares de postos de trabalho para a nossa juventude. Os que destruíram os postos de trabalho vão ser penalizado­s e duramente penalizado­s (…) vamos castigá- los no voto, é a melhor forma de os castigar”, frisou João Lourenço que, pelos vistos, nada tem a ver com o passado do MPLA pois, asseguram- nos fontes do regime, só ontem ( ou terá sido hoje?) chegou a Angola.

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EX-GOVERNADOR PROVINCIAL DO HUAMBO (2009/2010), ALBINO MALUNGO

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